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passivos da pecuária desmatamento da amazônia
2008-10-09
No período de 1966 a 1970 a Sudam aprovou de uma só vez 66 projetos que beneficiaram principalmente empresários paulistanos

Crescimento da pecuária mato-grossense começou com os incentivos da velha Sudam

No início de 1974 fracassou a colonização na Rodovia Transamazônica (BR-230) e o governo militar começou a apoiar grandes projetos agropecuários no Brasil Central.  Em setembro daquele ano o general-presidente Ernesto Geisel anunciava a criação do Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), para atender a 15 "pólos de desenvolvimento” que contemplariam empreendimentos pecuários, de mineração e de extração de madeira.  A agropecuária em Mato Grosso começou a crescer a partir de setembro de 1974.

Ainda durante o regime militar, enquanto a guerrilha se instalava na região do Araguaia, índios perderam terras para as propriedades rurais.  Algumas fazendas estenderam seus limites para dentro das reservas, originando conflitos.  O sarampo atacou fortemente e fez muitas vítimas.

No sul do País, o tamanho médio das fazendas de gado era de 800 a 900 hectares e a maior não passava de seis mil ha.  Somente a Fazenda Suiá-Missu, em Barra do Garças e Luciara, totalizava 695 mil hectares.  O Polamazônia equivaleria ao Plano de Integração Nacional (PIN), anunciado em junho de 1970 pelo general Emílio Garrastazu Médici, antecessor de Geisel.

No período do “milagre brasileiro” (1968-1974) havia pobreza, muita pobreza no Araguaia.  E muita cobiça em torno do Parque Nacional do Xingu.  A riqueza se concentrava em São Paulo, de onde eram direcionados os investimentos para as terras de Mato Grosso.

Médici, o general do "Brasil do milagre econômico".Documento abre polêmica

Entre 1975 e 1979 estimavam-se investimentos de US$ 4 bilhões só de capital privado na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).  Investidores compraram inicialmente cerca de 6 milhões de hectares de terras.  Roma sediava a Conferência Mundial de Alimentos.  Nela, o Instituto Transnacional de Amsterdã publicou relatório Fome Mundial: causas e remédios.  Nele, assinalou que as empresas da agroindústria se dedicariam ao lucro e não à alimentação do povo.

“Descobriram que o dinheiro de verdade nesse ramo está na comercialização de alimentos produzidos ao menor custo possível no acondicionamento mais sofisticado, esbanjador e ecologicamente destrutivo – mas altamente lucrativo para aquela relativa minoria, no mundo, que tem como pagar por isso”.  Um espanto.  O documento repercutiu mal.

O próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se deixava seduzir pelo modelo agroindustrial e preparava-se para vender, nos cinco anos seguintes, 21 milhões de ha da União na Amazônia para empresas madeireiras e agropecuárias.  A euforia econômica foi grande em Barra do Garças.  Abatiam-se duas mil cabeças por dia para o abastecimento de frigoríficos.

Adivinhe quem levou a pior já naquele período?  Acertou se disse “os índios”.  Ao norte do Parque Nacional do Xingu, uma grande agropecuária se considerou dona de parte da reserva Tapirapé.  Na Ilha do Bananal, no leste do parque, cinco mil brancos – empregados vinham de Goiás e de estados nordestinos – e mais de 200 mil cabeças de gado tomaram conta de uma grande faixa de terras dos Karajá.

Fazendas de gado se expandiram nos municípios de Barra do Garças e Luciara.  Durante quase um século esse imenso território entre os rios Xingu e Araguaia esteve livre da colonização, vendo-se uma grande resistência dos índios Xavante, contatados em 1946 pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI).  As doenças foram inevitáveis.

Os índios revidavam às invasões de suas terras, matando o gado dos fazendeiros e bloqueando caminhões nas estradas.  Em agosto de 1974 um grupo de fazendeiros armados foi a São Marcos e tentou remover os índios à força.  O fato ocorreu no dia da cerimônia de iniciação dos jovens Xavante e irritou-os.

Os governos dos anos 1950 já loteavam o território Xavante, pacificados pouco tempo antes.  Quando surgiu a Fazenda Suiá-Missu havia 263 índios nas aldeias.  A Suiá-Missu fora adquirida pela Liquigás italiana, cujo objetivo era expandir o rebanho de 68 mil vacas zebus para 300 mil cabeças, cruzando-os com reprodutores Chianina e Marchigiana, importados da Itália.

O fazendeiro Orlando Ometo conseguiu um avião da Força Aérea Brasileira, em 1966, e transferiu os índios dessa fazenda para as terras da Missão Salesiana em São Marcos, terra do notável cacique e deputado federal falecido Mário Juruna (PDT).  Para quê?  Poucos dias após esse remanejamento forçado, os índios foram atingidos por uma epidemia de sarampo.  Morreram 83.

Já em Santana do Araguaia (PA), a Volkswagen assumiu quase duas décadas depois 22 mil ha de terras para formar pastos e criar gado também para exportação.  A direção da empresa justificava o novo negócio, argumentando que “atendia ao apelo do governo para que grandes companhias participem do desenvolvimento da Amazônia”.

A construção da rodovia Belém-Brasília (BR-010) acelerou as migrações internas e ampliaram-se os requerimentos de terras com incentivos fiscais da Sudam.  No início dos anos 1970 não mais que 60 mil pessoas viviam em Barra do Garças e Luciara.  Na época, os conhecidos roceiros misturavam-se aos índios Xavante, Tapirapé e Karajá.  Havia uma convivência pacífica, no meio de centenas de casos de subnutrição.

O estabelecimento dos Xavante em São Marcos ficou registrado na Aborígenes Protection Society (Sociedade Protetora de Indígenas), em Londres, na Inglaterra.  Documentos do ex-bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, foram encaminhados à Universidade de Cataluña, na Espanha.

O recorde do regime militar se deu no período de 1966 a 1970, quando a Sudam aprovou 66 projetos, destacando-se empresários paulistanos.  No final de 70, ano do tricampeonato mundial conquistado pela seleção brasileira, o montante dos incentivos fiscais totalizava cerca de 300 milhões de cruzeiros.

Um ano depois, dom Pedro lançou o documento Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social, no qual relatou pela primeira vez os conflitos resultantes da expansão da pata do boi.  Foi esse prelado que denunciou a invasão das terras indígenas.  Atualmente aposentado e septuagenário, ele cuida do Mal de Parkinson.  Vive ainda na mesma região onde enfrentou fazendeiros, jagunços, policiais militares e federais, e agentes infiltrados do Exército.

Pressionados por fazendeiros, em meados dos anos 1970 o governo abria estradas que cortavam a parte norte do Parque do Xingu, descrito por um deles como o “filé mignon do Brasil”.  “Um estado de desorganização e desespero”.  Assim dom Pedro descrevia a situação dos índios que haviam deixado o parque.  “Sem assistência concreta e regular, sem terras bem definidas, essas pessoas chegam às estradas, parando os caminhões e ônibus, e mendigando comida”, contava.

Obstáculos a demarcações
Em 14 setembro de 1972 o governo militar editava dois decretos criando as reservas indígenas de Sangradouro e São Marcos.  Cinco dias depois, outro decreto criava mais três reservas em Areões, Pimentel Barbosa e Couto Magalhães.  Mas os conflitos prosseguiram e durante muitos anos os índios enfrentaram os fazendeiros, que sempre tentaram impedir as demarcações.  Diversas vezes as reservas ficaram em estado de emergência.

No lado dos peões que derrubavam a mata para a “limpeza das áreas”, a situação também se complicava.  Segundo o documento, eles enfrentavam a malária sem qualquer assistência médica.  E para não deixar ninguém fugir, os capatazes apontavam-lhes pistolas e metralhadoras.  “Eram considerados uma raça inferior”, escrevia dom Pedro.

Expropriação da terra indígena
“Quando chegaram a Mato Grosso, camponeses que viviam ali há 40 anos, eram tratados como heróicos pioneiros do interior do Brasil.  Eles estabeleceram os chamados patrimônios.  Assim foi com Santa Terezinha, Porto Alegre, Cedrolândia, Serra Nova e Pontinópolis”, contava ainda o bispo.

“Por algum tempo, uma situação de tolerância mútua existiu entre essas comunidades camponesas e as várias tribos indígenas de Mato Grosso.  No final da década de 60, contudo, chegaram grandes fazendas de gado.  Tal como ocorreu com os índios, os posseiros viram-se diante da expropriação de suas terras”, registrou no documento.

E o Brasil entra no mercado mundial da carne
Brasília – Para a história, elas foram pioneiras.  No entanto, a maioria dos seus donos e empregados protagonizou um período marcado por sangue, suor e lágrimas.  Pelo menos sete anos antes da divisão do estado, ocorrida em outubro de 1977, Mato Grosso já se tornava uma das maiores regiões pecuárias do País, por conta das exigências industriais.

Em 1974, por exemplo, a Companhia Swift-Armour (adquirida da King Ranch americana pela Deltec International) planejava suas fábricas de enlatados em Goiás e no Pará.  E a Companhia Bordon – que também foi buscar terras no extinto Território Federal de Rondônia – reequipava sua fábrica de carne enlatada em Anápolis (GO).  A Anglo adquiria equipamentos na Argentina para uma nova fábrica de enlatados em Goiânia.  Ainda naquela época, a Comabra – ex-subsidiária da Wilson –, planejava construir um novo frigorífico em Mato Grosso.

Se no sul o tamanho médio das fazendas de gado era de 800 a 900 hectares e a maior fazenda não passava de seis mil ha, somente a Fazenda Suiá-Missu, em Barra do Garças e Luciara, ultrapassava 695 mil ha e recebia, em 1970, incentivos de 7,8 milhões de cruzeiros.  Com seus 196,4 mil ha, a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia (Codeara), registrada em nome de fazendeiros de São Paulo e ligada ao extinto Banco de Crédito Nacional (BCN), obteve 16 milhões de cruzeiros.

Um informe do Departamento de Comércio dos Estados Unidos dizia: “A capacidade de produção para o abate e processamento de carne bovina e suína está crescendo e sendo modernizada, de modo a preparar o Brasil para entrar no mercado mundial de forma realmente grandiosa em 1977”.

De dezembro de 1972 a março de 1973, o preço médio da carne de boi nos EUA subiu de 1,15 para 1,35 dólares por libra-peso, registrando um aumento de 17% em apenas três meses.  E o bife da melhor carne bovina, vendido a 1,69 dólares a libra nos EUA, custava 1,88 na Inglaterra, 2,45 na Bélgica e 2,79 na Itália.

Em 1972, só os EUA importavam 4 bilhões de quilos de carne bovina – apenas 8% do consumo nacional total, porém, mais de um terço de toda a carne negociada no mercado internacional.  Um ano depois, em 1973, o rebanho brasileiro contava 90 milhões de cabeças e já era o terceiro do mundo.  (M.C.)

Esta matéria foi originalmente publicada na edição de setembro da revista Sina, de Cuiabá (MT).  Na próxima matéria conheça quem era quem na pecuária mato-grossense há mais de 30 anos.  E a expulsão do padre François Jentel do Brasil.

(Agência Amazônia, FGV, 08/10/2008)

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