Onde há fumaça, há fogo. E pelos "sinais" nos últimos dias, a começar pela veiculação de informes publicitários do lobby do amianto, tudo indica que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará brevemente uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade referentes à questão que tramitam naquela Corte. No momento, há sete ADIs em andamento.
Não dá para dizer quando nem qual será julgada; o STF não publica antecipadamente a pauta de votação. Mas há fortes indícios de que será ou o mérito da Lei 12.684/2007, que proíbe o amianto no Estado de São Paulo (ADI 3937), ou a ADI 4066, de autoria da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
A ADI 4066 pede a decretação da inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 9055/95, que trata do "uso seguro e responsável do amianto". O relator é o Ministro Carlos Britto. Na sessão histórica do dia 4 de junho, Britto votou pela derrubada da liminar contra a lei paulista que instituiu o banimento no Estado de São Paulo. Daí o justificado temor do lobby do amianto.
"No início de agosto, após o recesso forense, o site do STF informou que a questão do comércio e uso do amianto, inserida na ADI 4066, seria apreciada até o final do segundo semestre de 2008", diz o advogado Mauro Menezes, que, na ação, representa a ANPT e a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea).
A engenheira Fernanda Giannasi, fundadora da Abrea, coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto para a América Latina e símbolo da luta antiamianto no Brasil, frisa: "Das sete ADIs à espera do julgamento, a 4066 é a única a nosso favor. Ela elimina a segurança jurídica que a lei do `uso controlado e responsável do amianto´ garantiu às empresas de continuar a produção da fibra assassina ao longo desses anos em todo o território brasileiro".
A ADI 4066, portanto, é contra a Lei federal 9055/95, que estabelece o uso controlado do amianto no Brasil. "A Lei 9055 é inconstitucional em função da lesividade de todo tipo de amianto à saúde humana", expõe Menezes. "Ela não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida."
O pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, reforça: "Todo tipo de amianto -- inclusive a crisotila -- é comprovadamente cancerígeno, e o seu controlado, uma ilusão total. No máximo, as indústrias conseguem reduzir a dose de contaminação dentro das fábricas. Não conseguem controlar depois que o produto sai das fábricas e vai para o público. Isso é impossível".
Fernanda lembra: "Há cerca de dois anos quando a revista da Anamatra publicou o artigo Amianto: o mineral que mata, o senador Demóstenes Torres chegou a interpelar o presidente da Anamatra à época, o dr. José Nilton Pandelot, para prestar esclarecimentos sobre tal `ousadia´. O senador disse que o artigo supostamente iria `influenciar o julgamento de tantas ações em curso no país... e traria grandes prejuízos para as empresas produtoras de amianto e de artefatos que o contenham´".
Atualmente, no Brasil, os magistrados do trabalho são os responsáveis pelo julgamento das ações de indenização das vítimas do amianto por haver vínculo trabalhista. Em abril deste ano, a Anamatra posicionou-se de forma inequívoca pelo banimento de todo o tipo de amianto no País. Ingressou, junto com a ANPT, com uma ação no STF. A ADI 4066 visa diretamente a crisotila, ou amianto branco, o único ainda com permissão para ser utilizado no Brasil. Objetiva declarar inconstitucional a lei que permite tanto a sua mineração quanto a produção de artefatos, entre os quais caixas d´ água e telhas.
Demóstenes Torres é senador pelo DEM de Goiás. Há alguns dias voltou a agir a favor do lobby "amiantófilo". Circularam informações de que teria intermediado encontro de representantes da Eternit com o Ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, para tratar do assunto. Mendes teria aconselhado o grupo a procurar os seus colegas, ministros do STF, um a um.
O fato é que, no último dia 30, o presidente do Grupo Eternit, Élio Martins, o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho, o senador Marconi Perillo (PSDB, GO) e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB, GO) foram recebidos no STF por Gilmar Mendes.
O Grupo Eternit é o maior do setor de amianto no Brasil. A mineradora SAMA pertence a ele. É a responsável pela mina de Cana Brava, a única de amianto em exploração no País; fica em Minaçu, norte de Goiás, a 500 quilômetros da capital Goiânia. Marconi Perillo, Carlos Alberto Leréia e Demóstenes Torres são alguns dos parlamentares da "bancada da crisotila". Em troca do apoio ao banimento da fibra assassina, recebem o apoio financeiro da indústria do amianto em suas campanhas. Leréia, proveniente de Minaçu, foi um dos maiores beneficiados pelas verbas da SAMA em sua campanha como deputado federal. Segundo matéria publicada na revista CartaCapital, de junho de 2005, recebeu sozinho 300 mil reais da mineradora.
Sobre a audiência no STF, o Jornal da Manhã, de Goiânia, publicou na edição de 1º de outubro: "No encontro, eles [Martins, Rella, Perillo e Leréia] mostraram ao ministro Gilmar Mendes a existência de pesquisas feitas por centros científicos de excelência, como a USP e a Unesp, que comprovam ser segura para a saúde humana a mineração e a utilização do amianto crisotila e, também, a importância deste minério para a economia de Goiás e do Brasil (sic)".
Na agenda de Gilmar Mendes para o dia 30 constava apenas: 17h30 - Recebe em audiência os senadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO)
Sobre o encontro, o site do STF noticiou: "O senador goiano Marconi Perillo (PSDB) esteve no início da noite desta terça-feira (30) com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, para entregar documentos contra o banimento do amianto crisotila no país. `Temos estudos científicos que foram preparados pelas principais universidades brasileiras que nos tranqüilizam em relação à utilização do amianto sem qualquer mal à saúde´, afirmou."
O site do STF prossegue: "Segundo o senador, o objetivo dos documentos é `dar esclarecimentos e embasamento aos ministros do Supremo Tribunal Federal em relação à matéria´".
Diz ainda: "Perillo estava acompanhado do diretor-geral da mineradora Sama S.A, Rubens Rela Filho. A empresa está entre as três maiores produtoras mundiais de amianto crisotila e explora a maior mina da América Latina, localizada em Goiás. Segundo Rela Filho, a cadeia produtiva brasileira que utiliza o amianto gera 60 mil empregos diretos e tem uma rentabilidade de R$ 2,6 bilhões ao ano".
Curiosamente, o nome do presidente do Grupo Eternit, presente ao encontro, não consta da matéria publicada no site do STF. Tampouco nas legendas das fotos divulgadas sobre a reunião. Nem mesmo na que Élio Martins aparece cumprimentando o presidente do STF, Gilmar Mendes. Mencionam-se apenas os nomes dos parlamentares.
São fatos também:
1) O ex-presidente do STF, Maurício Correa, encabeça como advogado as ADIs ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), que visam derrubar as leis do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo. A CNTI abriga a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), financiada pela indústria do amianto através do Instituto Brasileiro do Crisotila. O objetivo do IBC é fazer lobby da indústria do amianto.
2) Maurício Correa, quando ministro do STF, foi o relator da ADI 2656, que derrubou, em 2001, a primeira lei de São Paulo que bania o amianto crisotila em todo o Estado. Em 2005, Cléa Correa, filha de Maurício Correa, passou a figurar como advogada da CNTI na ADI destinada a derrubar a lei pernambucana de banimento do amianto.
SEIS ADIs CONTRA O BANIMENTO
Nunca na história do STF uma questão foi alvo de tantas ADIs como o amianto. "O tema já sofreu nove ADIs, uma ADPF [Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental] e duas reclamações", informa Fernanda Giannasi. "É dose para leão. É o peso do poder econômico."
Das nove ADIs, duas foram derrubadas: a 2656, relatada pelo então Ministro Maurício Correa; e a 2396, que bania o amianto em Mato Grosso do Sul, cuja relatora foi a Ministra Ellen Gracie. No momento, sete aguardam julgamento. Seis patrocinadas pelo lobby do amianto. Portanto, contra o banimento nos Estados de São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. São estas:
As ADIs 3470 e 3406 tinham inicialmente como relator o Ministro Gilmar Mendes. Ao assumir a presidência do STF, ele as transferiu para Ellen Gracie.
A propósito: no dia 4 de junho, o STF julgou que a Lei 12.684, que proíbe o uso do amianto no Estado de São Paulo, é constitucional. A decisão histórica do STF derrubou preliminarmente a ADI 3937, cujo relator é o Ministro Marco Aurélio Mello. É a segunda tentativa de São Paulo banir o amianto crisotila no Estado.
O placar foi 7 a 3. Votaram a favor da constitucionalidade da lei paulista, logo pró-banimento, os ministros Carlos Britto, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Antônio Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e a ministra Carmen Lúcia. Lewandowski e Carmen Lúcia acompanharam inicialmente o relator Marco Aurélio Mello, mas pediram readequação de seus votos.
Votaram contra, os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Carlos Menezes Direito e a Ministra Ellen Gracie. Gilmar Mendes estava em Vilnius, capital da Lituânia, participando do 14º Congresso da Conferência das Cortes Constitucionais Européias. "Foi uma vitória histórica do direito à saúde, à prevenção de doenças e ao meio ambiente equilibrado", avalia o advogado da Abrea e da ANPT, Mauro Menezes. "Pela primeira vez o STF não se limitou apenas a questões preliminares e de forma; foi ao cerne do problema, tomando por base trabalhos científicos idôneos."
A propósito 2: que tal, seguindo o princípio da reciprocidade, a Abrea solicitar uma audiência ao presidente do STF, para mostrar-lhe que o lobby do amianto faltou com a verdade no encontro do dia 30 de setembro?
Por exemplo, por que não esclarecer que: 1) a pesquisa internacional usada esses anos todos para inocentar a crisotila brasileira dos danos à saúde foi paga pela indústria brasileira do amianto; 2) os médicos brasileiros envolvidos nas pesquisas de amianto são alvo de sindicância no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e de comissões de averiguação nas suas respectivas universidades; 3) nem eles nem suas pesquisas são isentos, já que têm uma empresa particular que presta serviços para o Grupo Eternit em todo o Brasil.
"O fato é que o amianto é uma bomba de efeito retardado e as medidas procrastinatórias, utilizadas até agora, estão desmoronando como um castelo de cartas. Uma proibição imediata da produção e uso do amianto é absolutamente necessária", afirma Fernanda Giannasi. "Afinal, inequívoca e indubitavelmente o amianto mata!"
(Por Conceição Lemos, Blog ViOMundo, 03/10/2008)