Imagine a Amazônia, com todos os seus 5.217.423 km² de floresta, protegida pelas forças armadas. Um contingente gigantesco para fiscalizar e impedir a existência de qualquer tipo de atividade econômica e social. E, mais do que isso, pense em uma Amazônia sem propriedades particulares, onde todos os donos de terras teriam sido destituídos de suas posses. Devaneio? Utopia? Pode até parecer, mas há quem leve esta idéia bem a sério.
É exatamente este o projeto da Organização Preservacionista e Assistencial Previdência (OPAP), uma ONG com sede em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O "Protocolo de Ribeirão Preto", como foi batizado o projeto, traz a proposta de desapropriação de todas as posses na Amazônia e a transformação da região em uma Área de Preservação Permanente (APP).
Saranti Sarantopoulos, idealizador do projeto diz: "Pode chamar [o protocolo] de xiita, mas é o empreendimento do século". Se levarmos em conta o critério ousadia, realmente o Protocolo tem tudo para entrar na história. A começar pelo processo de desapropriação. O primeiro passo para a implementação do plano seria sua aprovação na Organização das Nações Unidas (ONU).
Por meio desta aprovação, seria criado uma espécie de "Imposto Amazônia". Em outras palavras, uma contribuição que cada um dos países membros da ONU teria de pagar proporcionalmente à seu PIB. O dinheiro arrecadado seria transformado então em títulos internacionais de alta liquidez e usados para a desapropriação das terras amazônicas. Seus atuais proprietários receberiam estes papéis em troca das posses.
O próximo item seria transformar toda esta área em APP, ou seja, em uma área existente para a preservação dos recursos naturais. Em uma APP qualquer intervenção humana requer autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), caso contrário, a ação é considerada como crime ambiental, passível de pena de detenção de um a três anos e multa de até 50 mil reais por hectare danificado ao autor.
Neste aspecto o protocolo não difere muito da atual realidade. "O projeto é uma espécie de 'Guarda Chuva Legal', pois só transformará a Amazônia no que ela já é: uma área que não pode ser degradada" garante Saranti. Porém a transformação acarreta um grande problema para as mais de 25 milhões de pessoas residentes nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal.
Saranti defende que a presença destas pessoas é fundamental para o projeto, pois eles integrariam a força nacional encarregada de "fechar" a Amazônia. "Vamos contratar grande parte dessas pessoas para compor as forças que protegerão a floresta. Até certo ponto resolveremos inclusive um grande problema de desemprego", garante ele. Porém, a fragilidade do projeto começa mostrar-se evidente neste ponto.
Quem ficaria responsável pelo dinheiro do "Imposto Amazônia"? E como sobreviveriam as cidades amazônicas em uma área que não pode alavancar desenvolvimento econômico? "Muitas destas questões ainda precisam ser discutidas", explica-se Saranti.
O outro lado
Há quem esteja preocupado com estes problemas dentro da própria Opap. O professor da Universidade de São Paulo, Miguel Dabdoub, é presidente científico da organização e discorda do protocolo. "Temos que dar direito ao desenvolvimento para os habitantes da Amazônia" afirma. Pesquisador responsável pelo projeto "Biodiesel Brasil", Dabdoub acredita que somente por meio de um desenvolvimento sustentável é possível preservar a floresta. "Ecologia é uma coisa boa, mas não pode ser radical", garante.
Embora trabalhe na mesma ONG, o professor admite a diferença ideológica "O projeto de Saranti é preservacionista enquanto que eu acredito que o caminho é o conservacionismo". Para ele é necessário acabar com a irracionalidade da exploração, e não cessá-la. "Não tem melhor protetor do que o extrativista que depende da floresta. A conscientização de que todo explorador da Amazônia depende dela é a chave para salvá-la".
Outro ambientalista que não concorda com o protocolo é o presidente da Fundação Amazônia Sustentável, Virgilio Viana. Ex-secretário de desenvolvimento sustentável do Amazonas, Viana ressaltou mais uma vez a importância de não esquecer-se das populações locais "Devemos considerar que a Amazônia não é só um sistema de plantas e animais, nela existem pessoas. Temos que fazer com que as pessoas sejam parceiras da preservação", afirma.
O "Protocolo de Ribeirão Preto" deve ser lançado no dia 26 de março de 2009 na "Ecochange", evento que acontece na cidade e será organizado pela Hstream Hotéis, com apoio do jornal Valor Econômico e da Universidade de São Paulo. Durante o encontro haverá uma palestra de lançamento do protocolo lecionada pelo senador Cristovam Buarque (PDT), grande apoiador do projeto.
Cristovam chamou para si a responsabilidade de ser o porta-voz político do protocolo, levando-o para discussão no Senado e na ONU. Procurado pela reportagem, o senador ainda não comentou sobre sua participação no projeto.
(Por Flávio Bonanome, Amazonia.org.br, 08/10/2008)