Um dia após divulgar o relatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que listou a relação dos maiores responsáveis pelo desmatamento na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, voltou atrás e admitiu a revisão do documento, em um prazo de 20 dias. O ranking incluiu em suas primeiras posições o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A declaração de Minc foi causada pelos questionamentos levantados pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, e pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, sobre a inclusão dos assentamentos entre os grandes responsáveis pelo desmatamento. “Pode ter havido uma certa injustiça”, emendou Minc. “Em nenhum momento eu disse que os assentamentos, os sem-terras são os maiores responsáveis pelo desmatamento", disse. “Formalmente, os assentamentos são do Incra, mas na verdade são de milhares de pessoas, cada um desmata um tantinho e essa acaba dando um número maior que uma propriedade só”.
O ministro ainda admitiu que não havia lido a lista antes da divulgação. “Confiei no Ibama. A lista estava pronta desde o começo do ano. Eu disse: publiquem”, relatou.
De qualquer forma, Cassel criticou a pasta do Meio Ambiente de ter cometido "erros crassos" ao elaborar o documento. Entre os erros, estão uma coordenada geográfica que não corresponde ao local multado e dois casos de multa aplicada com base em uma imagem de satélite obtida três anos antes da criação do assentamento, em meados da década de 1990. O próprio presidente interveio na crise entre os Ministérios do Meio Ambiente e de Desenvolvimento Agrário.
De Manaus, Lula determinou ao ministro Carlos Minc que faça uma auditoria nas oito multas aplicadas ao Incra por desmatamentos de 2.282 km2 em Mato Grosso. "Em 20 dias corridos, o Ibama terá de dizer o que está certo e o que não está nessas multas", disse Minc, para logo afirmar que a lista não havia sido produzida por ele. "Ela foi feita pelo Ibama. Perguntei desde quando está pronta e disseram que desde janeiro, fevereiro. Perguntei também por que não foi divulgada. Responderam que não sabiam. Determinei então que ela fosse divulgada, porque só trabalho com transparência".
Foi o estopim para outro mal estar, desta vez entre Minc e a senadora Marina Silva. Em janeiro e fevereiro Marina ainda era a ministra do Meio Ambiente. Ao dizer que a lista existia há nove meses, Minc acabou deixando no ar a insinuação de que sua antecessora havia escondido o relatório, por conter oito vezes o nome do Incra, seis deles encabeçando o rol dos maiores desmatadores. Marina reagiu: "Não sei se o Minc quis dizer que tive a intenção de ocultar a lista. Porque aí seria faltar ao respeito comigo", disse. Em entrevista ao jornal O Globo, Marina classificou de pirotecnia tornar pública uma lista sem sequer ler antes, mas não citou o nome de Minc.
Ao responder por que o documento do Ibama só apareceu agora, Marina disse que “no momento oportuno, ele seria apresentado. A minha surpresa é dizer que havia interesse em ocultar lista. Isso não faz parte do meu caráter. Todos os que estavam sendo multados estavam aparecendo. Quando eu saí, isso estava em pleno funcionamento. A lista é resultado de um trabalho. Não sei por que não foi anunciada antes”.
“Não é questão de esperar. É uma questão de ser responsável. As coisas sempre foram feitas com critério. Em agosto de 2007, quando identificamos que o desmatamento tinha voltado a crescer, tomamos uma série de medidas, entre elas um decreto do presidente Lula criando um grupo de trabalho de responsabilização ambiental. O objetivo era identificar os maiores criminosos e instruir os processos para processá-los criminalmente. Em 11 de março deste ano, foi assinada a portaria que criou a força-tarefa para dar instrução aos processos e preparar a lista dos cem maiores desmatadores”, explicou.
O presidente do Incra, Rolf Hackbart, também mostrou-se indignado com a divulgação do levantamento. "O maior desmatador do Brasil é o modelo econômico da agricultura e da pecuária. Mato Grosso é um mar de soja. Tem crime ambiental por todo o Estado", rebateu. "O que me surpreende é que exista desmatamento nas unidades de conservação do governo federal, nas terras indígenas. Nós tivemos de fazer acordos que nos obrigam a recuperar áreas degradadas. Nunca tivemos orçamento. Hoje temos. E estamos com mais de 500 pessoas trabalhando nos projetos de recuperação de florestas derrubadas", afirmou. Segundo ele, as coordenadas geográficas de uma das fotos de satélite feitas pelo Ibama para multar o Incra por desmatamento não batem com nenhum dos assentamentos.
Em nota oficial, o MST disse que, na lista dos cem maiores responsáveis pelo desmatamento, a pilhagem de madeira foi travestida de assentamento, como a entidade já havia denunciado ao lado do Greenpeace, em 2007. Segundo o Movimento, foram criados assentamentos ilegais em benefício de madeireiras na Amazônia Legal. Investigações do Ministério Público Federal e do Greenpeace identificaram a falta de laudos e licenciamento ambiental, além de cadastros adulterados, para criação formal dos chamados “assentamentos fantasmas", destinados ao desmatamento de áreas florestais para extração de madeira.
A nota do MST afirma ainda que "cerca de 70% dos assentamentos dos governos FHC e Lula foram criados em terras públicas, por meio da regularização fundiária na região da Amazônia Legal". E acrescenta:
"Participamos da campanha “Desmatamento Zero”, em defesa da Amazônia, ao lado de diversas entidades da sociedade civil. Exigimos a rejeição do Projeto de Lei 6.424/05, do senador Flexa Ribeiro (PSDB), que diminui a área de reserva legal florestal da Amazônia, e a Medida Provisória 422/08, conhecida “PAG (Plano de Aceleração da Grilagem)”, que possibilita a legalização da grilagem na Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente deve rejeitar esses projetos devastadores e tomar medidas rígidas para impedir a expansão do agronegócio na Amazônia, que é o principal responsável pelo processo de devastação. Nos últimos cinco meses de 2007, a pilhagem da madeira, a expansão da pecuária e da soja para exportação causaram a devastação de até 7.000 km2, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente".
(Por Clarissa Pont, Carta Maior, 02/10/2008)