Em 5 de outubro de 1988, o deputado constituinte Ulysses Guimarães comemorava, em discurso histórico, a promulgação da Constituição Federal: "A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão. E só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa. Num país de 30 milhões 401 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto".
Assim o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, referiu-se à atual Constituição brasileira, no início do discurso proferido por ocasião da promulgação da Carta, em 5 de outubro de 1988. As questões ambientais, especialmente o princípio da precaução e o direto à informação, ganharam nova força com a Carta Magna então promulgada.
Realizada no Plenário da Câmara dos Deputados, a cerimônia foi acompanhada pelo presidente da República, José Sarney; pelo presidente do Congresso Nacional, Humberto Lucena; pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Rafael Mayer; pelos membros da Mesa da Assembléia Nacional Constituinte e pelo seu relator-geral, Bernardo Cabral.
Participaram da cerimônia ainda chefes do Legislativo de outros países, embaixadores, ministros, governadores de estado, presidentes de Assembléias Legislativas, líderes partidários, autoridades civis, militares e religiosas, como o cardeal arcebispo de Brasília, dom José Freire Falcão, e o presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Luciano Mendes de Almeida.
Democracia
- A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca - disse Ulysses, no discurso.
Em outro trecho do documento tornado célebre, Ulysses também destacou a luta dos defensores da democracia contra o regime militar que se havia vigorado no país (1964-1985).
- A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após tantos anos de luta e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina - afirmou.
No discurso, Ulysses também enfatizou o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte na análise das mais diversas matérias para a elaboração da Carta de 1988.
- O enorme esforço é dimensionado pelas 61.200 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final - disse.
Participação
Ao destacar a participação popular na Constituinte, Ulysses assinalou que diariamente cerca de "10 mil postulantes franquearam livremente as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões".
- Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio - afirmou.
Ulysses destacou ainda o papel reservado aos estados e municípios pela nova Constituição. Segundo ele, a Carta reabilitou a Federação ao alocar recursos ponderáveis às unidades regionais e locais, bem como ao arbitrar competência para lastrear-lhes a independência financeira.
- As necessidades básicas do homem estão nos estados e nos municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las. A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos estados e dos municípios - disse.
Ulysses também explicou que a nova Constituição previa a iniciativa popular na apresentação de leis, como forma de ordenar o avanço no campo das necessidades sociais e a fiscalização da administração pública.
- O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento. A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam - afirmou.
Conquistas
Antes de encerrar seu discurso, Ulysses Guimarães destacou algumas conquistas obtidas com a Constituição de 1988.
Com a vigência da nova Carta, segundo ele, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, que poderá ser exercida por meio do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos; da prerrogativa de petição aos Poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; e da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais.
Ulysses destacou ainda que a Constituição de 1988 assegura a fiscalização das contas municipais pelos contribuintes, que podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional. Ressaltou ainda que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União, estados ou municípios.
(Com informações de Paulo Sérgio Vasco, Agência Senado, 29/09/2008)