(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
cavernas áreas protegidas emissões de co2
2008-10-01

Das muitas regiões auto-intituladas como coração do Brasil, poucas têm algo que realmente lhes justifique o título. Já a Serra do Ramalho, espalhada por 80 mil hectares de pura Caatinga, no sudoeste da Bahia, exibe um coração formoso, esculpido na rocha calcária que antigos mares ali deixaram. Seu peito aquecido pelo Sol, bem distante do axé e do Carnaval litorâneos, esconde uma das maiores concentrações de cavernas do país. E há muito ainda para se descobrir.

Com dicas de moradores, mapas e imagens de satélite, espeleólogos vasculham a região há mais de uma década, sempre cruzando estradinhas poeirentas e cravejadas de pedregulhos. Há poucos dias, se encerrou mais uma expedição de brasileiros e franceses àquelas cavernas. A parceria entre o grupo mineiro Bambuí e o Groupe Spéléo Bagnols Marcoule vem desde 1994 e já rendeu quatro incursões ao sudoeste baiano e outras três a Goiás. Só no Ramalho, o time colocou no papel a topografia de mais de cem quilômetros de grutas.

“É um dos maiores potenciais do país. As principais cavernas já foram esquadrinhadas, mas resta muito ainda, principalmente em cavidades menores”, conta o engenheiro civil Ezio Luiz Rubbioli, do Bambuí. Ele tem 25 anos de aventuras subterrâneas, em vários estados.

Em pleno semi-árido nordestino, municípios como Feira da Mata e Descoberto e pequenos povoados como a Agrovila 15, fruto de assentamento governista dos anos 1970, servem de base para as empreitadas que tanto estranhamento causam aos locais. Afinal, o quê essa gente toda veio fazer aqui, metendo-se debaixo da terra?

Jogando luz nos segredos ocultos na escuridão daquele pedaço de Brasil, os exploradores de cavernas prestam um serviço inestimável ao meio ambiente e a vários ramos da Ciência. Os dados topografados de 180 grutas já conhecidas vão engrossar cadastros civis e oficiais. E este é só o início de um trabalho que deve atrair outros pesquisadores, como biólogos, paleontólogos e arqueólogos. É grande a quantidade de fósseis e novas espécies de animais escondidos nos subterrâneos da Serra do Ramalho.

“Espeleólogos são fundamentais para a geração e incremento do conhecimento sobre cavernas. Por conta própria, percorrem o país atrás de novas grutas. Além disso, fazem um trabalho informal de educação ambiental, divulgando ao cidadão comum a beleza de nosso patrimônio natural e a importância de preservá-lo”, disse o arqueólogo Carlos Fortuna, chefe do Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejos de Cavernas (Cecav), ligado ao Instituto Chico Mendes (ICMBio).

Revelando contornos
Pode parecer só aventura, mas é trabalho duro. Topografar o interior de uma caverna é tarefa para poucos. Com roupas especiais para enfrentar lama, água e pedras, além de cordas, mosquetões e outros equipamentos para rapel, os espeleólogos dão forma às estranhas regionais. Os traços podem ser comparados a uma radiografia, com as formas mais surpreendentes. A Gruta das Três Cobras (imagem ao lado), por exemplo, avança a partir de duas entradas no interior do Maciço do Coração (topo da página). Corredores, clarabóias e trechos sem saída pontuam os cerca de 5.000 metros já mapeados.

Descrições mais precisas podem ser feitos com o chamado U-GPS (sigla inglesa de Underground Global Positioning System), variação do já tradicional GPS, sistema de posicionamento global por satélite. Mas o equipamento importado é raro no Brasil, assim como o Rádio Nicola. Esse último permite a comunicação entre equipes dentro e fora das grutas, usando as rochas como ponte para a comunicação. O som se propaga melhor em pedra e água do que pelo ar.

Além de ajudar no traçado das cavernas, os satélites até revelam novas cavidades. “Sobrevoando” a Serra do Ramalho com o GoogleEarth, Ezio Rubbioli avistou uma formação promissora. Uma visita ao local confirmou a suspeita: mais uma caverna a ser explorada. O nome? Gruta do Google.

Explorar o que o chão esconde, no entanto, também tem sua dose de risco. Além das possíveis quedas e fraturas, há exposição a ambientes desconhecidos, alguns com ar péssimo para se respirar. Na Serra do Ramalho, ao menos as grutas da Lagoa do Meio e do Boca têm altas concentrações de Dióxido de Carbono (CO2). Nesses casos, o fôlego dos espeleólogos é mantido com cilindros hospitalares de Oxigênio. Mas eles são pequenos e oferecem pouca autonomia às explorações.

Cada chuva costuma despejar água, folhas, galhos e toda sorte de material nas cavernas. Essa seria a fonte principal dos gases. Na Gruta da Lagoa do Meio, todavia, o suspeito é outro: a poluição de Descoberto. O riacho que adentra a cavidade cruza o município, onde não há tratamento de esgoto. “Boa parte da poluição pode vir da água poluída, mas não há estudos que comprovem isso”, ressalta Rubbioli, do Grupo Bambuí.

Universo em descoberta
Das cavernas já mapeadas na Serra do Ramalho, algumas se destacam em tamanho e beleza, como a do Boqueirão, com 15 quilômetros, Água Clara, Embrunado, do Anjo e Lapa dos Peixes. Em muitas delas, pinturas rupestres e centenas de fósseis são encontrados pelas equipes de espeleólogos (imagem ao lado), além de novas espécies de animais.

“Das fronteiras do planeta, as que mais guardam surpresas são os ambientes subterrâneos e as profundezas oceânicas. Infelizmente, pouco se estudam as cavernas do Brasil”, comentou o biólogo Rodrigo Lopes Ferreira, professor da Universidade Federal de Lavras (UFL/MG). Ele acompanha expedições a cavernas há quase duas décadas.

Segundo o espeleólogo, mais de 50 espécies foram descobertas nas profundezas da Serra do Ramalho, incluindo peixes e crustáceos. Achados para alegrar qualquer pesquisador. Conforme Ferreira, escassez de alimentos e certo isolamento tornam as cavernas ótimos ambientes para pesquisas sobre ecologia e evolução de morcegos, aranhas e parentes dessas, como opiliões, amblipígios e outros animais. Além disso, surpreende o número de espécies únicas (endêmicas) em cada gruta.

“As cavernas são o espaço de várias espécies muito especializadas à vida subterrânea. A maioria tinha parentes externos, mas acabaram isoladas nessas grutas, na maioria das vezes forçadas por extinções ligadas a variações climáticas”. Algumas se tornaram cegas, albinas e com longos apêndices sensoriais”, comentou Ferreira, da UFL/MG. Confira box.

De acordo com o professor, Minas Gerais está montando um grande programa para mapeamento de sua biodiversidade, semelhante ao disparado há cerca de uma década em São Paulo, o Biota/Fapesp. A idéia, conforme Ferreira, é promover estudos sobre como funcionam os ecossistemas cavernícolas, não sobre espécies individualizadas.

Em 2004, na região de Jaíba (MG), cientistas da USP redescobriram o peixe subterrâneo Stygichthys typhlops. Os primeiros registros da espécie foram feitos há mais de 40 anos, quando um exemplar veio à tona durante a perfuração de um poço artesiano. Na época, dois norte-americanos o descreveram como se fosse um lambari. No norte de Minas Gerais, o animal é conhecido como "piabinha cega". Sem olhos e esbranquiçado, é um dos peixes que mais sofreu modificações para viver em cavernas. O Brasil tem quase 20 espécies conhecidas de peixes troglóbios, que só vivem em ambiente subterrâneo. O Stygichthys typhlops é parente dos lambaris, piabas, traíras e dourados. Mais informações aqui.

Patrimônio nacional ameaçado
As estimativas oficiais apontam que o Brasil tem aproximadamente 100 mil cavernas. E de acordo com a legislação fixada nos anos 1990, todas elas são patrimônio da União. Logo, explorar e topografar são os primeiros passos para a proteção de qualquer gruta. “Caverna que não existe não pode ser preservada”, salienta Ezio Rubbioli, do Grupo Bambuí.

Desde 2005, o Cecav/ICMBio mantém um banco de dados sobre as grutas brasileiras. O registro tem apenas 7.200 delas, abrangendo 24 estados e 451 municípios. Além disso, muitos dados são precários: citam apenas a localidade e há confusão sobre posicionamentos. Algumas cavidades têm até 10 possíveis localizações. A alternativa é validar todas as informações, tarefa árdua frente à falta de gente e de dinheiro. Muitas cavernas paraenses foram descobertas na carona da exploração de minério de ferro em Carajás. Assim, boa parte do patrimônio espeleológico depende de dinheiro privado para vir à tona.

Outras bases de informações são mantidas pelas não-governamentais Sociedade Brasileira de Espeleologia e pela Redespéleo Brasil. Por isso, o Cecav quer centralizar os dados em uma única plataforma, incluindo os oriundos de estudos de impacto ambiental. A medida atende a resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Mas cadastrar, apenas, é pouco. É preciso proteger as cavernas mais importantes do país. Ameaças não faltam, ainda mais a uma região rica em calcário exposto, como a Serra do Ramalho. O mineral é usado para fabricação de cimento, corrigir solos para agricultura, fabricação de giz, na metalurgia e também na produção de vidro. “Nos próximos anos, quando o calcário começar a rarear em outras áreas, certamente a região estará na mira da mineração”, salientou Rodrigo Ferreira, professor da Universidade Federal de Lavras.

Antigos abrigos para humanos pré-históricos, as cavernas recebem hoje um duro troco pelo serviço que prestaram. Os perigos que as rondam incluem turismo desordenado, assoreamento, alagamento ou destruição para construção de rodovias, hidrelétricas ou mineração. Servem, ainda, como depósito de lixo, currais para gado, festas religiosas ou profanas.

O problema cresce porque a legislação impede qualquer uso para cavernas que não seja ligado ao turismo ou pesquisas. A rigidez, na visão de biólogos e governistas, levou à destruição indiscriminada de grutas em todo o país. “Em certas regiões, não há como se minerar ou investir em geração de energia sem que cavernas sejam ameaçadas”, comenta o chefe do Cecav, Carlos Fortuna.

“Destruir uma caverna pode trazer sérios impactos externos, provocados pelo desequilíbrio ecológico de espécies. Por exemplo, populações de morcegos podem migrar para cidades e podem ocorrer afundamento de solos. O mal que se faz à caverna, cedo ou tarde, volta para a gente”, alertou Ferreira, da UFL/MG.

Frente à dura realidade dos fatos, qual a alternativa? Espeleólogos e pesquisadores defendem a criação de áreas protegidas no sudoeste da Bahia. Isso defenderia ao menos parte do patrimônio subterrâneo regional, incluindo belas porções de Caatinga, desmatada para agropecuária e produção de carvão, além de fomentar um turismo hoje insignificante. A Serra do Ramalho não figura como área prioritária para conservação no último mapa oficial, de 2007.

Conforme Fortuna, do Cecav, o governo estuda a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça e do Corredor Ecológico das Onças, mas em outra região da Bahia. “Também temos a intenção de criar unidades de conservação na Bahia, especificamente voltadas para as cavernas”, disse.

Estados mais ricos em cavernas
1) Minas Gerais  2.771
2) Goiás  768
3) Bahia  642
4) Tocantins  610
5) Pará  532
6) São Paulo  515
7) Rio Grande do Norte  371
8) Mato Grosso  327
9) Paraná  271
10) Mato Grosso do Sul  184
Fonte: Cecav/ICMBio/MMA

O futuro dos espeleólogos
Há pouco mais de 20 grupos organizados de espeleólogos no Brasil, majoritariamente em Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Paraná. A maioria dos exploradores exerce alguma profissão e destina o tempo livre às cavernas. Muitos descobriram a paixão pelo subterrâneo nas universidades, conta Ezio Rubbioli, do Grupo Bambuí. Não há cursos específicos para a atividade, exercida sempre de forma coletiva e aproveitando técnicas de várias áreas do esporte e da Ciência. Uma expedição como a realizada à Serra do Ramalho, com 15 pessoas, custa cerca de R$ 50 mil. Cada viagem é montada com dinheiro do bolso e ajuda de patrocinadores pontuais. Não há qualquer apoio oficial à prática. 

“Sem os espeleólogos, muito do patrimônio nacional estaria no escuro. Quase tudo que foi feito em mapeamento na história brasileira, incluindo as grutas mais importantes do país, está na conta desses grupos”, disse Ezio Rubbioli, do Bambuí.

Enquanto isso, nos gabinetes governistas circulam propostas para regulamentar a atividade. “A regulamentação da espeleologia, além da construção de uma política ou plano nacional, é fundamental para a proteção das cavernas. Até porque a atividade vem se profissionalizando nos últimos anos, pelas demandas para estudos voltados a licenciamentos ambientais e planos de manejo”, comentou Fortuna, do Cecav.

O temor de quem pratica espeleologia é de que uma nova legislação engesse a atividade, obrigando qualquer expedição a enfrentar filas, papelada e carimbos antes de uma autorização para adentrar cavernas. “Isso pode trazer burocracia e lentidão à espeleologia. Pode-se decretar o fim da atividade”, reclamou Rubbioli.

A próxima aventura de franceses e brasileiros acontece em 2009, em Iraquara (BA), região da Chapada Diamantina.

(Por Aldem Bourscheit, OEco, 30/09/2008)


desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -