O esgotamento dos combustíveis fósseis e os danos atmosféricos causados pela queima desta fonte energética costumam ser bons argumentos para se investir em energias renováveis. O empenho tecnológico e financeiro das descobertas do petróleo do pré-sal, contudo, parecem ser um sinal de que a humanidade ainda não está preparada para largar o vício às fontes sujas.
A Petrobras investiu US$1,5 bilhões em 15 poços perfurados nos últimos dois anos para chegar até as descobertas recentes.
“A energia renovável é um caminho que vai se firmar no tempo”, opina o diretor-presidente do Instituto para o Desenvolvimento das Energias Renováveis na América Latina (Ideal) Mauro Passos.
Mesmo sem as descobertas do pré-sal, o atual nível de reservas globais de petróleo garante o abastecimento mundial para, no mínimo, 40 anos, considerados os níveis atuais de consumo, segundo entidades que analisam o mercado.
Porém enquanto os custos para produzir energia a partir de combustíveis fósseis continuarão subindo, o valor da produção com renováveis seguirá caindo, principalmente devido aos avanços tecnológicos.
“O pré-sal é uma descoberta pontual do Brasil, mas sob o ponto de vista do consumo global de fósseis, dificilmente vai reduzir o preço internacional, pois os grandes consumidores não estão nem aqui, estão onde não tem petróleo, como na China”, comenta o especialistas em energias alternativas.
Passos cita a energia solar como um grande potencial ainda não explorado. “Ela é inesgotável, o que nos falta é conhecimento de como absorver esta energia. Como o conhecimento está associado a investimento em tecnologias e como tem muito país investindo pesado para desenvolver novas formas de maior eficiência enérgica em relação a isso, eu acho que ela vai estar presente logo, logo”, afirma.
Dos fósseis para as renováveis
Os pesquisadores da COPPE/UFRJ, que desenvolvem estudos na área de mudanças climáticas e energias, prevêem um momento de transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis que, no entanto, ainda não foi iniciado e poderá levar décadas. “O petróleo pode ser importantíssimo, porque o uso de outras fontes pega carona na estrutura criada pela indústria petroleira, como transporte do combustível, redes de abastecimento, etc”, explica o professor da COPPE Roberto Schaeffer.
Schaeffer lembra que os custos para extração do petróleo do pré-sal serão muito mais elevados que outras fontes, como o álcool, que irá ficar cada vez mais barato. “Então vamos usar mais álcool, claro”, afirma.
O professor de planejamento energético destaca ainda que o fato de achar ou não petróleo não irá criar por si só a demanda. O Brasil utiliza o petróleo e os derivados em algumas indústrias, porém o maior destino do combustível é para o abastecimento dos meios de transporte. “Não é porque achamos petróleo que vamos lotar as ruas do Rio e de São Paulo com ônibus e mais carros. Nosso consumo depende do desenvolvimento econômico do país”, comenta.
Em declarações feitas no final de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que seriam investidos US$112 bilhões entre 2008 e 2012 no petróleo do pré-sal. Porém o próprio presidente destacou que alguns especialistas estimam serem necessários US$600 bilhões para explorar todas as reservas.
E por que não utilizar este montante em fontes limpas e, assim, acelerar a transição para o uso mundial de renováveis? Schaeffer responde enfaticamente: “Não existe no mundo US$600 bilhões para investir em renováveis”.
Nenhum banco emprestaria dinheiro se não houvesse uma garantia de retorno econômico, explica Schaeffer. “Não há competição por isso (investimentos em renováveis ou petróleo)”.
RoyaltiesO professor de planejamento energético sugere utilizar parte da receita dos royalties do petróleo para criar um fundo de energias renováveis. Porém Passos comenta que já houve tentativas similares, inclusive com projetos de lei em tramitação na Câmara de Deputados para criar tais mecanismos.
“Antes do pré-sal já tínhamos um entendimento de que o petróleo é um bem da nação, que não pode privilegiar uma cidade ou um estado só porque eventualmente está de frente para a plataforma onde será extraído”, afirma Passos.
Na avaliação dele, o uso dos recursos provenientes da extração do petróleo está ainda em nível de discurso, com pouca ação efetiva. “A gente tem pouco acesso ao que entra. Acho que até o Tribunal de Contas fica fora desta partilha e é um dinheiro ‘carimbado’, muito centrado hoje no Rio de Janeiro”, diz.
A Petrobras argumenta que tem investindo em novas formas de energia, com a criação, por exemplo, de uma nova subsidiária de biocombustíveis. “A Petrobras encara o etanol e o biodiesel como parte do seu negócio, mesmo porque deverão ser os combustíveis do futuro”, diz a empresa por meio da assessoria de imprensa.
Segundo a Petrobras, apenas 1,7% das terras agriculturáveis brasileiras (que totalizam 350 milhões de hectares, quase metade do território nacional) é usado na produção de etanol e biodiesel. “O País também tem sol, água, tecnologia e conhecimento na produção, logística e comercialização do etanol, além de vocação natural para a produção de oleaginosas próprias para a produção de biodiesel”, defende a empresa.
Brasil e a transição para energias limpasPassos diz que iniciar a transição de uso de combustíveis fósseis para renováveis será uma questão de ajuste entre tempo, investimentos, mercado e necessidades de se ter energia limpa. “Eu acho que é um pouco mais longo no Brasil do que, por exemplo, na Alemanha. O Brasil sempre teve opções naturais que fizeram com que a energia alternativa retardasse a presença na matriz energética”, afirma.
Por isso, ele considera as hidrelétricas do Rio Madeira mais impactantes na questão das energias alternativas do que as descobertas do pré-sal. “Elas dificultam a entrada das renováveis porque esta energia está sendo leiloada a um valor relativamente baixo e deve deslocar a entrada de novas energias eólicas e solares por mais um tempo”, explica.
Contudo, Passos ressalta que isto é uma peculiaridade do Brasil, pois nenhum outro país tem tal potencial hidrelétrico e nem descobertas de petróleo no pré-sal. As estimativas dele são de um crescimento de quase 20% ao ano para as energias renováveis no mundo, além de uma intensificação da demanda por parte da sociedade.
“A energia renovável estará logo entre as reivindicações da população, como uma alternativa de urbanidade, de uma preocupação com a qualidade de vida em concentrações urbanas. Em breve teremos telhados solares, por exemplo”, prevê Passos.
(Por Paula Scheidt, do CarbonoBrasil,
Envolverde/CarbonoBrasil, 08/10/2008)