Na retomada das Terças Ecológicas, evento realizado pelo Núcleo de Ecojornalistas (RS), ontem à noite (30/09), na Assembléia Legislativa, os palestrantes Márcio Rodrigues de Freitas e Luiz Felipe Kunz Jr. denunciaram o desmonte e sucateamento das diretorias de qualidade dos órgãos ambientais no Brasil.
Ambos têm muita experiência no assunto, com atuação no Rio Grande do Sul e Brasília. O engenheiro Márcio Freitas foi o coordenador-geral de Controle e Qualidade Ambiental e também diretor de Qualidade Ambiental do Ibama em Brasília, enquanto o veterinário Luiz Felippe foi coordenador geral e diretor de licenciamento, na gestão de Marina Silva.
Eles saíram do Ibama na seqüência da crise do licenciamento das Hidrelétricas do rio Madeira. Segundo Freitas, quase todos os órgãos ambientais do país, incluindo o Ibama, estão acabando com as diretorias de qualidade.
Agenda Marrom
Falando sobre “Gestão das águas: interfaces com o licenciamento e a qualidade ambiental”, Freitas contou que a qualidade no Ibama é conhecida como a Agenda Marrom, aquela que lida com poluição das águas, do ar, com substâncias perigosas e resíduos tóxicos.
Este é o setor que nos órgãos ambientais realiza o trabalho de medir, aferir e monitorar os recursos naturais. Trabalho que ainda é feito, mas sem receber importância, de forma precária, sem equipamentos e sem o pessoal necessários, disse Freitas.
“Estamos próximos de um cenário em que a disponibilidade da água será menor que a demanda”, alertou, acrescentando que “hoje se fala muito da escassez, mas pouco se fala da qualidade da água de acordo com o uso”.
Ele destacou o fato de que no litoral gaúcho quase não se vê mais placas de praias interditadas, sinal de que não está havendo monitoramento, pois a população e os veranistas aumentaram muito e não houve investimentos em tratamentos de esgotos.
Licenciamentos
Segundo Luiz Felippe Kunz, numa diretoria de licenciamento ambiental como no Ibama, a demanda e a pressão dos grandes empreendedores e do governo é tão grande que não permite o acompanhamento da questão da qualidade ambiental.
Ele viveu isso na pele, quando foi diretor de licenciamento em Brasília. Em função da pressa pela aceleração do crescimento, sobrava no máximo dois por cento do tempo para tratar da qualidade ambiental, relatou.
Além disso, há uma enorme falta de conhecimento sobre os recursos naturais do Brasil, já que existem estudos acadêmicos mas falta pesquisa aplicada.
“Sem conhecimento dos impactos não tem como haver qualidade no licenciamento ambiental. É estranho como se fala tanto de meio ambiente mas pouco se age; a ação que pedem de quem deve cuidar do meio ambiente é que não se cuide, há uma pressão dos grandes empreendedores e do governo sobre o Ibama”, desabafou.
Rio Madeira
Luiz Felippe citou o caso do licenciamento das hidrelétricas do rio Madeira, onde era exigida agilidade no licenciamento quando não existia sequer pesquisa básica sobre a região.
Num primeiro levantamento, além do famoso bagre, foram descobertas outras espécies que nunca antes tinham sido identificadas, sem contar cerca de 10 mil pessoas que dependem da pesca na área a ser inundada.
Revelou também que o Madeira é responsável por 50% dos sedimentos na foz do Amazonas, com impacto até o Oceano Atlântico, outra questão de difícil avaliação.
“Não tem como ser rápido numa obra dessas , sem conhecimento da área é impossível”, disse Luiz Felipe. “As decisões acabam sendo políticas e não podem ser tomadas por um técnico que não tem mandato político para isso”, completou.
Ambos acrescentaram que o licenciamento ambiental é a única área em que a população ainda pode (tentar) interferir numa decisão governamental, inclusive com realização de audiência pública. O restante, como política energética, continua sendo decidido em gabinetes fechados.
Terças Ecológicas
Na abertura do evento, a coordenadora do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul, Ilza Girardi, anunciou que as Terças Ecológicas estão sendo retomadas, voltam a acontecer uma vez por mês, sempre com especialistas em determinada área dos temas ambientais.
Também anunciou o lançamento em breve do livro “Jornalismo Ambiental: Desafios e Reflexões”, editado pelo Núcleo, e que estão abertas as inscrições para novos associados do NEJ/RS.
“O Núcleo completou 18 anos em 2008, como uma ONG ecológica de jornalismo, com a proposta firme de defender a vida e a sustentabilidade no planeta, com o compromisso de transmitir uma informação de qualidade através da EcoAgência, do programa Sintonia da Terra e dos nossos eventos”, disse a coordenadora.
(Por Ulisses A. Nenê, EcoAgência, 01/10/2008)