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2008-10-03

O ornitólogo paulista Alexandre Aleixo, pesquisador associado do Museu Paraense Emilio Goeldi, vive há 12 meses em situação de absoluta urgência. Se tudo correr direito, só mesmo no início de 2009 ele poderá voltar a respirar com um pouco mais de calma. Em março, segundo um planejamento que por enquanto vem sendo seguido à risca, a equipe de trinta biólogos coordenada por Aleixo porá um ponto final no inventário, que vem sendo realizado desde janeiro passado, da biodiversidade no Mosaico de Unidades de Conservação criado pelo governo do Pará em dezembro de 2006 na Calha Norte do  rio Amazonas. Não é uma tarefa simples.

Afinal de contas, ela envolve a coleta, catalogação e análise da flora e da fauna em sete pontos do mosaico, um colosso de 13 milhões de hectares que inclui três Florestas Estaduais, uma Estação Ecológica e uma Reserva Biológica. “O prazo é curto. Qualquer tropeço pode atrasar a implementação dessas unidades”, diz. Aleixo tem apenas uma reclamação de tanto estresse: “não sobra muito tempo para a gente perceber onde estamos andando”. Mas, de vez em quando, ele se dá conta do privilégio que é estar uma região onde poucos humanos pisaram. “Eu às vêzes fico perplexo”, conta. “Me sinto num elo perdido, um Éden. Até os animais são mansos. Deixam a gente chegar muito perto deles”.
 
Pedro Baía Júnior, biólogo da secretaria de Meio Ambiente (SEMA) do Pará que participa das expedições, conta que so macacos-aranha vêm muito próximos, tão curiosos sobre a presença de humanos por lá quanto estes sobre biodiversidade do local. Os mutuns, uma ave para lá de estressada em outras regiões da Amazônia, que sai de fininho quando vê alguém ao longe, comporta-se de modo completamente diferente na Calha Norte. “Eles não se incomodam com a nossa proximidade. Continuam se alimentando calmamente”, maravilha-se Aleixo. “Simplesmente não nos consideram uma ameaça”.

Baía Júnior cansou de ver bicho – cobras, sapos, aves, cada uma com penugens mais incríveis que as outras, e morcegos de asas imensas e caras feias – nos 20 dias que passou no ponto de investigação 14, ao Sul da Estação Ecológica do Grão Pará, entre as Terrras Indígenas dos Zo’É e de Parú d’Este. Mas a impressão que vai levar para sempre na sua memória é da paisagem. “O que os os olhos alcançam é de tirar o fólego”, conta. “A vegetação, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, não é homogênea. Tem zona de floresta ombrófila misturada com cerrado e campos naturais. Tem até canyons”.

Sônia Kinker, engenheira química de fomação e amante da natureza por opção, já viu muita mata e muito animal livre. Conhece 26 Parques Nacionais no Brasil e em 1993 percorreu de carro a BR-163, quando a região ainda tinha muito mais floresta do que pasto. Atualmente, ela chefia a Diretoria de Áreas Protegidas da SEMA e por conta dos afazeres administrativos no seu gabinete, não tem tempo disponível para ir para o mato. Mas não resistiu e foi passar três dias, em fins de agosto, com a 4ª expedição biológica que investigou o ponto 13, uma serra entre 600 e 700 metros de altitude nos confins do Norte do país, lá onde o Pará faz fronteira com Roraima e a Guiana. Ela resume o que viu de um jeito que qualquer leigo entende: “O lugar é especial. Lindo”.

Reescrevendo a história
Mesmo quando tentam refletir científicamente sobre a experiência que vêm tendo desde janeiro, quando começaram as expedições de levantamento biológico da área, os pesquisadores não deixam de lado uma certa perplexidade. Aleixo conta que os biólogos estão em estado permanente de choque. “Nimguém conseguiu ainda dimensionar o que estamos conhecendo”, diz ele. A área sob investigação faz parte do Escudo da Guiana e para quem não sabe, ou não sabia, como o autor desta reportagem, ele é o maior dos oito principais centros de endemismo da Amazônia, cobrindo 170 milhões de hectares.

Mais da metade disso fica no Brasil. A área restante se espalha por Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Todo esse mundo de biodiversidade é um dos menos sujeitos à pressão humana na Amazônia. Apenas 4, 06% dele está desmatado. O mosaico com as cinco Unidades de Conservação na Calha Norte paraense fica na borda Sudeste do Escudo. Sua criação erigiu uma barreira de proteção que se estende do Amapá, à Leste, até o rio Nhamundá, na divisa com o estado do Amazonas, à Oeste. A literatura científica sobre o que existe nos ecossistemas que compõem a paisagem dessa região, até por conta da dificuldade de acesso, é escassa.
 
E o pouco de informação que existe que existe está disperso. Aleixo recorre novamente à expressão ‘elo perdido’ para dar a dimensão científica do que ele os outros biólogos estão investigando. Não mais como metáfora. Seu sentido, no caso, ganha um contorno literal. “O conhecimento que estamos acumulando vai refazer os mapas e reescrever a história da biodiversidade na Amazônia”, garante. Ainda faltam quatro meses para o fim da última expedição, mas os dados obtidos até agora pelos trinta biólogos envolvidos no trabalho de coleta de dados em campo, apontam para a descoberta de uma espécie nova de primata, o registro de um gênero de réptil jamais visto no Brasil e a expansão de áreas de ocorrências de vários bichos.

O primata é um mico pequenino. Os pesquisadores conseguiram avistá-lo com binóculos, gravaram sua vocalização, mas não conseguiram coletar nem um espécimem para estudo mais profundo. Sequer uma fotografia tiraram. “Imagina a frustação do pessoal encarregado de investigar a mastofauna”, diz Aleixo. Melhor sorte teve a turma que está investigando a herpetofauna. O réptil que parece ser uma novidade em paragens brasileiras, do gênero mesobaena, só havia sido registrado em território venezuelano.  Eles conseguiram coletar espécimens que agora estão guardados no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, para mais estudos.

Além de mamíferos, répteis e anfíbios, as expedições também estão levantando dados sobre a ictiofauna (peixes), as aves e, claro, a flora que compõem a biodiversidade do mosaico. Uma das coisas que Aleixo e seus colegas têm a mais absoluta certeza é que muito do que se sabe sobre as zonas de ocorrência de certas espécies na Amazônia terá que ser revisto. “Nós coletamos aves e morcegos que em princípio, ocorriam em áreas bem mais limitadas”, conta. Ele dá dois exemplos em que isso, fatalmente, terá que ser revisto.

Uma é a maria-da-campina (Hemitriccus inornatus). A outra, o saí-da-barriga-branca (Dacnis albiventris). A primeira tem registros apenas na região do rio Negro, no Amazonas. A segunda era considerada típica da Amazônia Ocidental. Baía Júnior lembra ainda de um primata, antes considerado restrito à zona sob influência do rio Nhamundá, na divisa do Pará com o Amazonas, e um marsupial que se pensava existir só pelas bandas do Amapá. Ambos apareceram, como as aves, diante dos olhos dos biólogos que investigam a biodiversidade no mosaico da Calha Norte.

Plano e execução
O trabalho de campo foi precedido por intenso planejamento envolvendo gente da SEMA, ImazonConservação Internacional e Museu Paraense Emilio Goeldi. O primeiro passo foi achar os pontos que seriam submetidos às avaliações biológicas rápidas, um método de pesquisa que busca o máximo possível de amostragens dentro de um raio relativamente curto de investigação. O processo de escolha começou com sobrevôos pela região do mosaico, feitos entre maio e junho do ano passado, e análise de imagens de satélites. Selecionou-se 16 pontos com potencial para estudo. “Eles foram escolhidos com base em suas fisionomias”, diz Kinker.

“Quanto maior a heterogeneidade de vegetação e altitude, maior a biodiversidade”, prossegue Aleixo. Com a pré-seleção concluída, foi a hora de rifar nove deles para se chegar aos sete pontos que seriam alvos de expedições. “Basicamente, o que a gente fêz foi juntar um monte de biólogos numa sala diante de mapas e fotografias para alcançar um consenso sobre os locais de pesquisa”, explica Kinker. A fase seguinte envolveu a definição de logística das expedições. O pessoal do Goeldi desenhou os acampamentos, que foram analisados pelos técnicos da SEMA para ganharem licenças ambientais.

Cada um desses acampamentos abriga, além de gente – em média cada expedição conta com no mínimo 20 biólogos, mais mateiros e pessoal de apoio – um laboratório de campo, onde os espécimens coletados são tratados e catalogados para serem levados até a sede do Goeldi, em Belém, onde passam por mais análises. Tudo acertado, faltava talvez o mais importante: como alcançar os sete pontos de investigação? O acesso ao terreno onde eles estão é muito difícil. O único caminho é subir pelos rios, extremamente encachoeirados. “Para chegar a um local nas suas margens propícipo ao desembarque, levaríamos uns 20 dias”, diz Aleixo. “E de lá, caminhar até os pontos por terra seria não apenas demorado, mas um sacrifício, porque a gente tem que levar muito equipamento para dentro do mato”.

A solução veio com o apoio da mineradora Rio Tinto, com quem a SEMA negociou um termo de compromisso. Em troca da renovação de sua licença de pesquisa mineral numa das unidades do mosaico, a Floresta Estadual do Paru, ela se comprometeu a dar o apoio necessário ao deslocamento e instalação das expedições. Cerca de um mês antes dos cientistas chegarem, a mineradora desembarca funcionários de helicóptero no local escolhido. Eles se encarregam de abrir a clareira, montar o acampamento e fazer o sistema de trilhas – quatro para cada ponto, cada uma com três quilômetros de extensão – necessário para o levantamento biológico.

Ciência e humanos
"Quando os pesquisadores chegam nos pontos, a infra-estrutura está montada para eles iniciarem seu trabalho no dia seguinte”, diz Kinker. Seu transporte até os pontos de investigação, primeiro de avião e depois de helicóptero, também é tarefa da Rio Tinto. os pesquisadores até os pontos de investigação. Já aconteceram quatro expedições. A primeira, em janeiro passado, foi na Floresta Estadual de Faro, no ponto 8, zona de floresta de várzea, que se forma em beira de rios, lagos e capinzais alagados. O segundo, o ponto 4, na Floresta Estadual do Trombetas, se localiza em serras entre 400 metros e 500 metros de altitude.

A terceira expedição visitou, em junho, a parte Sul da Estação Ecológica do Grão Pará, área dominada por floresta seca, baixa, que cresce em solo arenoso. A investigação seguinte aconteceu em agosto no ponto 13, no Noroeste da Estação, próximo da fronteira com Roraima e a Guiana. Lá estão as serras mais altas do mosaico paraense, com altitudes que ultrapassam os 700 metros. Faltam três expedições para finalizar a avaliação biológica das novas Unidades de Conservação. A próxima sai em outubro. A última, em janeiro de 2009. Cada expedição vai gerar um relatório específico.

“O que estamos fazendo tem um caráter inovador pelo grau de planejamento e integração de todas as fases do processo”, diz Kinker. Ao mesmo tempo em que as expedições acontecem, os pesquisadores estão levantando e reunindo toda a pouca literatura que existe sobre a biodiversidade na Calha Norte. A paritr de março do ano que vem, essas informações e as obtidas pelas pesquisas de campo serão consolidadas num banco de dados. Em paralelo, os pesquisadores irão escrever artigos científicos e, tudo indica, descrever as novas espécies encontradas na região.
 
O banco de dados também será repassado ao Imazon e a Conservação Internacional, que farão projeções a partir deles para finalizar um plano de manejo para a biodiversidade das unidades que formam o mosaico da Calha Norte. “É muito trabalho”, reflete Aleixo. “Mas ainda bem que estamos lidando com informações científicas, que têm um carátrer mais objetivo. Eu fico pensando na tarefa hercúlea que o pessoal que participa do levantamento sócio-econômico das unidades tem pela frente. Eles estão lidando com seres humanos. E isso envolve muito mais variáveis e nuances”.

Veja também:
Um canto do Brasil entra no mapa

Desde fins de 2007, pesquisadores investigam a biodiversidade e as populações da Calha Norte do Pará. O que eles estão descobrindo provavelmente vai reescrever a história da Amazônia.

Pressão baixa, situação complexa
A densidade humana nos cerca de 13 milhões de hectares do mosaico na Calha Norte paraense é baixa. Miscigenação, gado e conflito podem, no futuro, ser parte da vida humana na região.

Fotos da biodiversidade na Calha Norte
O Eco montou três slideshows com imagens capturadas pelos biólogos em quatro das sete expedições de avaliação da biodiversidade no mosaico de Unidades de Conservação da Calha Norte.

(Por Manoel Francisco Brito, OEco, 02/10/2008)


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