Começam neste mês de outubro os testes de campo do Programa de Avaliação de Conformidade para Etanol Combustível. O programa visa a superar barreiras não tarifárias que podem vir a ser criadas para o etanol brasileiro no comércio exterior e está a cargo do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
De acordo com o diretor de qualidade do Inmetro, as usinas que participarão dos primeiros testes estão sendo escolhidas pelo instituto com o apoio da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa parte do setor produtivo nas discussões em torno do programa. Alfredo Lobo informa que serão selecionadas uma usina de São Paulo, uma nordestina e outra do Centro-Oeste. A certificação é voluntária.
O documento-base contendo a proposta inicial do governo para a avaliação de conformidade para etanol ficou em consulta pública por 20 dias no site do Inmetro. Apesar de o prazo ter se encerrado em 28 de agosto, a instituição ainda está recebendo sugestões de aperfeiçoamento do documento, que será usado nos testes com a produção das três usinas. As diretrizes do documento resultaram das discussões realizadas em reuniões e dois painéis de debate, para os quais o Inmetro convidou representantes dos setores acadêmico, empresarial e do governo. Mais de 200 pessoas participaram apenas dos painéis, destaca Lobo.
"A idéia é fazer, até dezembro, duas ou três certificações-piloto para aprofundar a análise e verificar o nível de rigor dos requisitos", diz ele a respeito dos testes. Em novembro e dezembro, o Inmetro espera fechar os critérios para certificação e enviar uma proposta de regulamento de avaliação para o MDIC discutir com os ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Trabalho, também envolvidos no assunto da certificação do etanol. A decisão de implementar a certificação ficará a cargo dos ministérios.
O que será avaliado para a usina obter o selo do programa
O programa de avaliação visa a determinar critérios socioambientais para concessão de um certificado que terá um selo de identificação da conformidade. Esse selo, na prática, atestará para os compradores de etanol que toda a cadeia produtiva de uma usina segue boas práticas de produção e cumpre os requisitos definidos pela regulamentação do programa no que se refere aos aspectos sócio-ambientais, com destaque para a redução na emissão de gases de efeito estufa. Com a certificação, o Brasil pretende mostrar para os compradores internacionais que o etanol produzido aqui é sustentável do ponto de vista ambiental, responsável do ponto de vista social e contribuidor do esforço para a redução de emissões de carbono.
A primeira parte do programa refere-se à composição e à qualidade do etanol. As diretrizes propostas na atual regulamentação seguem os padrões técnicos já definidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para biocombustíveis. No Anexo B da proposta de regulamentação da avaliação de conformidade do Inmetro estão definidas as especificações da ANP a ser consideradas, como aspecto, cor, acidez total, teor alcoólico, quantidade máxima permitida de ferro, sódio e cobre, e métodos de ensaio para determinar as quantidades.
"O ideal nesse caso é existir uma norma internacional. Estamos conversando com a ISO para chegarmos a ela", revela. ISO é a sigla em inglês para a Organização Internacional de Normalização (International Organization for Standardization), com sede em Genebra, Suíça, entidade composta por vários países e que trata das questões de normas e certificação para o mercado internacional.
Impacto socioambiental
A segunda parte do programa trata da avaliação do impacto sócio-ambiental do processo produtivo. Este será analisado como um todo: do plantio da cana-de-açúcar até a saída do etanol da usina. No Anexo A constam os princípios, critérios e indicadores que servirão para avaliar se uma usina pode receber o selo de identificação de conformidade. O primeiro princípio refere-se à racionalidade no uso dos recursos naturais. Entre os pontos a ser analisados pelos auditores no processo de certificação estão o atendimento ao zoneamento agroecológico, quando este existir; a atualização da licença ambiental, que deve ser renovada de três em três anos; a adoção de práticas que minimizem ou promovam a reutilização de recursos hídricos; a existência de evidências de aumento de mecanização; a utilização ou não da biomassa para geração de energia elétrica; entre outros.
O segundo princípio trata da proteção, recuperação e conservação da biodiversidade. Os auditores vão observar se a usina mantém unidades de conservação na área de influência de plantio e se respeita áreas de reserva legal e de preservação permanente, por exemplo. O terceiro princípio diz respeito às águas, ao solo e ao ar, com destaque para a redução da queima da palha da cana; a implementação de políticas de redução, tratamento ou reaproveitamento ambientalmente adequado de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos; o manejo integrado de pragas e doenças; as boas práticas de uso de defensivos agrícolas e fertilizantes.
O quarto princípio enumera o que seriam as boas práticas em relação a questões trabalhistas, previdenciárias, de saúde e segurança do trabalhador. Serão indicadores para esse princípio a observação de critérios de segurança e saúde no transporte, preparação, manuseio de agrotóxicos, maturadores e outros insumos; o uso de equipamentos de proteção individual, fornecidos gratuitamente aos trabalhadores e em bom estado de conservação; a existência de alojamento para os trabalhadores sazonais migrantes; a existência de programas de treinamento e aprimoramento da mão-de-obra, com o objetivo de diminuir o número de acidentes de trabalho; o respeito aos limites legais de jornada de trabalho e períodos de descanso; entre outros aspectos.
Análise da emissão de gases estufa ainda demora
Um terceiro ponto do programa de avaliação da conformidade para o etanol é a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEEs). No primeiro princípio do Anexo A, que trata da racionalidade no uso dos recursos naturais em busca da sustentabilidade, exige-se que as usinas certificadas tenham adotado ações para minimizar a emissão dos GEEs. Essa parte precisa ainda de mais trabalho, diz Lobo, para chegar à metodologia de cálculo. A usina, nesse caso, vai autodeclarar seu fator de redução em comparação a um combustível fóssil — no caso, gasolina. A falta de metodologia para aferir a redução traz a necessidade de mais profissionais capacitados para checar o balanço de GEEs apresentado. Por isso, na fase-piloto, as empresas não estão obrigadas a entregar esse documento. Passarão a estar seis meses depois da definição da metodologia e da formação de uma massa crítica de especialistas qualificados.
Há, ainda, uma série de requisitos mínimos, já especificados em outras certificações ISO, que devem ser cumpridos pela usina para que ela passe pelo processo de certificação. São normas constantes da ISO 9.001, que trata da gestão da qualidade, da ISO 14.001, que trata da gestão ambiental, e da ISO 16.001, que traz os critérios para certificação em relação à gestão de responsabilidade social. O documento do Inmetro não trata do uso do solo, ou seja, da substituição de uma cultura alimentar ou da pecuária pela cana-de-açúcar como um requisito a ser avaliado na obtenção da certificação. No entanto, uma das preocupações internacionais no que se refere à produção de etanol é justamente a hipótese de o cultivo da cana deslocar a produção de outras culturas ou a atividade de pecuária para a região Amazônica.
Como vai funcionar o programa de certificação
O processo de avaliação da conformidade começa com a declaração da usina quanto ao fator de redução de GEE. É a primeira etapa. A autodeclaração, no futuro, será validada pelo Inmetro, por meio de especialistas. Na etapa seguinte, a usina deve solicitar o início do processo, enviando documentos que comprovem a propriedade das terras e da usina, o atendimento às leis que regulamentam a produção de cana e etanol, uma avaliação sobre os fornecedores de cana, caso a usina adquira matéria-prima de terceiros, entre outros.
Após a análise da solicitação e da documentação, será feita uma auditoria inicial por uma entidade chamada no documento de organismo de certificação de produto (OCP). Trata-se de organização certificadora acreditada pelo Inmetro. Já existem cinco organizações em busca de homologação pelo instituto. Nessa etapa, o certificador vai dizer o que precisa ser melhorado e o que já está de acordo com o programa de avaliação de conformidade. A seguir, serão definidos os ensaios a ser realizados com amostra do produto, e os laboratórios que os conduzirão.
Se todos os resultados obtidos estiverem dentro dos critérios estabelecidos no programa de avaliação, o atestado de conformidade será emitido. Para que a usina continue com o selo, a empresa certificadora acreditada pelo Inmetro fará auditorias de manutenção e repetirá os ensaios anualmente.
(Por Janaína Simões, Inovação/Unicamp,06/10/2008)