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política indigenista Indígenas da Amazônia
2008-10-07

O município mais indígena do Brasil, conseguiu eleger pela primeira vez em sua história, com mais da metade dos votos de toda região, prefeito e vice-prefeito indígenas: Pedro Garcia (PT) da etnia tariana e André Baniwa (PV), da etnia Baniwa. Ambos vão governar um município cheio de peculiaridades, com uma população de quase 40 mil habitantes, a grande maioria indígena, pertencentes a 22 grupos étnicos.

Com o lema “administração para todos” da coligação PP-PDT-PV-PPS-PT-PSB, os candidatos indígenas defenderam suas propostas nos quatro cantos de São Gabriel da Cachoeira, terceiro maior município em extensão territorial do Brasil, com 90% de sua extensão composta por Terras Indígenas e Unidades de Conservação e cerca de 90% de sua população formada por indígenas de 22 grupos étnicos. Pedro Garcia (PT) e André Baniwa (PV) foram eleitos com 51% dos votos. O segundo colocado, Renê Coimbra (PCdoB), obteve 26% dos votos. Em terceiro lugar ficou o ex-prefeito de São Gabriel, Raimundo Quirino (PRP). Em quarto e quinto lugar vem o atual prefeito, Juscelino Otero Gonçalves e o ex-prefeito de São Gabriel Amilton Gadelha, que concorreram apesar de serem considerados não aptos pela Justiça por possuírem pendências com o Tribunal de Contas da União.

De acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, Pedro Garcia e André conseguiram 6.366 votos, contra 3.207 do segundo colocado. Na cidade, Pedro venceu com 2067 votos, surpresa para os articuladores da campanha. “Nós não esperávamos que Pedro ganhasse também na cidade, tínhamos esperança que houvesse uma pequena diferença entre o potencial candidato vencedor, mas não, ele venceu também na cidade”, afirmou Elias Brasilino, assessor da campanha. No interior do município, Pedro venceu em praticamente todas as seções eleitorais e, obteve votação mais expressiva em Iauaretê, sua terra natal, com cerca de 1500 votos. No Rio Içana, terra de André Baniwa, praticamente 95% das urnas consagraram os candidatos.

Quem são eles
Pedro Garcia é casado, tem 47 anos e nasceu em Iauaretê, maior núcleo urbano do interior do município de São Gabriel, no Médio Rio Uaupés, afluente do Rio Negro. Estudou no internato salesiano de Iauaretê e mais tarde concluiu seus estudos em técnico em agropecuária. Foi líder do movimento indígena, assumindo a presidência da Foirn-Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro entre 1997 a 2000, entidade que também ajudou a fundar em 1987. Foi ele que recebeu das mãos do então Ministro da Justiça, os decretos de homologação das Terras Indígenas do Rio Negro em 1998, assinados pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, a maior conquista do movimento indígena da região.

No período em que esteve a frente da Foirn, Pedro Garcia, liderou articulações em busca de ajuda para colocar à frente os novos projetos da organização no pós-demarcação. Isso o fez viajar e percorrer vários países, participando de eventos, conhecendo outras lideranças indígenas no mundo, adquirindo novas experiências que lhe renderam conhecimentos para novos desafios. Em 2004, se aventurou nas eleições municipais como candidato a prefeito de São Gabriel da Cachoeira e perdeu por uma diferença de 243 votos para Juscelino Otero Gonçalves (PMDB), que deixa a prefeitura depois de tentar a reeleição este ano. Entre 2005 e 2006, Pedro foi nomeado Administrador Regional da Funai de Manaus, cargo executivo de chefia do órgão federal. Em 2006 foi candidato a deputado federal pelo PT, obtendo votação expressiva e sendo o segundo candidato mais bem votado pelo partido no Estado do Amazonas.

André Baniwa, de 37 anos também começou cedo como liderança do Rio Içana, habitado pelos povos baniwa e coripaco. Fundou a Oibi- Organização da Bacia do Içana, junto com seu irmão Bonifácio José, atual presidente da Fepi- Fundação Estadual dos Povos Indígenas. A partir das conquistas da Oibi, André articulou junto à sua região a formação de uma nova escola que pudesse pensar nos futuros cidadãos baniwa e coripaco, onde se juntasse o conhecimento indígena e não-indígena num mesmo espaço, num diálogo intercultural. E assim surgiu a Escola Pamáali, uma das escolas-piloto pioneiras na educação escolar indígena diferenciada do projeto de educação Foirn/ISA- Instituto Socioambiental.

Antes de assumir a vice-presidência da Foirn na gestão de 2004 a 2008, André se dedicou a estudos de empreendorismo social pela Ashoka (organização mundial sem fins lucrativos que apóia empreendedores sociais) tendo como foco de estudo os projetos de sustentabilidade do seu povo. Ao assumir a direção da Foirn como representante das comunidades da calha do Içana, André liderou lutas pela educação escolar indígena, projetos de sustentabilidade econômica e saúde indígena. Chegou a ser presidente do Conselho Distrital de Saúde por dois anos, entidade de controle social da Fundação Nacional de Saúde- Funasa, que atua na saúde indígena. Tal como Pedro, André Baniwa também já percorreu o mundo em busca de apoio para os projetos da Foirn e da Oibi, escreveu alguns artigos e é referência para entidades de pesquisa que desenvolvem projetos na sua região.

Trabalho conjunto
Pedro e André se conheceram no movimento indígena. A aliança entre eles para essa eleição foi fundamental para a vitória. Na primeira tentativa de Pedro para se eleger prefeito, na campanha de 2004, diversas comunidades de diferentes etnias do Rio Negro “racharam” por falta de entendimento prévio. Isso deu margem a um boato que circulava na região de que "índio não vota em índio". “Essa é a vitória da verdadeira democracia, o povo vem se organizando há mais de 20 anos. Isso mostra que o povo cresceu politicamente, amadureceu e povo sabe o que quer, e povo muda quando quer. Se hoje estamos unidos é porque amadurecemos e percebemos que ninguém trabalha sozinho, todos precisamos uns dos outros”, afirmou Garcia.

A agenda de campanha de Pedro e André teve como destino praticamente todas as calhas de rios de São Gabriel da Cachoeira. De acordo com Ismael Tariano, um dos coordenadores da campanha da dupla, os candidatos antes de confirmarem suas candidaturas já eram convidados por lideranças das comunidades para visitarem e conversarem com os moradores das localidades. “Até mesmo antes de eles iniciarem a campanha, as comunidades já faziam convite para eles. Isso mostra o carisma que eles têm com todos, principalmente quando eles chegavam nos lugares e as pessoas diziam que tinham orgulho de votar num “parente”, informou Tariano.

A sede do município também teve espaço na agenda dos candidatos. Reuniões nos bairros, associações, instituições e escolas aconteceram nos últimos dois meses de campanha. De acordo com Pedro Garcia, a cidade merece atenção por ter diversos problemas, como a falta de segurança pública, saneamento básico, abastecimento de água, energia elétrica, espaços culturais para a juventude, problemas básicos que até hoje nenhuma administração conseguiu solucionar.

Sem recursos suficientes para financiar os 90 dias de campanha, Pedro e André contaram com o trabalho de divulgação de mais de 200 voluntários. “Temos orgulho de dizer que essa foi campanha limpa, ganha a muito custo, de muito suor e raça, não tínhamos dinheiro, as pessoas trabalharam como voluntárias, taí a prova de que o dinheiro não define eleição”, disse Rosilene Fonseca, militante da turma de mulheres da campanha.

Até hoje somente três índios conseguiram chegar ao cargo de prefeito titular no Brasil. Pedro será o quarto. Porém é inédito no País ter o titular e o vice indígenas. “Pra mim essa eleição é um fato histórico, pois pela primeira vez a população de São Gabriel decide colocar na prefeitura a verdadeira representatividade da população de São Gabriel que é de origem puramente indígena, tanto o titular como o vice”, afirmou o eleito Pedro Garcia.

Esperança de dias melhores
Pedro Garcia informou que existem prioridades para o seu governo tanto na sede do município quanto no interior. Ele explicou que o Plano Diretor será a linha mestra que vai dar diretrizes para se fazer uma boa administração, pois foi construído com a participação do povo e durante a gestão permite que todos façam o controle social do governo durante os anos de mandato. “O Plano Diretor vai facilitar muito mais a nossa relação entre o governo municipal e a população de São Gabriel, as discussões das comunidades são muito válidas e por nós termos saído da base e do movimento indígena, acredito que não teremos dificuldades de entender as necessidades e priorizar as ações junto às comunidades”. Saiba mais sobre o Plano Diretor de São Gabriel da Cachoeira. E também sobre os planos regionais.

Outras prioridades para a cidade e interior têm como base os três pilares escolhidos para seu governo: educação, saúde e desenvolvimento sustentável. Esses três grandes blocos de projetos vão atender as principais necessidades da população gabrielense. Projetos que deram certo em gestões passadas serão ampliados e novos serão implementados. “ Teremos muito trabalho pela frente, o importante é ter transparência e de fato envolver o controle social das comunidades por meio dos conselhos”, disse.

Uma das críticas que Pedro Garcia e André Baniwa sofreram durante a campanha, foi a de que se ganhassem iriam fazer um governo fechado onde só os indígenas seriam beneficiados, chegando ao ponto de “expulsar” os não-indígenas que vivem sobretudo na cidade. “Para aqueles que espalharam essa conversa, nós respondemos com o nosso lema “administração para todos”, isso porque temos uma pluraridade de pessoas que vivem em São Gabriel, temos indígenas, não-indígenas, religiões diversas e etc, por isso a nossa administração vai ser para todos sem discriminar raça, cor, credo. Vamos trabalhar desde os mais necessitados até os empresários, porque todos fazem parte da nossa população e ajudam o município a crescer”, disse Garcia.

Pedro e André enfrentarão vários desafios na sua administração. Vão receber um município com problemas que vão desde a falta de segurança pública, assistência à saúde, educação e outros. A estudante Floriana Lana, observa que as escolas da cidade por exemplo, são carentes de recursos básicos para se ter uma educação de qualidade. “As escolas não tem nem bibliotecas, isso é um absurdo, como os alunos vão pesquisar? Como vamos ter uma educação de qualidade dessa forma? A nova gestão municipal precisa ter isso como meta principal”, disse a estudante.

O movimento de migração das pessoas que vêm das comunidades indígenas para a sede do município em busca de melhores condições de vida ainda continua expressivo. Em consequência existe uma alta taxa de desemprego, que atinge sobretudo a juventude indígena, trazendo a essas pessoas falta de perspectiva para o futuro com resultados ainda mais graves como o alcoolismo, consumo de drogas e até suicídios. “Nós queremos mudança na política municipal, estamos cansados de ouvir as mesmas promessas de candidatos a prefeito e a vereador. Estamos cheios de problemas graves na área da educação, saúde, transporte público, juventude e outros, problemas que desde que São Gabriel existe nunca foram solucionados por nenhum prefeito. Meu voto vai ser pela esperança de dias melhores para São Gabriel da Cachoeira”, defendeu Laura Vicunha Valério, estudante universitária.

Para Domingos Barreto Tukano, diretor-presidente da Foirn, a vitória de Pedro Garcia e André Baniwa é fruto de um amadurecimento das comunidades indígenas e dos trabalhos que o movimento indígena do Rio Negro vem fazendo há mais de 20 anos. “ Acreditamos que Pedro e André inaugurarão uma nova relação de governo municipal com as comunidades indígenas, pois ambos são lideranças frutos do movimento indígena. Sendo assim eles têm tudo para fazer um bom governo”, disse Barreto. O diretor também informou que a Foirn continuará no seu papel de controle social às políticas públicas do município empreendidas nas comunidades indígenas, como vem fazendo há tempos, sempre abrindo diálogo entre a população local e o município. “Agora temos formas de participar diretamente do governo municipal por meio do Plano Diretor. Vamos cobrar a implementação e articular junto ao município a melhor maneira de implementá-lo a curto, médio e longo prazo. E claro estaremos disponíveis para contribuir com o governo de Pedro, pois ele sabe que temos experiência por meio dos projetos que desenvolvemos nas comunidades”.

Dos 77 candidatos a vereador inscritos para concorrer ao pleito, nove foram eleitos: Valmir Delgado (Coligação PP, PDT, PV, PPS, PT, PSB), Klebinho (Coligação PRP, PSC, PTB e PMN), Rivelino Ortiz (Coligação PP, PDT, PV, PPS, PT, PSB), Sulamita Cardoso (Coligação PRP, PSC, PTB e PMN), Adnagel Catarino (Coligação PRP, PSC, PTB e PMN), professora Osmarina (Coligação PP, PDT, PV, PPS, PT, PSB), Flávia (Coligação PDMD, PRB, PSDB), Cardoso (Coligação PP, PDT, PV, PPS, PT, PSB )e Genivaldo Amazonense (Coligação PRP, PSC, PTB e PMN). Dos eleitos apenas dois são indígenas: professora Osmarina e Rivelino Ortiz. Os atuais vereadores tentaram a reeleição mas não conseguiram, a câmara municipal começa 2009 totalmente renovada. Outro fato que causou surpresa na população é a eleição de três mulheres para vereadoras, fato inédito em São Gabriel.

Eleições tranqüilas
São Gabriel da Cachoeira é a 19ª Zona Eleitoral do Amazonas. Conforme dados do TRE-AM, o município tem 21.163 eleitores distribuídos em 74 seções de votação, sendo 32 na cidade e 42 no interior. Vinte e quatro técnicos do TRE foram deslocados para atuar no município, na maioria estudantes universitários contratados e treinados para trabalhar na transmissão dos dados das urnas para o TSE- Tribunal Superior Eleitoral. São Gabriel foi um dos municípios do Amazonas que mais demandou atenção do TRE por ter especificidades geográficas diferenciadas dos outros municípios do estado. De acordo com dados do TRE foram cerca de R$ 400 mil, destinados principalmente para despesas com transporte de equipamento e com o pessoal que trabalhou nas 24 comunidades- sede de seção eleitoral.

A representante do Ministério Público em São Gabriel da Cachoeira, a promotora Renilce Helen informou que o dia de votação em todo município foi tranqüilo sem nenhuma ocorrência grave ou problemas nas urnas. “O trabalho que o Ministério Público tem feito em parceria com a sociedade local desde o início do ano, surtiu um forte efeito na conscientização das pessoas de que o voto não se vende”, afirmou. A promotoria de São Gabriel criou um grupo chamado de “Comitê Anti-corrupção eleitoral 2008”, formado por representantes da sociedade civil organizada que teve a função de divulgar a lei eleitoral e as bases para se ter um voto consciente. “A compra de votos, sem dúvida, é o crime eleitoral mais praticado em São Gabriel da Cachoeira. Entretanto, nossos recursos no que tange a coibição desse crime é muito reduzido, pois acontece principalmente no inteiror onde não temos condições de estar presentes. Portanto, as campanhas que conseguimos empreender com a sociedade local e os meios de comunicação como as rádios são os nossos maiores aliados para coibir esse crime”, disse a promotora.

Por solicitação da juíza eleitoral da Comarca de São Gabriel da Cachoeira, Dra Tânia Granito, o Exército Brasileiro fez parte da fiscalização das eleições tanto na cidade mas principalmente no interior. Um contingente da Polícia Federal e da Polícia Militar também foi enviado para São Gabriel a fim de garantir a segurança do pleito. Segundo a Juíza, a maior dificuldade da justiça eleitoral é a falta de recursos humanos para dar conta de uma eleição que demanda uma atenção especial devido a distância que entre as seções eleitorais no interior do município. “A avaliação que faço dessas eleições é que tudo correu bem apesar de não termos pessoal suficiente. Não houve denúncias de crime eleitoral, mesmo no dia da votação”, alegou. O delegado da Polícia Civil em São Gabriel da Cachoeira, Normando Barbosa, também confirmou a avaliação da Juíza informando que as eleições no município costumam não ter problemas. “São Gabriel tem tradição de ter eleições tranqüilas”.

(Por Andreza Andrade, ISA, 06/10/2008) 


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