O mar no Brasil não está para peixe. Cerca de 80% das espécies economicamente exploradas no país estão ameaçadas pela sobrepesca, ou seja, estão sendo pescadas além da sua capacidade de regeneraçãoO alerta faz parte do relatório "À deriva - um panorama dos mares brasileiros".
Elaborado pelo Greenpeace, com a ajuda de 40 especialistas, o documento lista outros problemas relacionados ao bioma marinho, como a escassez de áreas de conservação (apenas 0,4% de toda a costa brasileira encontra-se protegida), e cobra das autoridades uma política nacional para os oceanos.
- É extremamente importante termos uma política nacional para os oceanos para, entre outras coisas, gerar recursos para a conservação - afirma Ilana Wainer, professora do Instituto Oceanográfico da USP, que participou do relatório.
- Mas não adianta nada termos isso, sem haver um trabalho de disseminação da informação. Do contrário, o cidadão comum vai continuar jogando lixo nas praias e vai tudo continuar como está.
Além de uma política nacional para os oceanos, o estudo destaca outras áreas prioritárias para a proteção dos mares brasileiros: combate à pesca predatória, mais estudos sobre o impacto das mudanças climáticas nos oceanos (já que a elevação do nível do mar vai, inevitavelmente, afetar as cidades costeiras) e implementação de áreas marinhas protegidas (APMs).
- São quatro áreas consideradas de emergência - diz Leandra Gonçalves, do Greenpeace, que coordenou o estudo.
- Mas uma política nacional para os oceanos só vai funcionar se for elaborada com a participação de todos aqueles que lidam com o mar, vivem perto dele, como é o caso de 25% da população brasileira, ou dependem dele para sua sobrevivência. E a sociedade tem que ser informada para poder participar também.
Ambientes terrestres recebem mais atenção O oceanógrafo Gilberto Sales, que também colaborou com o relatório, ressalta que quando se fala em conservação no país, todas as atenções naturalmente se voltam para os ambientes terrestres, como a Floresta Amazônica e sua fauna e flora, mas pouco atenção é dada aos mares.
- Há uma grande dificuldade de mobilização da sociedade em relação aos oceanos.
Afinal, as pessoas não sentem a necessidade de proteger o que não conhecem - diz ele, que trabalha no Projeto Tamar, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio). - Elas vêem as imagens da devastação da Amazônia e se revoltam.
Mas quando olham para o oceano, só vêem aquele mar azul, se estendendo pelo horizonte, onde parece estar tudo bem. Essa dificuldade de enxergar os problemas faz com que o ambiente marinho seja a última fronteira da mobilização da sociedade em termos de preservação.
Salles cita o caso dos emissários submarinos, classificandoos como "gritantes" exemplos de descaso com os oceanos.
- Por toda a parte, festejase a construção de um emissário, como no caso do emissário submarino da Barra da Tijuca.
Você pega o esgoto e o arremessa para longe da visão humana, a dois quilômetros de distância da costa. Só que as correntes e a circulação do mar vão devolver aquilo, de uma forma ou de outra.
(O Globo,
FGV, 08/10/2008)