“Sistemas de produção sustentável de biocombustíveis poderão ter um papel altamente positivo na mitigação das mudanças climáticas, na melhoria da qualidade do ambiente e no fortalecimento da economia mundial, mas, para que isso ocorra, serão necessárias muitas pesquisas e políticas com sólida base científica.”
A afirmação, de um grupo internacional de especialistas em biocombustíveis, agronomia, economia, biologia e conservação, foi publicada na edição desta sexta-feira (03/10) da revista Science. O artigo é resultado das discussões feitas durante workshop realizado pela Sociedade Ecológica dos Estados Unidos em março.
Entre os 23 pesquisadores que assinam o texto estão dois brasileiros: José Goldemberg, do Centro Nacional de Referência em Biomassa, vinculado ao Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, e Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Segundo os cientistas, combustíveis à base de celulose, produzidos a partir de partes não-comestíveis ou tradicionalmente não-consumíveis de plantas, têm grande potencial de se tornar uma alternativa importante para os combustíveis fósseis e mesmo para o etanol à base de grãos, como soja ou milho.
Entretanto, os benefícios potenciais podem ser superados por escolhas infelizes, como plantio em locais errados ou práticas de gerenciamento ineficientes, que causam danos ambientais, destacam os autores. Segundo eles, há muitas questões que precisam ser respondidas – e algumas que nem foram colocadas ainda – a respeito das implicações do plantio com fins de obter biocombustíveis de celulose.
“A indústria de biocombustíveis de celulose pode ter muitos atributos sociais e ambientais positivos, mas pode também sofrer de vários dos problemas de sustentabilidade que envolvem os combustíveis à base de grãos, caso não seja implementada da maneira certa”, disseram.
“Sabemos que os sistemas de plantio de biocombustíveis baseados em grãos, da forma como são conduzidos atualmente, oferecem risco ambiental. Além da questão da dívida de carbono, criada pela área limpa em outros locais para repor a produção de alimentos que foi substituída [pelo plantio destinado a combustíveis], o plantio mais intensivo de nossas terras, com quantias de biomassa extraída cada vez maiores, pode facilmente exacerbar os problemas ambientais existentes”, destacaram.
Para os pesquisadores, é fundamental que os tomadores de decisão “em todos os níveis” entendam que aplicar as melhores práticas para a produção de biocombustíveis terá impactos positivos tanto para sustentabilidade das áreas cultiváveis como para fornecer um espaço a longo prazo para os biocombustíveis no portfólio de energias renováveis.
E, de acordo com eles, as políticas necessárias para que isso seja feito simplesmente não existem atualmente. “Padrões ambientais são necessários agora, antes que a indústria se mova da fase de pesquisa e desenvolvimento”, afirmou Phil Robertson, professor da Universidade Estadual de Michigan e primeiro autor do artigo.
No 1º Simpósio sobre Etanol de Celulose, realizado na sede da Fapesp em setembro, Goldemberg destacou a melhor posição do Brasil quanto aos Estados Unidos, com relação ao potencial de exploração do etanol.
“Os Estados Unidos utilizam o milho. O problema com o milho é que o calor usado para produzir o etanol vem de fora, ao contrário do que ocorre com a cana-de-açúcar. Como a matriz energética deles se baseia em carvão, no fundo, o uso do milho se resume a transformar carvão em etanol, o que compromete o balanço energético”, explicou.
O simpósio foi realizado como parte do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), na linha de pesquisa de Biomassa para Bioenergia. O objetivo foi definir estratégias para obtenção de etanol a partir da celulose da cana-de-açúcar por meios genéticos e bioquímicos.
O artigo Sustainable biofuels redux, de Phil Robertson e outros, pode ser lido por assinantes da Science.
(Inovação Tecnológica, 02/10/2008)