Além de ser apontada como principal motivo do desmatamento da Amazônia Legal, a pecuária, como é praticada hoje, leva à degradação do solo. No Brasil, a estimativa é de mais de 150 milhões de hectares de pastos degradados. Além de conseqüências como a destruição de ecossistemas e a contribuição para o aquecimento global, não recuperar essas áreas eleva a procura por novas pastagens, produzidas com desmatamento, principalmente na região norte do país. De acordo com estudos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), entre 75% e 85% dos pastos brasileiros apresentam algum nível de degradação.
As conseqüências vão além da baixa eficiência produtiva. Levam também à geração de gases do efeito estufa, deixam as áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas e condenam os ecossistemas em que se encontram.
“A cultura extrativista dos pecuaristas tradicionais tem de ser modificada urgentemente, para a sua sobrevivência econômica e para a sobrevivência de nosso maior patrimônio, o solo, que é um recurso não-renovável”, alerta o professor da Universidade Federal do Paraná Aníbal Moraes, especialista em Ecologia do Pastejo que estará no 7º Simpósio Nacional de Recuperação de Áreas Degradadas. O evento começa amanhã, em Curitiba (PR), e segue até o dia 10 de outubro.
Também compartilham dessa opinião os 50 especialistas que participaram de reunião sobre recuperação de solos degradados promovida pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Ministério da Agricultura, em Brasília, entre 17 e 19 de setembro. Na ocasião, ambientalistas, agrônomos, empresários e representantes de governo de nove países discutiram a realidade da degradação na América Latina e apontaram novas técnicas para recuperação do que foi degradado por atividades humanas.
Sem a recuperação das áreas degradadas, a demanda por mais pastagens deve se agravar. A tendência é de aumento acentuado da procura por carne e leite. A projeção da FAO é de que o consumo mundial de carne bovina e de laticínios duplicará até 2022 – passando de 229 para 465 milhões de toneladas/ano (carne) e de 580 para 1.043 milhões de toneladas/ano (leite). E até 70% desse crescimento acontecerá com a ajuda da América Latina e da Ásia. Além de importante mercado consumidor, a primeira é uma das principais regiões produtoras de carne graças ao Brasil, terceiro no ranking global, perdendo apenas para China e Estados Unidos, aponta a FAO.
No Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há mais boi que gente. Em 2004, já se contavam mais de 195 milhões de cabeças de gado. O resultado da pressão do mercado para o aumento da oferta de carne somado ao fato de o país utilizar mal suas pastagens é o crescimento desnecessário das áreas para pecuária, principalmente na Amazônia. Até 2006, 56% das novas áreas abertas por lá se destinavam à boiada. Na região, o aumento do rebanho foi de 50%, ao passo que a média nacional foi de 12%.
Solução rápida e barata
Esse aumento da produção poderia ser obtido com a recuperação de pastagens, processo relativamente rápido e barato. Segundo Moraes, da UFPR, a recuperação varia de dois meses a três anos, dependendo do nível de degradação. E, de acordo com a FAO, o custo não ultrapassa U$ 25 (cerca R$ 50) por hectare a cada dois anos e meio de tratamento do solo com baixo grau de degração. Não existe no país nenhuma lei ou regulamentação que incentive a recuperação de áreas degradadas pela agropecuária, já para novas pastagens não faltam investimentos.
Durante o encontro em Brasília, a principal alternativa sugerida para salvar pastagens degradadas foi a associação de agricultura, pecuária e silvicultura, a chamada pecuária integrada. A idéia é usar o mesmo espaço, possivelmente ao mesmo tempo, para criar animais, cultivar alimentos ou árvores e preservar a flora nativa.
“As atividades integradas representam uma alternativa para uma mudança a curto e médio prazo na situação das pastagens degradadas. Devemos adotar a técnica para promover sistemas mais sustentáveis”, explica Moraes.
A técnica tem sido usada no Uruguai, de acordo com a pesquisadora Verónica Pastorini, ligada ao Ministério da Agricultura daquele país. Com incentivo governamental de U$ 3.600,00 (cerca de R$ 7.200,00), produtores rurais puderam escolher entre quatro modelos de pecuária integrada. Eles variam quanto à disposição das áreas de agricultura e silvicultura nos pastos, que podem ser desde a plantação de árvores para sombra nas margens da propriedade até a atividade agrosilvopecuária, integrando agropecuária e preservação da mata nativa.
Segundo Pastorini, o sistema funciona principalmente para a pecuária familiar. A produção extra de madeira, frutos e grãos auxilia no equilíbrio financeiro da propriedade, além de manter a qualidade do solo e proteger tanto o gado quanto o pasto. “A finalidade do uso simultâneo ou seqüencial do solo para agricultura, pecuária e cultivo de árvores é aumentar a eficácia de cada uma das produções, atenuando possíveis perdas por flutuações de preço e aumentando a vida útil da terra”, conta.
(Por Dominique Lima, OEco, 06/10/2008)