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2008-10-07

Preocupados com impactos ambientais e de vizinhança de um megaprojeto residencial projetado para ser instalado na Rua General Lima e Silva, 777, Cidade Baixa, em frente ao Shopping Olaria, moradores daquele bairro entregaram na manhã de ontem (06/10) ao Ministério Público do Estado um abaixo-assinado contendo mais de 40 adesões requerendo providências. A obra projetada é um edifício de duas torres com 19 andares cada uma, destinada ao que o mercado imobiliário chama de loft apartamentos de um a três dormitórios com todas as facilidades de infra-estrutura e segurança.

Do ponto de vista urbanístico, a imagem da obra projetada para os moradores das imediações (especialmente Rua Alberto Torres) é a pior possível. Entre outros efeitos colaterais, eles temem perder a luz do sol em suas residências e prevêem um constante congestionamento de carros e pessoas desencadeado pelo adensamento no local. "Ninguém quer 19 andares aqui. Isso vai contra os interesses dos moradores. Nosso patrimônio perderá valor", protesta o professor Philip de Lacy White, um inglês que está dando aula de cidadania aos vizinhos ao encabeçar o movimento contra o que já está sendo chamado espigão da Cidade Baixa.

O documento com as assinaturas de não à obra foi protocolado na Promotoria do Meio Ambiente e na Promotoria Especializada da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, onde quatro representantes do grupo foram recebidos pelo promotor Fabio Sbardelloto. "Entregamos um protocolo com uma lista de assinaturas. O original foi protocolado na Promotoria do Meio Ambiente na parte da manhã", informa Philip de Lacy White, também morador da Cidade Baixa, que está mobilizando vizinhos há mais de um mês. Segundo ele, o objetivo é embargar de vez o empreendimento, que já ficou suspenso por cinco dias e cujos trabalhos iriam ser reiniciados na manhã de ontem, segunda-feira (06/10).

"Não houve atividade na obra ontem", disse White, que começou o movimento de protesto ao perceber os danos que o empreendimento iria causar à fauna local, aos papagaios que se deslocam do Parque Farroupilha e que fazem trajetória pelas árvores da Cidade Baixa, alimentando-se a partir de árvores do bairro. Observador contumaz dos papagaios, que já se incorporaram ao seu dia-a-dia, White garante que algo está muito errado com uma nogueira-pecã existente no terreno do número 777 da Lima e Silva agora isolada em um terreno cercado por tapumes. Há mais ou menos três semanas, segundo ele, as aves deixaram de pousar sobre esta árvore tombada como patrimônio municipal pelo Decreto Municipal 6.269/1977. A árvore, assegura ele, dá sinais de definhamento. "Temos fotos mostrando os papagaios pousando nesta árvore quando era sadia, há pouco tempo, mas agora eles não passam mais por ela", garante o morador, que acredita que a nogueira foi envenenada logo depois que os moradores denunciaram, há cerca de um mês, sua condição de intocável, por ser parte do patrimônio municipal e ter sido declarada imune ao corte assim como uma araçá-bambu, existente no mesmo terreno, mas já cortado para dar lugar ao empreendimento.

Omissão de informações
"Tudo está sendo feito de modo clandestino. Temos muito poucas informações públicas. Nossa idéia é mostrar o que está errado. E começa pelo fato de o povo, de os moradores não serem consultados sobre a obra", afirma White. "De repente, sofremos uma mudança radical e não são respeitados nossos direitos", acrescenta.

Além do problema das árvores protegidas – os empreendedores, há alguns dias, informaram que a nogueira está contaminada quando dava sinais de estar saudável pouco tempo antes –, os moradores das imediações da Lima e Silva alegam que as secretarias municipais do Meio Ambiente (Smam) e de Obras Públicas (Smov) dificultam contatos para obtenção de informações sobre o projeto. A Prefeitura não está ajudando, os contatos estão difíceis, assinala. White afirma que não há licença ambiental para o empreendimento: "O que nos frustra é que a Prefeitura já sabia da situação", diz.

Para frear a construção nessas condições, os moradores estão colhendo assinaturas em toda a cidade, especialmente nas imediações da obra. O protesto começou com apenas oito pessoas e hoje atinge pelo menos meia centena. "Não queremos que nossas moradias fiquem na sombra, cheias de fungos. Não queremos sofrer de doenças respiratórias por causa da umidade", insiste.

Os impactos
No documento entregue ao MP-RS, os moradores listam pelo menos 11 problemas que irão ou já os estão afetando:

- o irreparável impacto de vizinhança os quarteirões próximos, colocando em risco a saúde, a segurança e a integridade física dos moradores, suas famílias e propriedades;

- a eliminação de fauna e flora, esta última preservada pelo Decreto Municipal 6.269/77 (nogueira-pecã e araçá-bambu);

- a ausência de Estudo de Impacto de Vizinhança, introduzido pela Lei Federal 10.257/2001;

- a ausência de licença ambiental, ferindo o princípio da precaução;

- a incompatibilidade ambiental entre o porte da construção e as características geológicas do terreno local, onde há lençol freático nas imediações, tendo já sido causado dano estrutural em recentes construções como é o caso do edifício de número 58 da Rua Alberto Torres;

- a existência de posto de gasolina, desativado em razão do início da obra da Lima e Silva, mas em desacordo com procedimentos técnicos de desativação (os moradores temem contaminação por vapores de hidrocarbonetos aromáticos);

- conseqüências da obra para moradores do quarteirão quanto à iluminação solar de suas residências;

- aumento significativo do fluxo de trânsito de veículos e pedestres em área onde sequer está sendo possível trafegarem carros ou pedestres caminharem após determinados horários;

- possibilidade de agravamento de problemas hidráulicos já registrados pelos moradores (falta de pressão no fluxo de água na rede pública de abastecimento);

- possibilidade de agravamento de problemas na rede elétrica, que já apresenta problemas, especialmente em dias de intensa chuva, segundo relato de moradores;

- histórico de outros empreendimentos já terem causado danos a prédios das imediações, causando problemas estruturais.

A vida é bem melhor...?
Em matéria da revista ImóvelClass, o empreendimento Spot Cidade Baixa, da Melckin Even, é anunciado com o seguinte slogan: "A vida é bem melhor quando tudo está à sua volta". O tudo, seguindo a descrição da reportagem e do folder da obra, significa proximidade simultânea de pontos como Guaíba, Parque da Redenção, Nova Olaria, UFRGS, Gasômetro, Parque Marinha, Centro, além de opções para apartamentos de um, dois ou três dormitórios, com garagem, churrasqueira, piscina, sauna, fitness, brinquedoteca, cinema, espaço gourmet, salão de jogos, salão de festas, serviços pay-per-use...

Antes mesmo de ser lançado, diz a matéria da ImóvelClass, foram reservadas mais da metade das unidades. Para os vizinhos, no entanto, a imagem continua sendo a de espigão, principalmente pela falta de disposição de diálogo dos empreendedores com o entorno. "Que compensação haverá para isto? Nosso ambiente é a partir da nossa porta, é o espaço de que estamos tentando cuidar", reclama Philip White.

(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 07/10/2008)


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