Como está o tempo? Faz um calor de rachar? Ou um frio incomum? Se levarmos em conta a evolução das temperaturas no decorrer do milênio que acaba de se encerrar, será o caso de considerar as alterações recentes como "anormais"? Um estudo que foi publicado recentemente na revista especializada americana "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS - Relatórios da Academia Nacional de Ciências), tenta novamente oferecer respostas para essas perguntas. Sem causar surpresa alguma, e conforme já apontavam todos os indicadores, ele insiste no fato de que as mais recentes décadas foram as mais quentes dos últimos mil a dois mil anos.
Acima de tudo, este estudo vem confirmar e complementar as pesquisas que haviam sido publicadas dez anos atrás pelos mesmos autores (em particular, Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia). Pesquisas estas que, desde então, estão no cerne de uma das mais acirradas controvérsias científicas dos últimos anos. Uma polêmica que, aliás, por pouco tempo permaneceu restrita ao universo dos laboratórios e não demorou a se instalar de maneira duradoura no Congresso dos Estados Unidos.
Em 1998, nas páginas da prestigiosa revista "Nature", Michael Mann publicou a versão inicial deste estudo. Nesta que veio a ser a primeira reconstrução das temperaturas registradas no hemisfério Norte no decorrer do último milênio, os dados apontam variações de amplitudes reduzidas, ao menos até o começo do século 20. Então, abruptamente, a curva passa a apontar para cima, de maneira tão acelerada quanto eloqüente. Na ocasião, o gráfico recebeu o apelido zombeteiro de "taco de hóquei" ("hockey stick", em inglês), em razão desta sua forma tão singular.
Três anos depois da sua publicação, a curva passou a adquirir um novo status: ela foi retomada para ilustrar o relatório de 2001 divulgado pelo Grupo Inter-governamental de Especialistas dedicado à Evolução do Clima (Giec). Ela foi incluída até mesmo no "Resumo para os tomadores de decisões" - que serviu como síntese do relatório -, o único documento realmente consultado pelos não-cientistas. O taco de hóquei é tão eloqüente que, desde então, os veículos de comunicação não se cansam de reproduzi-lo; ele tornou-se, segundo o próprio Michael Mann, "um ícone", e, para o grande público, a prova incontestável da realidade das mudanças climáticas e das suas causas. Já, para aqueles que combatem a idéia de que a máquina do clima estaria sendo perturbada por uma interferência humana, o taco de hóquei tornou-se um alvo privilegiado de ataques.
Duas revistas importantes, a "Science" (Ciência) e a "Geophysical Research Letters" (GRL, Cartas sobre a Pesquisa Geofísica), publicaram refutações contundentes em 2004 e em 2005. Refutações essas que, por sua vez, também seriam refutadas por outras equipes de pesquisadores. . . "Chegaram a proferir muitas críticas simplesmente malévolas, mas certas discussões revelaram ser de fato legítimas", comenta o climatologista Edouard Bard, um professor no Collège de France, em Paris. "Este tipo de reconstrução tem sido criticado, entre outros, por basear-se demasiadamente no procedimento dos 'anéis de árvore'".
A técnica dos "anéis de árvore" consiste em medir as concentrações de crescimento, a partir de curvas cuja espessura permite elaborar uma estimativa da temperatura média ambiente na época da sua formação. Por exemplo, ao cortar o tronco de determinadas árvores antigas e ao estudar as camadas evidenciadas pelo corte, é possível remontar o tempo climático e analisar sua evolução no decorrer de vários séculos. "Mas, esta relação entre os anéis de crescimento e a temperatura é puramente empírica, e, além disso, ela corresponde essencialmente ao período recente", explica o professor Bard. "A questão como um todo se resume a descobrir se esta relação continua sendo válida quando se estuda períodos que remontam a vários séculos".
Em sua mais recente versão, a reconstrução de Michael Mann se libertou desta crítica, recorrendo a dados diferentes daqueles fornecidos pelos anéis de árvore, e incorporou informações existentes nos corais, nas estalagmites e nas estalactites, nas amostragens de terrenos sedimentários ou glaciários, etc. E a conclusão continuou sendo a mesma: "Quer eles utilizem ou não os anéis de árvore ao elaborarem a sua reconstrução, os autores encontram tendências comparáveis", explica o professor Bard.
Mas, nem por isso a polêmica parou por aí. "O taco de hóquei apresenta dois problemas que ainda não consegui solucionar", explica por sua vez o climatologista Hans von Storch (da Universidade de Hamburgo), um dos principais adversários da "curva do clima". "O primeiro problema está vinculado à utilização inconsiderada e excessiva que dela foi feita. O segundo está vinculado à metodologia, em particular ao método estatístico de aproveitamento dos dados utilizados".
Segundo os seus detratores, este método tenderia a apagar as tendências de longo prazo. Talvez esta fosse a razão pela qual o taco de hóquei não apresentava discrepâncias importantes entre o "resultado ótimo da época medieval" e a "curta era glaciária". A primeira, que ocorreu entre 800 e 1300, fora, contudo, marcada por temperaturas clementes o suficiente para permitir a instalação das colônias de Vikings na Groenlândia. E a segunda, que lhe sucedera e se mantivera até meados de 1850, havia sido rigorosa, o suficiente para que se visse com freqüência o rio Tamisa ficar encoberto pelo gelo até Londres. Desta vez, explica Michael Mann, "nós passamos a utilizar dois métodos estatísticos diferentes, o que demonstra que os nossos resultados chaves não dependem de um único método estatístico em particular".
Contudo, em meados dos anos 2000, os seus adversários conseguiram cultivar de tal forma as dúvidas em relação à qualidade - e até mesmo a honestidade - das pesquisas de Michael Mann que o Congresso americano pediu para que se procedesse a uma perícia do "taco de hóquei". A Academia das Ciências americana reuniu então um grupo de trabalho integrado por doze especialistas. O seu relatório de mais de 150 páginas, que foi publicado em junho de 2006, confirmou globalmente a validade do taco de hóquei, mesmo se os seus autores nele lembraram as incertezas vinculadas às séries de dados mais antigos. Incertezas essas das quais Michael Mann e os co-autores das suas pesquisas nunca negaram a existência, nem os problemas que elas poderiam apresentar. Entretanto, a questão permanece polêmica: nenhum dos especialistas nomeados pela Academia respondeu favoravelmente aos pedidos de entrevista apresentados pela reportagem do "Le Monde".
Nos últimos dez anos, "um grande número de reconstruções de temperaturas foi elaborado por outros cientistas, e nenhuma delas veio contradizer a idéia segundo a qual o período atual é o mais quente dos últimos mil anos ao menos", assegura Edouard Bard. Contudo, a mais recente versão da curva a ser publicada, apesar de basear-se num "resultado ótimo medieval" mais pronunciado do que na sua versão de 1998, já vem sendo alvo de saraivadas de críticas, na Internet, por parte dos blogueiros "céticos em relação à gravidade da atual situação do clima".
Quanto a Hans von Storch, ele diz não estar interessado em comentar as atualizações de Michael Mann "enquanto a comunidade científica não tiver encontrado o tempo necessário para examiná-las de maneira aprofundada".
(Por Stéphane Foucart, Le Monde, UOL, 07/10/2008)