Um júri de 13 membros composto por economistas, cientistas, ex-funcionários, especialistas legais e líderes da sociedade civil acusou o Banco Mundial de prejudicar o meio ambiente e reduzir a qualidade de vida da maioria da população da Índia. Entre os integrantes do júri estavam Aruna Roy, ganhadora do prêmio Ramon Magsaysay, e Arundhati Roy, ganhadora do prêmio Booker. A equipe demorou um ano para avaliar cerca de mil testemunhos e 150 depoimentos tomados de grupos envolvidos de especialistas e comunidades afetadas em toda a Índia a fim de avaliar o impacto do Banco sobre 26 setores do desenvolvimento social e econômico deste país.
A Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, tem uma historia de “intelectualismo de esquerda” e foi a anfitriã do Tribunal Popular Independente sobre o Banco Mundial na Índia, em setembro de 2007. As consultas em nível estadual aconteceram durante um período preparatório de dois anos, principalmente em Estados onde o Banco teve ou está tendo um papel ativo, como Uttar Pradesah, Orissa, Maharashtra, Karnataka, Andhra Pradesh, Tamil Nadu e Kerala.
Do encontro na Universidade, no qual colaboraram 200 estudantes voluntários, participaram cerca de 700 pessoas. O objetivo, segundo o Tribunal, foi “proporcionar um fórum justo e não tendencioso para as pessoas que sofrem o impacto de projetos e políticas financiadas ou promovidas pelo Banco Mundial”, que é a mais influente das instituições financeiras internacionais que trabalham na Índia.
O informe final, divulgado no último dia 21, acusa essa instituição de defender políticas que na realidade aceleram a crise agrícola e a fome na Índia, além de aumentar a divisão entre ricos e pobres do país e de não cumprir sua missão de reduzir a pobreza. A estratégia do Banco para a Índia inclui um empréstimo substancial nas áreas de infra-estrutura (estradas, transporte, eletricidade, fornecimento de água e saneamento, irrigação e desenvolvimento urbano), desenvolvimento humano (educação, saúde, proteção social) e meios de sustento rurais, particularmente nos Estados de Bihar, Jharkhand, Orissa e Uttar Pradesh.
O Tribunal estudou os impactos de projetos do Banco sobre comunidades vulneráveis, entre elas mulheres, crianças, indígenas pobres, pescadores, agricultores, operários e dalits (intocáveis), a casta mais baixa da Índia. Também analisou o impacto das condições impostas pela instituição para conceder empréstimos e que afetam a dívida financeira do país, sua soberania e os processos democráticos, seu vinculo com agências do governo e consultorias, e o grau de seu envolvimento com a elaboração de políticas.
O informe também acusa o Banco de colocar deliberadamente ex-membros de seu quadro de pessoal em cargos públicos indianos para influir nas políticas locais, bem como de diluir a legislação ambiental, o que implica uma séria intromissão nas políticas administrativas da Índia.
Os direitos de voto no Banco se baseiam na contribuição financeira de seus membros, sendo que os Estados Unidos possuem o maior poder dentro do organismo. Desde junho deste ano, Washington tem 16,38% dos votos no Banco Internacional de Reconstrução e Fomento (Birf), 12,67% na Associação Internacional de Fomento (Aif) e 23,63% na Corporação Financeira Internacional (IFC) e na Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (Miga) por outro lado, o poder de voto da Índia é de 2,78% no Birf, 2,82% na Aif e 3,39% na Miga e na IFC. Desde julho de 2007, o Birf e a Aif emprestaram à Índia US$ 69,7 bilhões. A Índia é membro de todas as instituições do Grupo do Banco Mundial, menos de seu Centro Internacional de Acerto de Diferenças Relativas a Investimentos (Ciadi).
O Tribunal informou ter enviado cerca de 60 convites, entre outros ao Banco Mundial e aos departamentos relevantes do governo indiano, como o Ministério de Assuntos Econômicos e Finanças e a Comissao de Planjemento, mas, “nenhum decidiu participar apesar de o acontecimento ter lugar em Nova Délhi, onde todos os departamentos têm sua sede.
O Banco inicialmente concordou em participar da sessão final e pediu que o Tribunal lhe proporcionasse a evidência que lhe permitisse estruturar sua resposta. Mas, apesar de informes diários de todos os testemunhos e documentos gerais enviados ao escritório do Banco em Nova Déli, o Banco Mundial “no último momento escolheu não participar” e divulgou uma nota rechaçando o acontecimento, em seu site. O informe do Tribunal diz que, por outro lado, o Banco realizou reuniões com organizações da sociedade civil para demonstrar que estava aberto a consultas.
Os resultados destas consultas, também feitas em setembro de 2007, reconhecem um “sentimento antiBanco Mundial” e sugerem que seus projetos se “diluíram” em operações por diversos motivos. Em resposta às acusações, a porta-voz do Banco Mundial em Nova Déli, Patsy D’Cruz, disse à IPS: “O Banco dá as boas-vindas a um debate aberto sobre seu trabalho em todos os países. Mas, não estamos de acordo com o formato de um tribunal convocado para julgar o Banco sem um debate aberto e inclusivo sobre os assuntos propostos”. É uma pena que o Tribunal não tenha aceitado em setembro passado o convite do Banco para uma discussão “mais profunda e mais útil” sobre estas questões, acrescentou.
A secretária do Tribunal, Deepika D’Souza, disse esperar que “uma declaração tão forte deste distinguido grupo contribua de modo significativo com o debate sobre a legitimidade das operações do Banco no país e como instituição”. Também disse que a iniciativa indiana já inspirou processos semelhantes na Holanda e em Bangladesh.
(Por Keya Acharya, Envolverde, IPS, 01/10/2008)