Estatal integrou consórcio que fiscalizou obra de hidrelétrica que parou de funcionar pouco mais de um ano após inauguraçãoFurnas diz que decisão é retórica, já que não participa atualmente de nenhum projeto no país, e diz não ter culpa por falhas em usina
O presidente Rafael Correa disse ontem que já assinou o decreto que regulamenta a rescisão dos quatro projetos da construtora Odebrecht no Equador e que a medida inclui também a expulsão da estatal brasileira Furnas do país.
"Anteontem [quinta-feira] já assinei o decreto ratificando a expulsão. E expulsando também a firma fiscalizadora [Furnas], porque também é responsável pelo desastre de San Francisco. Também é brasileira. A empresa construtora é brasileira, e a fiscalização é brasileira. Amigos de alma", disse ele em seu programa de TV.
Furnas e a sócia equatoriana Integral foram as responsáveis pela fiscalização da usina de San Francisco, construída pela Odebrecht e paralisada desde 6 de junho, cerca de um ano após sua inauguração, por problemas no túnel principal e em uma das turbinas. A Controladoria Geral do Equador diz que o consórcio Furnas-Integral poderia ter evitado os defeitos.
Como o trabalho de Furnas em San Francisco já está concluído, a expulsão terá apenas um efeito prático, a exclusão da empresa da concorrência para fiscalizar a hidrelétrica Toachi Piláton, que também estava a cargo da Odebrecht. A empresa se considerava "potencial vencedora" da licitação por ter apresentado o menor preço.
"Furnas não tem absolutamente nada no Equador. Não temos pessoas, não temos equipamentos, não temos bens. Então, essa questão de expulsar Furnas é mais retórica do que prática mesmo", disse ontem o diretor de construção da empresa, Márcio Porto.
Ele eximiu Furnas de responsabilidade por eventuais falhas na fiscalização. "Se tem um peso maior na fiscalização, foi do Equador. É preciso deixar claro que não foi uma empresa brasileira fiscalizando uma empresa brasileira. Foi um consórcio brasileiro-equatoriano."
Diferentemente da Odebrecht, Furnas é uma empresa estatal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia e controlada pela Eletrobrás. Além da expulsão de Furnas, Correa não deu mais informações sobre o conteúdo do decreto, cujo teor ainda não foi divulgado. Segundo a Folha apurou, a medida dá 30 dias para que a Odebrecht deixe os quatro projetos dos quais participa, cujos orçamentos somam US$ 650 milhões.
A Odebrecht tem dito que respeitará a decisão de Quito, mas que ainda não foi oficialmente informada da expulsão.
Crise diplomáticaCorrea disse ontem que "respeita, mas não entende" a decisão do governo brasileiro de suspender a visita de missão técnica liderada pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, em retaliação à rescisão dos contratos da Odebrecht e à ameaça de nacionalizar investimentos da Petrobras.
"Um imenso abraço ao presidente Lula da Silva, respeitamos sua decisão, mas recordamos que o Equador é um país soberano, e este é um problema do Equador com uma empresa privada. E não permitiremos que nenhuma empresa, inclusive de um país tão querido como o Brasil, se burle do Equador."
A missão trataria do Manta-Manaus, projeto que liga a cidade portuária equatoriana à capital do Amazonas e prevê a construção de estradas, pontes, portos e vias fluviais.
"Quem mais se prejudica é Manaus. Porque não vai ter a sua hidrovia a tempo. Nós podemos mandar cimento, mandar alimento fresco, que tanto necessitam e é tão caro em Manaus. Espero que o governo brasileiro revise essa decisão."
Em tom mais duro, a Chancelaria equatoriana afirmou ontem em nota que "deplora que essa decisão possa ter sido adotada em relação à situação entre o Estado equatoriano e uma empresa privada". Expressou, porém, a "vontade de continuar fortalecendo as relações bilaterais" com o Brasil.
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Folha, 12/10/2008)