A combinação entre diesel e gás natural é perfeitamente aplicável às frotas de veículos de transporte de carga e passageiros no Brasil. A mistura, embora acarrete perda de potência do motor, seria compensadora porque proporcionaria ganhos ambientais e, em condições favoráveis, também vantagens econômicas. A conclusão é de um estudo realizado para a tese de mestrado de Dimitri Lobkov, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.
Em testes realizados com um kit desenvolvido por uma empresa instalada no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, o pesquisador constatou que a associação dos dois combustíveis (15% de diesel e 85% de gás natural) é capaz de praticamente zerar a emissão de material particulado, um dos poluentes atmosféricos mais nocivos à saúde humana.
De acordo com o professor Carlos Alberto Bandeira Guimarães, que orientou a pesquisa, o gás natural não é usado pelos veículos com motor a diesel porque estes não possuem velas de ignição, como ocorre com os movidos à gasolina. Ou seja, sem as velas, não seria possível promover a explosão do gás. Esse problema foi resolvido com a utilização de um kit responsável pela mistura dos dois combustíveis objetos do estudo. A detonação, nesse caso, foi feita por meio da compressão do gás e do diesel numa câmara. “Nós mantivemos 15% de diesel na mistura apenas para gerar a ignição. Essa é a única função dele”, explica o docente da FEC.
Os testes, informa Guimarães, foram realizados com um veículo Toyota fabricado na década de 70, que já não estava mais em uso. A redução de emissão de material particulado, conforme o professor, foi constatada até mesmo visualmente. “Quando nós usávamos apenas o diesel, o motor emitia uma densa fumaça preta. Quando misturávamos o gás, essa fumaça simplesmente desaparecia”, relata. Embora os testes tenham indicado que a associação do gás natural com o diesel pode ser vantajosa, principalmente do ponto de vista ambiental, o uso em larga escala dessa alternativa ainda dependerá de dois fatores importantes, como ressalta o docente da FEC.
O primeiro deles está obviamente relacionado à estabilidade do preço e do fornecimento de gás natural. Atualmente, metade do consumo brasileiro é importada, especialmente da Bolívia, que enfrenta uma série crise política. O outro aspecto é a entrada em operação dos motores diesel eletrônicos. Embora a tecnologia já esteja disponível, os empresários dos setores de carga e transporte de passageiros ainda relutam em utilizá-la, alegando que sua manutenção é muito cara. “Por ser mais eficiente do que o motor convencional, o eletrônico trabalharia ainda melhor com a mistura de gás/diesel, o que contribuiria decisivamente para a redução da emissão de poluentes”, infere Guimarães.
O docente da Unicamp destaca, ainda, que os testes realizados ao longo da dissertação de Lobkov, um ex-oficial do Exército Vermelho da extinta União Soviética, empregaram um kit considerado simples, que mantém a mistura constante dos combustíveis. “Hoje em dia, porém, há equipamentos mais avançados, capazes de promover a variabilidade da mistura. Assim, as quantidades de diesel e gás podem ser modificadas conforme as condições de operação ou o interesse do proprietário do veículo”, esclarece. O fato de o kit poder ser transferido de um caminhão ou ônibus para outro também representa uma vantagem, no entender de Guimarães.
De acordo com ele, o mercado atual de veículos de carga e passageiros está fortemente voltado para motores a diesel. Assim, no momento de vender parte da frota usada, bastaria ao empresário retirar o equipamento dos veículos velhos e instalar nos novos. O professor da FEC destaca também que o investimento para dotar um ônibus ou caminhão com essa tecnologia é pequeno. Ele calcula que cada kit custe no máximo R$ 10 mil. “Isso é muito pouco diante dos ganhos ambientais que poderemos obter. Além disso, temos que considerar o fato de que estamos falando de veículos que podem custar até R$ 600 mil”, compara. A combinação entre gás natural e diesel não é promissora apenas para impulsionar os motores veiculares, mas também para os estacionários, como os utilizados em geradores, de acordo com o docente da Unicamp.
Na semana passada, Guimarães foi contatado por representantes de uma indústria especializada no fornecimento de equipamentos para o setor sucroalcooleiro. A empresa tem sido procurada por usinas de açúcar e álcool que estão interessadas em usar o metano gerado pelo processo de tratamento dos resíduos produzidos pela fabricação do açúcar e do álcool para abastecer os caminhões que fazem o transporte da cana. “Vamos conversar para ver em que aspectos podemos ajudar. Como o metano é o principal componente do gás natural, penso que isso pode gerar um interessante projeto de cooperação”, antevê o docente.
Hidrogênio
Durante o desenvolvimento da dissertação, Lobkov e Guimarães tiveram a oportunidade de também testar a mistura de diesel, gás natural e hidrogênio, graças à colaboração do professor Ennio Peres da Silva, do Laboratório de Hidrogênio (LH2), ligado ao Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), que forneceu apoio fundamental para o desenvolvimento do trabalho. “Embora os ensaios tenham sido preliminares e não estivessem no escopo original do trabalho, nós verificamos que a combinação também funciona. A participação do hidrogênio na mistura aumentaria a potência do motor e também contribuiria para a melhoria das emissões. Obviamente, é preciso realizar novos testes para verificar qual é a proporção ideal de cada combustível, bem como a forma de se realizar a mistura. Mas não vejo dificuldade para que o hidrogênio também possa vir a ser utilizado junto com o diesel e o gás natural no futuro. Aliás, o mesmo vale para o biodiesel. Penso que a principal condição para que avancemos nesse sentido está, vale insistir, no uso dos motores a diesel eletrônicos”, reafirma o docente da Unicamp.
(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 06/10/2008)