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indústria química nanotecnologia
2008-10-09

"Vou lhe contar um segredo: não tenho diploma de doutor." A revelação, feita com um sorriso no canto da boca, surpreende por vir do professor da Unicamp Fernando Galembeck, um dos principais pesquisadores brasileiros em química. Mas ele logo se explica: "Fiz o doutorado na época em que essa ainda era uma atividade interna das universidades. Por isso, só tenho um papelzinho da USP [Universidade de São Paulo] dizendo que sou doutor".

Foi justamente quando se preparava para conseguir esse papelzinho, recebido em 1970, que Galembeck teve a oportunidade de conviver com o polonês Pawel Krumholz — que fora assistente do químico austríaco Fritz Feigl, famoso por ter criado a técnica de "análise de toque". Essa convivência ajudou a traçar o caminho que o jovem pesquisador, então com menos de 30 anos, percorreria em sua vida acadêmica. "Na cabeça do Krumholz, não fazia sentido separar pesquisa e indústria", lembra.

Antes de chegar ao Instituto de Química (IQ) da Unicamp, em 1980, Galembeck fez pós-doutorado nas Universidades da Califórnia e do Colorado, nos Estados Unidos, lecionou na USP e também na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Hoje, é um entusiasta pelas parcerias entre academia e setor produtivo."É importante trabalhar com empresas porque elas têm informações que não temos, percebem coisas que nós não percebemos", explica.

Galembeck desenvolveu projetos com empresas de todos os portes desde que entrou na Unicamp. Um deles, com a multinacional Bunge, durou nove anos e resultou no Biphor, pigmento branco para tintas à base de água que incorpora nanotecnologia. Apesar de ter sido lançado em 2005, o Biphor ainda não começou a ser comercializado. "A volatilidade do mercado de commodities criou uma incerteza muito grande para o produto", justifica o pesquisador, referindo-se à alta do preço do fosfato de alumínio, matéria-prima do pigmento.

Em 2009, contudo, a pequena empresa paulistana Orbys deve dar início à produção industrial do Imbrik, nanocompósito de borracha natural e argila desenvolvido a partir de uma patente de Galembeck. Em seus 28 anos de Unicamp, o professor soma 18 patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Segundo a Agência de Inovação Inova Unicamp, essas patentes repercutiram em mais de 40 depósitos, quando incluídas suas versões internacionais.

Dia 10 de setembro, Galembeck recebeu Inovação em sua sala no IQ para a seguinte entrevista:

Inovação - Além de estar entre os pesquisadores da Unicamp que mais depositam patentes, o senhor é conhecido por trabalhar constantemente em parceria com empresas. O que o levou a se aproximar do setor produtivo?

Galembeck - O trabalho com empresas começou há muito tempo. Um dos motivos que me fizeram seguir esse caminho foi o convívio com meu orientador de tese na USP, Pawel Krumholz, polonês que havia sido assistente do Fritz Feigl em Viena e veio parar no Brasil fugido da II Guerra [Feigl é tido como um dos maiores químicos analíticos do século XX; austríaco, viveu no Rio de Janeiro de 1940 até sua morte, em 1971. Nota do E.]. Como era estrangeiro, Krumholz teve dificuldade para conseguir emprego em universidades e foi trabalhar na indústria. Ele só entrou na USP quando o governo federal desapropriou a Orquima, em 1965 [criada em 1942, a Orquima – Indústrias Químicas Reunidas S/A possuía uma unidade no bairro Brooklin Paulista, em São Paulo, na qual beneficiava areias monazíticas para obtenção de urânio. Nota do E.]. Na cabeça dele, não fazia sentido separar pesquisa e indústria. Também foi importante o serviço que a USP me passou quando voltei do pós-doutorado nos Estados Unidos: montar um laboratório de química coloidal na universidade, com patrocínio da Unilever. Trabalhei nisso durante algum tempo e depois fui para Inglaterra e Holanda. Lá, vi que as pessoas da universidade e as da indústria sempre discutiam coisas e faziam projetos em conjunto. O terceiro ponto importante foi a parceria com a Pirelli, iniciada quando eu já estava aqui na Unicamp. Trabalhei com a empresa durante vários anos — de 1984, 1985 a 1991 — e tenho artigos publicados em revistas científicas com gente de lá. Um dos projetos feitos com a Pirelli gerou um produto importante: um cabo de alta tensão que foi usado no Eurotúnel. O último projeto, em 1991, foi sobre cabos para risers de produção de petróleo em grande profundidade. Naquela época, grande profundidade queria dizer mil metros.

Inovação - O senhor disse que a parceria com a Orbys foi importante, do ponto de vista científico, porque levou à descoberta de que o Imbrik é estabilizado por adesão eletrostática. Como funciona essa adesão?

Galembeck - As partículas de borracha natural e de argila do Imbrik têm superfície negativa. Por isso, as pessoas costumam pensar que elas se repelem. Mas essas partículas estão em um líquido que também contém íons de carga positiva — eles precisam estar lá, sempre. Quando o líquido seca, forma-se um "sanduíche": partículas negativas de borracha natural, íons positivos e partículas negativas de argila. Esta é a adesão eletrostática: o "mais" atrai os dois "menos". Descobrir que o Imbrik estabiliza-se dessa forma foi interessante porque mostrou que nem sempre a teoria e a ciência básica vêm antes da aplicação, como se costuma pensar. A borracha vulcanizada foi feita quando ninguém tinha a menor idéia a respeito da ciência da vulcanização, e há muitos outros exemplos semelhantes.

Inovação - A existência da adesão eletrostática ainda não havia sido constatada?

Galembeck - A adesão eletrostática era até um pouco desmoralizada na literatura. Apesar de ter sido bastante discutida no passado, ainda não havia evidências claras de que ela acontecia. As pessoas observavam alguns efeitos, mas os atribuíam a outros tipos de interações — não às interações entre íons. Se cortarmos um polímero contendo partículas de sílica, por exemplo, em filmes bem finos, veremos como essas interações são fortes. Nos filmes, a estrutura do polímero será semelhante à de uma espuma, com vazios e paredes, só que em duas dimensões. Embora os dois materiais não se misturem facilmente, a presença de uma partícula de sílica não fará nem as paredes mais esticadas do polímero arrebentar.

Inovação - Uma das duas patentes derivadas do projeto do Imbrik que a Unicamp depositou em agosto deste ano diz respeito à produção de laminados de nanocompósitos. Para que serviriam esses laminados?

Galembeck - Vou dar um exemplo dramático: blindagem contra projéteis. As blindagens, como os pára-choques de automóvel e outros objetos que precisam resistir a impactos, são feitas, em geral, de camadas alternadas de materiais moles e duros. O problema é que esses materiais não costumar ser bem compatíveis. Já com um laminado de um nanocompósito como o Imbrik, é possível alternar camadas sem nenhum problema. Por uma razão muito simples: a matriz é a mesma — a borracha. A adesão entre o material rígido e o material mole é perfeita.

Inovação - E qual seria a utilidade da outra patente?

Galembeck - A outra patente trata da obtenção de nanocompósitos de termoplásticos [plásticos que se tornam maleáveis quando aquecidos. Nota do E.], como polietileno, polipropileno, poliéster. É uma aplicação da idéia da adesão eletrostática, mas não em borracha, como no Imbrik.

Inovação - O senhor participa do desenvolvimento de produtos baseados no Imbrik?

Galembeck - Não. Há etapas bem diferentes no processo de inovação. Em algumas, o papel da universidade é muito importante. Em outras, a universidade não dá grande contribuição. Posso até brincar de fazer uma bolinha de tênis, mas não tenho a competência necessária para isso [a bolinha de tênis deverá ser o primeiro produto baseado no Imbrik a chegar ao mercado. Nota do E.].

Inovação - Que outros assuntos o senhor pesquisa em seu laboratório na Unicamp?

Galembeck - Temos uma linha de trabalho que ainda não deu nenhum resultado prático, mas que acho extremamente interessante: a de eletrostática de materiais. Você já levou choque ao vestir uma roupa no frio, descer do carro ou encostar em alguma coisa? Tudo isso é eletrostática — e isso mata pessoas, provoca ignição espontânea de combustível em postos de gasolina, explode fábricas. Começamos a estudar esse problema, que é antigo, há sete ou oito anos. Nossa primeira surpresa foi encontrar manchas em mapas elétricos de sólidos isolantes — aqueles que não são metais nem semicondutores. Para 99% dos alunos e professores de física, química ou engenharia, a superfície desses sólidos é neutra. Mas os mapas mostraram que há regiões escuras, que são negativas, e regiões claras, que são positivas. Essa descoberta nos permitiu entender a distribuição de cargas em materiais como o poliestireno, um látex usado na fabricação de tintas. As partículas de poliestireno são negativas no centro, devido à presença de grupos sulfato, e positivas na borda, onde há íons potássio. Para outros materiais, como papel e polietileno, tivemos de adotar um modelo baseado em trocas de moléculas de água e íons com a atmosfera. Publicamos o primeiro artigo sobre esse modelo em 2005. O segundo artigo saiu no começo deste ano e o terceiro acabou de ser aceito, depois de uma batalha que durou meses.

Inovação - Como funciona esse modelo?

Galembeck - O que o modelo tem de novo é o fato de considerar o papel da água presente na atmosfera. Sobre todas as superfícies existe uma camada de água imperceptível à visão e ao tato, na qual se formam íons com carga positiva ou negativa. Os choques são provocados pela carga desses íons. O objetivo do nosso trabalho é, de um lado, conseguir melhores condições de segurança pessoal e industrial; de outro, conhecer os fenômenos para poder aplicá-los em dispositivos, máquinas e materiais que hoje não sabemos como fazer. Se entendermos como as coisas acontecem, acho que conseguiremos fazer muitas patentes.

Inovação - O senhor poderia citar uma possível aplicação dessa linha de pesquisa?

Galembeck - Uma bem delirante? Captar eletricidade da atmosfera. Já existem tênis, saltos de sapato e até sutiãs femininos que captam a energia do movimento da pessoa e a transformam em energia elétrica — segundo os relatos que ouvi, dá para manter o celular carregado. Essa aplicação não tem nada a ver com o que pesquisamos, mas mostra a possibilidade que existe: se hoje se consegue gerar energia elétrica a partir do movimento de uma pessoa, provavelmente conseguiremos aproveitar a energia elétrica da atmosfera. Para isso, precisamos ter controle. Com metais, nós temos: ligamos na tomada, há passagem de corrente elétrica, o motor gira, a lâmpada acende. Com isolantes, ainda não.

(Por Rachel Bueno, Inovação/Unicamp, 06/10/2008)


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