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concessão de florestas gestão de florestas públicas amazônia
2008-10-08

Para quem gosta de jogar títulos na balança, o pesquisador Niro Higuchi, do governamental Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), é um peso pesado: mestre em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná, doutor na mesma área pela Universidade Estadual de Michigan (Estados Unidos) e pós-doutor pela Universidade de Oxford (Inglaterra). Ele estuda técnicas e experiências sobre manejo florestal desde os anos 1970 e já percorreu os quatro cantos do Brasil. Para falar sobre Amazônia, evita os rodeios técnicos tão comuns aos quadros governistas e vai direto ao ponto: concessões florestais não deram certo em nenhum país tropical. Por isso e muito mais, vale conferir sua entrevista, abaixo.

O Eco - O governo acaba de liberar 96 mil dos 220 mil hectares da Flona do Jamari (RO) para manejo de florestas, sob cuidados de três empresas. Quê acha desse movimento, de conceder áreas públicas para exploração privada?
Niro Higuchi -
Em primeiro lugar, temos que deixar claro que, quando falamos de floresta amazônica, estamos nos referindo a um bem de interesse comum e a um patrimônio nacional. Com a palavra o Ministério Público: isto é legal? Pessoalmente, não creio que o sistema concessão florestal seja a melhor opção para a floresta amazônica. Este sistema não deu certo em nenhum país tropical e não acho que vá dar certo no Brasil. O projeto que deu origem à Lei de Gestão de Florestas Públicas se apoiou em três frentes prioritárias de combate: desmatamento; grilagem; e madeira ilegal.

Uma das provas disso é o item primeiro do Artigo 75 da legislação, que diz o seguinte: “Até a aprovação do primeiro plano anual de outorga florestal - Paof, fica o poder concedente autorizado a realizar concessões florestais em unidades de manejo em áreas públicas que, somadas, não ultrapassem 750 mil hectares, localizadas numa faixa de até 100 quilômetros ao longo da rodovia BR-163”. Este texto foi colocado na lei para salvaguardar o Serviço Florestal Brasileiro quanto ao cronograma do Paof. A lei estava sendo negociada e os defensores “voluntários” do projeto de lei sentiam a necessidade de dar início ao processo de concessão imediatamente após a aprovação da lei. Por que esta pressa toda dos “voluntários”? De qualquer modo, foi definido em lei por onde a concessão deveria começar.

Logo, por quê começaram na Floresta Nacional (Flona) do Jamari? Se tivesse que começar por flonas, por que não começar pela Flona de Tapajós? Esta Flona cobre uma área de 600 mil hectares em um planalto. De todas as flonas da Amazônia, a de Tapajós é a melhor estudada. A Embrapa tem experimento de manejo florestal desde 1978, o mega-projeto LBA está lá desde 1998 e há muito tempo o Serviço Florestal Americano tem pesquisas na flona também. Várias instituições realizaram inventários florestais por lá. Eu arriscaria dizer que há, pelo menos, 200 artigos científicos publicados com dados coletados na área.

Além disso, por quê a próxima tem que ser a Saracá-Taquera? Por falar nisso, a nota técnica do Inventário daquela Flona, diz o seguinte em seu Anexo 6: “Os inventários vem sendo realizados há cerca de seis anos e, levando-se em conta que a Flona de Saraca-Taquera é considerada uma área protegida de ações antrópicas ilegais, principalmente devido à presença da empresa de mineração há mais de duas décadas na região, eles podem ser considerados válidos. E razoável assumir, ainda, que os processos naturais de crescimento, mortalidade e ingresso, mantém a floresta estável e em equilíbrio quando não há ação antrópica pelo homem”.  Certamente esta área não está correndo riscos de desmatamento, grilagem ou de exploração ilegal de madeira. Por que não deixar pra depois e tentar viabilizar a área da BR-163?

Nos cálculos do Ministério do Meio Ambiente, é esperada uma arrecadação de R$ 3,8 milhões anuais. Pela sua experiência, é possível atingir esses valores?
Higuchi -
São 96 mil hectares na Flona do Jamari, com ciclo de corte de 30 anos. Logo, teremos uma exploração anual de 3.200 hectares. Esta floresta em pé pode valer anualmente R$ 6,4 milhões (20 m3/ha a R$ 100 o metro cúbico). Tirar R$ 3,8 milhões do concessionário é um bom negócio para o governo. Só não sei se o concessionário vai suportar esta carga.

Pensemos em outros usos da floresta utilizando a própria concessão como ameaça à floresta primária. Vamos colocar no sistema REDD (sigla em inglês para Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação em países em Desenvolvimento), por exemplo. Se a floresta é de fato virgem, a estimativa de carbono total (acima do solo, mais raízes) desta área é de R$ 155 t C/há (toneladas de carbono por hectare). Em 3.200 ha podemos ter 496 mil t C ou 1.818.683 t de CO2. A R$ 20 a t de CO2, os 3.200 ha pode acrescentar mais de R$ 36 milhões aos cofres públicos. E o mais importante: a floresta continuará em pé mesmo. Com este dinheiro e com a floresta em pé, o governo poderia investir, pesadamente, para conhecer melhor a biodiversidade. Em minha opinião, temos que usar o carbono para levantar fundos e proteger a biodiversidade. A verdadeira riqueza da Amazônia pode estar na biodiversidade.

Segundo o governo, o manejo florestal é sustentável. Como sabemos, essa palavra vem sendo usada para muitas práticas. Na sua visão, o que é manejo florestal sustentável? Ele existe mesmo? Ou a prática é apenas menos pior que o corte raso?
Higuchi -
Em uma serraria do Amazonas, achamos uma árvore com 1.480 anos de idade (trabalho publicado na revista Nature). Se há uma árvore de 1.480 anos de idade, é razoável assumir que a floresta desta região foi formada há, pelo menos, 1.500 anos atrás. A pesquisa experimental com manejo florestal mais antiga na Amazônia tem 30 anos. Repito: em escala experimental. Mesmo em escala experimental, quem poderia garantir que o manejo é sustentável? Importante não perder de vista que a sustentabilidade tem que estar apoiada nos seguintes pilares: técnico (da produção); econômico; social; e ecológico.

Em escala comercial, eu não tenho medo em afirmar que não há nenhum plano de manejo florestal sustentável na Amazônia. Até a pergunta “o manejo florestal é menos pior do que o corte raso?” continua sem resposta. Este tipo de pesquisa nunca foi realizado na Amazônia. Mesmo que tivesse sido, eu não acredito que esta resposta poderia ser obtida em menos de 100 anos.

Qual o potencial da Amazônia para manejo florestal?
Higuchi -
É óbvio que a Amazônia tem potencial para o manejo florestal. É importante também não perder de vista que a madeira é um artigo de primeira necessidade. No entanto, potencial é uma coisa, mas a realidade é outra. Hoje, o manejo praticado na Amazônia se concentra em uma exploração extremamente seletiva, sobre poucas espécies florestais e sobre os maiores indivíduos. O manejo tem que ser baseado em grupos de espécies (classificados por densidade da madeira, cor, forma, trabalhabilidade e outras características tecnológicas), mas não em espécies individuais.

Outro gargalo para a viabilidade do manejo é o preço da madeira em pé. O mercado internacional de madeira tropical começa a enfrentar problemas com abastecimento, principalmente, por causa da desaceleração de produção na Malásia e Indonésia. Com a diminuição da oferta, a madeira da Amazônia poderia ser valorizada automaticamente. Poderia, se não fosse o aumento da oferta pela modalidade da concessão.

Com preço baixo da madeira em pé e a exploração altamente seletiva, a madeira da Amazônia deixa de ser oportunidade (potencial) e passa a ser uma grande ameaça aos seus ecossistemas. Vários estudos mostram que os Estados amazônicos que mais produzem (exploram) madeira são, igualmente, os que mais desmatam. E mais, quando a produção de madeira é confrontada com o PIB per capita, a correlação desaparece. Resumindo: a atividade madeireira na Amazônia tem tudo a ver com o desmatamento e é concentradora de renda.
 
Depois de anos ou décadas de manejo, como devem estar as áreas concedidas pelo governo federal? Espécies manejadas voltarão, por exemplo? Não haverá empobrecimento genético?
Higuchi -
Baseados nos resultados preliminares de pesquisas de 20-25 anos, os sinais são de que, em 40 anos (tempo do contrato de concessão), a floresta residual não terá de volta o estoque explorado. O primeiro corte da floresta primária deveria ser de melhoramento. No entanto, a identificação de árvores ocas está ficando cada dia mais precisa. A ordem é manter as ocas em pé, quando o correto seria derrubar para favorecer as sadias. Não tenho dúvidas sobre o empobrecimento genético da florestal residual.

No Brasil há experiências de manejo florestal de longo prazo? Qual seu resultado?
Higuchi -
A experiência mais antiga de manejo florestal é o da Mil Madeireira, na região de Itacoatiara (Amazonas). O plano de manejo original previa a exploração da área em 25 anos. Acabou sendo concluída em 11 anos. Por que em 11 anos e não em 25 anos? Certamente um dos motivos foi o conflito entre os resultados (volume e identificação de espécies) do inventário realizado para o plano e a exploração em si. É bom salientar que o inventário foi realizado pouco antes da exploração. Não é difícil imaginar o que vai acontecer na Flona do Jamari tendo em vista que o inventário que orientou a licitação foi realizado em 1983. Veja o anexo 6 nesse atalho

Voltando ao plano da Mil, por ser o mais antigo seria interessante montar uma força-tarefa para avaliar a sustentabilidade (somente da produção) deste plano. A primeira exploração ocorreu em 1995 e o total explorado é de, aproximadamente, 50 mil hectares. Passados 18 anos, esta força-tarefa teria condições de estimar os estoques atuais (das espécies exploradas) e estimar quanto tempo faltaria para ter de volta o estoque original. Esta reposta, o Serviço Florestal Brasileiro poderia ter em três meses, dois de coletas e um de processamento e análise.

O mercado usa certificações para áreas manejadas, principalmente para plantios arbóreos. Essas certificações são confiáveis?
Higuchi -
A certificação florestal é uma relação entre o produtor e o consumidor. O Poder Público não deveria se meter nesta questão e, muito menos, mencioná-la em documentos oficiais.  Fiscalizar planos de manejo florestal é um papel fundamental do Estado. Não há o menor sentido e é ilegal a terceirização deste papel. As normas que disciplinam o manejo florestal são suficientemente rigorosas para garantir a sustentabilidade. A questão é fazer valer estas normas. Acho que a certificação do produto florestal até que pode ser confiável. O problema é a forma como esta certificação é divulgada. O que passa ao grande público é que, além do produto, a saúde da floresta remanescente também é certificada.

Segundo o Greenpeace, há madeireiras certificadas na Amazônia que estão multadas pelo Ibama. Considerando que o princípio número um da certificação é o cumprimento da lei, estas madeireiras não deveriam manter a certificação. No entanto, utilizando as mesmas fontes da Internet não há indicações que estas empresas perderam a certificação.

Recentemente, divulgou-se que a Amazônia perdeu mais 756 quilõmetros quadrados (Km2) de matas, em agosto. Como o senhor vê essas perdas de floresta, enquanto pesquisador?
Higuchi -
Como cidadão e como pesquisador, fico triste. Tenho certeza que este sentimento é compartilhado por todos. O desmatamento acumulado, até 2007, é de 697 mil Km2. Mudam-se os governantes e a Amazônia continua sem um plano de combate ao desmatamento. Como conseqüência, a cada divulgação da área desmatada do mês ou do ano, é um susto. Precisamos entender as causas do desmatamento para poder prever as suas direções. Uma força-tarefa de estudiosos da região poderia ser uma alternativa de curto prazo para trabalhar em uma proposta de combate ao desmatamento na Amazônia.

O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas mirava também a diminuição do desmatamento. Por ironia, o desmatamento caiu antes da aprovação do texto e assim que a primeira concessão foi autorizada, o desmatamento volta a subir. É óbvio que os “voluntários” não desejavam isto, mas acaba mostrando o grau de amadorismo na proposição de medidas de combate ao desmatamento.

(Por Aldem Bourscheit, OEco, 07/10/2008)


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