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impactos de hidrelétricas hidreletricas do rio pelotas hidrelétrica de pai querê
2008-10-03

A onça-pintada (Panthera onca), o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), a ariranha (Pteronura brasiliensis) e o gato-do-mato-grande (Oncifelis geoffroyi) são mamíferos que ainda sobrevivem no Planalto Catarinense, certo? Infelizmente, não. No entanto, essas informações são citadas em oito estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rimas) para hidrelétricas naquela região. A onça foi registrada pela última vez no estado em 1982. Houve um único registro recente de cachorro-vinagre em Santa Cantarina e nenhum no Planalto Catarinense. A ariranha aparenta estar extinta há muitas décadas na região. Enquanto o gato-do-mato-grande nunca deu as caras por lá.

Estes foram alguns “equívocos” que as empresas responsáveis deixaram passar em estudos para 15 empreendimentos hidrelétricos no Planalto Catarinense. Quem afirma é o pesquisador Marcelo Mazzolli, em uma análise recém concluída sobre falhas em EIA/Rimas. No geral, ele e sua equipe identificaram nada menos do que 55 erros de nomenclatura para 32 espécies, 37 casos de registros não-documentados de 20 espécies de ocorrência improvável e 25 identificações incompletas e não-justificadas de 15 espécies. Além disso, nenhum deles quantificou impactos sobre populações e não há qualquer menção a programas ou sugestões de metodologia para acompanhamento das flutuações na diversidade biológica e/ou na densidade populacional de animais ou plantas.
 
“Os erros e omissões verificados confirmam a baixa qualidade dos relatórios, levando a crer que os empreendedores e pessoal técnico têm uma grande parcela de responsabilidade pelo atraso nos licenciamentos [...] eles falham em identificar os riscos ambientais e, portanto, falham também em indicar a melhor maneira de mitigá-los e recuperá-los”, diz Mazzolli, professor de Zoologia da Universidade do Planalto Catarinense e consultor da União Mundial para Conservação da Natureza (IUCN) desde 1997.

Para realizar o trabalho, o pesquisador escolheu alguns casos emblemáticos, como as usinas de Barra Grande, cujo Relatório de Impacto Ambiental “esqueceu” mais de 2 mil hectares de áreas com ameaçadas araucárias e inundou 5.435 hectares (ha) de matas nativas e campos naturais, e Pai Querê, alvo de ações judiciais, ambas no Rio Pelotas. Também foram analisados empreendimentos nas Bacias Hidrográficas dos rios Lava-Tudo, Pelotinhas e Caveiras (imagem acima).

“O problema é cumulativo. Na Bacia do Alto Uruguai empreendimentos construídos e em elaboração irão cobrir uma extensão de 400 quilômetros lineares, inundando praticamente todos os remanescentes da Floresta Semi-decidual do Alto Uruguai, ao longo dos Rios Uruguai e Pelotas”, alerta Mazzolli.

Segundo o pesquisador, as causas para tantas imprecisões também encheriam uma lista. Uso de inventários desatualizados de fauna e flora com única fonte para avaliar impactos ambientais, avaliação de espécies apenas na área do alagamento e entorno imediato, falta de detalhamento de campo e de critérios científicos nas avaliações, imaturidade profissional dos técnicos de campo, além do despreparo dos profissionais de órgãos ligados ao meio ambiente, que revisam e aceitam relatórios sofríveis, e falhas na legislação, que não detalha os requisitos necessários para estudos de melhor qualidade, são apenas algumas delas.

Para Miriam Prochnow, presidente da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), entidade que tem acompanhado de perto os impactos das hidrelétricas na Região Sul, o estudo traz novas provas para questões que vêm sendo levantadas há bastante tempo por organizações ambientalistas. “O estudo é inovador, especialmente quando faz uma análise apurada do ponto de vista científico em relação às nomenclaturas, porque prova sem sombra de dúvidas que existem lacunas grandes”, ressalta.

A bióloga diz somente ter sentido falta de uma abordagem mais profunda sobre as espécies que existem na região e que não são mencionadas nos estudos. Isso porque elas dificultariam o processo de licenciamento das hidrelétricas, como ocorreu com Barra Grande e agora acontece com Pai Querê.

Segundo Marcelo Mazzolli, o trabalho ainda está sendo apresentado a órgãos ambientais e às empresas responsáveis pelos relatórios estudados. A consultoria Terra Ambiental já se manifestou sobre o assunto, afirmando que estão de acordo com as críticas e compromentendo-se a considerar as questões polêmicas durante a fase de operação e instalação do empreendimento de sua responsabilidade. O pesquisador não revelou qual estudo foi executado pela empresa.

Na iminência do erro
As falhas identificadas por Mazzoli não são exclusivas dos estudos para hidrelétricas no sul do país. Estes e outros erros ainda mais grosseiros têm sido praxe nos licenciamentos que pipocam pelo Brasil. No entanto, em terras catarinenses e gaúchas, a possível construção da hidrelétrica de Pai Querê é o tema que mais tem dado dor de cabeça aos ambientalistas.

O assunto está em litígio desde o início do ano e o Ibama ainda não concedeu a Licença Prévia por conta das divergências em relação aos resultados do Estudo Integrado da Bacia do Rio Pelotas, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal. Isso porque ele aponta a região onde a usina deve ser instalada como de extrema importância para a conservação da biodiversidade, mas, ao mesmo tempo, não vê problemas em plantar uma usina lá.

Enquanto o governo não se entende, organizações não-governamentais identificam falhas no estudo, que, segundo elas, subestimam os danos sobre fauna e flora. O relatório apresentado pela Engevix - empresa responsável pela obra, assim como foi pela polêmica Barra Grande - ao Ibama, identificou 140 espécies da vegetação local. Já um levantamento independente, feito por pesquisadores e estudantes, contou cerca de 250 espécies.

E isso em apenas cinco dias de caminhada pela mata, entre os municípios de Bom Jesus (RS) e Lages (SC), onde a hidrelétrica será construída. Relatos do professor Ademir Reis, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dão conta da presença de uma espécie de bromélia, do gênero Dyckia, semelhante a que desapareceu em decorrência da hidrelétrica de Barra Grande.

“Se Barra Grande foi um escândalo, eu acredito que Pai Querê está se encaminhando para um escândalo maior ainda, por conta dessa omissão na lista de espécies e a possibilidade real de se extinguir da natureza não só uma espécie de bromélia, mas também peixes que só existem naquele rio. A construção de Pai Querê acabará com o próprio rio”, acredita Miriam Prochnow.

Segundo o professor Paulo Brack, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), construir a hidrelétrica de Pai Querê levaria ao corte de mais de 3.940 ha de florestas com araucárias, árvore (à esquerda) ameaçada e cada vez mais rara, além da inundação de 1.120 ha de campos naturais, onde abrigam-se mais de 600 vegetais e centenas de animais, muitas espécies ameaçadas de extinção ou alvo de biopirataria.

“Oitenta quilômetros do Rio Pelotas e dezenas de quilômetros de seus tributários seriam transformados em um corpo com águas paradas, liberando gás metano pela decomposição da matéria morta”, conta Brack, da UFRGS, em comentário ao blog SOS Rio Pelotas. Lá há um abaixo assinado contra a hidrelétrica. O gás metano é um dos vilões do aquecimento global.

Além da usina de Pai Querê, há mais de 200 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) planejadas para Santa Catarina. Como a legislação só exige um estudo simplificado para elas, a avaliação de seu conjunto é deixada de lado, alerta Miriam Prochnow.

“Na prática, é uma PCH atrás da outra sendo licenciada pelo órgão ambiental do estado e nossos rios indo, literalmente, para o espaço”. O problema dos “equívocos” nos EIA/Rimas pode ter efeitos catastróficos para algumas populações, lembra a pesquisadora. Na cidade catarinense de Ibirama, por exemplo, se realmente for instalada uma PCH, em licenciamento, as únicas cinco populações da bromélia Dyckia Ibiramensis serão extintas.

Em 22 de julho, o Ministério Público de Santa Catarina cancelou os processos de licenciamento das PCHs do estado e recomendou à Fundação Estadual do Meio Ambienta (Fatma) que faça o estudo integrado das bacias hidrográficas. No entanto, um funcionário da Fatma, que não quis se identificar, já avisou que o órgão não tem condições nem estrutura para o trabalho.

Enquanto a situação não se resolve dentro dos órgãos ambientais, as empresas responsáveis pelos estudos de impacto ambiental seguem vendo onça-pintada onde ela já não existe e campos limpos em lugar de florestas com araucárias. Além de fechar os olhos para inúmeras espécies que nada têm a ver com o progresso a qualquer preço.

(Por Cristiane Prizibisczki, OEco, 02/10/2008)


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