As políticas dos Estados Unidos e da União Europeia de fomento dos biocombustívies preocupam Timothy Searchinger, que antevê consequências devastadoras de uma intensificação do seu uso, pelo menos com as características que têm actualmente. Estaremos em presença de (mais) um teste à consistência das políticas ambientais?
Timothy Searchinger é investigador americano da Universidade de Princeton, ex-advogado de uma importante organização ambientalista do seu país e acérrimo crítico dos biocombustíveis actuais. Não acredita sequer que alguma vez possam vir a ser uma alternativa de vulto para os combustíveis fósseis utilizados para os transportes rodoviários e acha que poderão levar milhares de milhões de pessoas à fome, se os actuais planos da União Europeia e dos Estados Unidos se concretizarem.
As suas grandes objecções prendem-se, por um lado, com o facto de actualmente os biocombustíveis serem essencialmente obtidos através da agricultura, levando ao sacrifício da produção alimentar e a um grande aumento da fome no mundo. Por outro lado, no conjunto estão a contribuir para o aumento das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, reforçando o efeito de estufa.
Aos 48 anos, está preocupado com o futuro do planeta, em particular com o risco de desaparecimento das florestas actuais e com o aquecimento global.
A que se deve a sua preocupação com os biocombustíveis?
Searchinger - Estou preocupado com a questão básica de como alimentarmos o planeta sem destruir o planeta. E temos já agora o grande desafio de alimentar o que vão ser nove mil a dez mil milhões de pessoas no mundo sem destruir as florestas que restam, o que obviamente teria enorme impacto no ambiente em geral, e também no aquecimento global. E apercebi-me de que os biocombustíveis vão encorajar a destruição destas florestas, ao competirem com as necessidades de terra para alimentação e floresta. E quando percebi isso, achei que era preciso estudar a questão em pormenor, quantificá-la e depois assegurar que o mundo percebia a relação.
Os biocombustíveis têm sido apresentados como uma alternativa importante aos combustíveis fósseis. Sugere alguma alternativa aos biocombustíveis?
Searchinger - Em primeiro lugar, há maneiras de produzir biocombustíveis que não competem com a alimentação e a floresta. E isso é a utilização de produtos que vão para o lixo. Tudo o que é lixo doméstico ou lixo industrial, alguns tipos de desperdícios florestais e pelo menos alguma quantidade desperdícios das colheitas. E isso permite fazer uma grande quantidade de biocombustíveis, e devíamos explorar isso. No entanto, existem obviamente várias outras alternativas que precisamos de desenvolver. Pessoalmente, penso que os carros eléctricos, ou os híbridos “plug-in” parcialmente eléctricos, vão ser uma solução de transporte muito mais económica e melhor do que os biocombustíveis.
Que biocombustíveis podem ser bons e em que medida podem satisfazer as necessidades?
Searchinger - Na melhor hipótese, os biocombustíveis vão satisfazer uma pequena percentagem das nossas necessidades de combustíveis. Nos EUA, os estudos indicam que há mais biomassa disponível para fazer combustíveis a partir de lixo do que a que poderia estar disponível através da cultura de plantas para esse fim. E suspeito de que isso também seja verdade na Europa. Por isso, provavelmente, poderíamos obter a partir do lixo talvez cerca de dez por cento dos combustíveis para transporte. No entanto, isso vai depender de melhorias na tecnologia e de melhorias organizacionais. E de momento há demasiado dinheiro e demasiado incentivo canalizado para os biocombustíveis que competem com a alimentação, em vez de ir para estas alternativas [também conhecidas como biocombustíveis de segunda geração, que são os lenho-celulósicos, que podem ser obtidos a partir de qualquer biomassa].
Se continuarmos com esta linha de investimento em agrocombustíveis, quais poderão ser as implicações na alimentação humana?
Searchinger - Os melhores estudos, por exemplo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), concluíram que, em grande parte por causa da actual procura de biocombustíveis, vamos ter basicamente um aumento de cerca de 50 por cento no custo-base dos cereais e óleo vegetal durante os próximos dez anos. E provavelmente isso significa mais de 600 milhões de pessoas em todo o mundo malnutridas... significa provavelmente uma queda de vinte por cento no consumo de calorias por cerca de 800 milhões de pessoas que já estão malnutridas. E a realidade é que provavelmente isso quer dizer que muitas crianças com menos de cinco anos vão morrer. E isto devido aos biocombustíveis que o mundo já consumiu e que já se prevê que venha a consumir nos próximos anos. E se a União Europeia adoptar esta directiva [que estipula uma quota de 10 por cento de biocombustívies em 2020 no transporte rodoviário na UE], que não era tida em conta naqueles cálculos, e se os Estados Unidos implementarem uma lei aprovada no Outono passado e que vai na mesma direcção errada, então serão milhares de milhões, e não centenas de milhões, as pessoas que vão passar a estar malnutridas.
Está preocupado com o facto de a sustentabilidade do planeta poder ser um problema, mesmo num país rico como os EUA e numa classe social abastada?
Searchinger - A verdade é que, de algum modo, os ricos, os relativamente ricos (que são super-ricos relativamente ao resto do mundo), vão todos conseguir sobreviver de uma maneira decente.
Pavan Sukhdev, o autor do relatório sobre o valor a biodiversidade, disse-me que ontem eram os pescadores que estavam a manifestar-se frente à Comissão Europeia, mas que amanhã seríamos nós, as pessoas relativamente abastadas dos países desenvolvidos. Concorda?
Searchinger - Acho que os maiores impactos nas pessoas que estão relativamente bem nos países ricos virão de catástrofes de vários tipos, de uma maneira ou de outra. Um pescador vai ter problemas terríveis, os agricultores vão ter problemas terríveis nalguns sítios, mas noutros não. Algumas áreas vão ser inundadas, vamos ter furacões maiores e secas, e essas serão inconveniências significativas. Mas as pessoas que sempre suportam o pior serão as pessoas pobres dos nossos países, bem como os milhares de milhões por todo o mundo. E depois, por cima disso tudo, o que até a pessoa mais rica vai descobrir é que muitas das maravilhas naturais do mundo, que fazem parte das nossas vidas, vão simplesmente desaparecer. E a questão vai ser: que porção do mundo é que tem potencial para ser uma espécie de mundo de ficção científica quando não sobrar nenhuma verdadeira floresta. Ou quando a única floresta que tivermos for uma floresta diminuída que na verdade já não funciona como uma verdadeira floresta. E isso será um empobrecimento terrível, até para os mais ricos.
E isso é algo a que já estamos condenados ou que ainda pode ser evitado?
Searchinger - Acho que podemos resolver o problema, mas vai ser preciso um grau mais elevado de concentração e empenhamento. Um dos problemas com os biocombustíveis é que, teoricamente é uma das principais coisas que os governos estão a fazer neste momento para resolver o aquecimento global. Mas de facto estão a fazer o contrário, estão a aumentar o aquecimento global. E então isto é um teste, já agora, nos Estados Unidos e na Europa. Há pressões políticas tremendas para apoiar estas políticas. E decisores públicos de todo o tipo vão ter de decidir se estão mesmo dispostos a contradizer relatórios científicos consistentes que lhes dizem para não fazerem isso. E se tomarem a opção errada, além das consequências negativas do seu acto, isso será um teste para ver se é provável que, mais à frente, vão fazer o que é certo ou fazer o que é errado. Vai haver muitas ocasiões em que aquilo que as pessoas disserem que resolve o aquecimento global de facto faz o contrário, ou é um embuste de alguma outra maneira. Estamos já a ter um teste sobre se vamos ser capazes de ver as falsas soluções e fazer o que está mais certo.
Qual é a solução para os combustíveis fósseis?
Searchinger - Não sou um perito. Mas actualmente a maioria dos especialistas pensa que os carros eléctricos vão ser o próximo passo. A electricidade tem muitas vantagens, porque pode ser obtida a partir de um conjunto de fontes não poluentes, porque pode-se usar electricidade produzida à noite, quando é menos consumida. E além disso os motores eléctricos são muito eficientes.
Vai ser o próximo grande passo?
Searchinger - Para os carros sim. Mas as melhores oportunidades para reduzir as emissões com efeito sobre o aquecimento global não estão nos carros mas sim em muitas outras coisas.
Quem é Timothy Searchinger?
Timothy Searchinger, 48 anos, é investigador na Universidade de Georgetown, no Instituto de Políticas e Investigação Ambiental, e está temporariamente a trabalhar na também muito prestigiada Universidade de Princeton (em New Jersey), onde é investigador num programa de Ciência Tecnologia e Política Ambiental. É especialista em questões de agricultura e ambiente, apesar de a sua formação académica inicial ter sido em direito. “Depois dediquei-me às questões técnicas e de facto trabalho como uma espécie de autor multidisciplinar de economia e ecologia”, explicou ao PÚBLICO.
A viragem de percurso aconteceu porque trabalha há muitos anos num importante grupo ambientalista dos EUA, o Environmental Defense Fund (Fundo de Defesa Ambiental, uma ONG), onde foi advogado durante 17 anos, tendo-se envolvido crescentemente nas questões técnicas. Além disso, é bolseiro do German Marshall Fund dos EUA, uma organização que se dedica a promover a cooperação com a Europa, onde participa no programa de parceria transatlântica. Vive perto de Washington D.C., é casado e tem dois filhos, com sete e dez anos. “E penso no futuro deles”, disse a meio da conversa. P.M.M.
(Por Paulo Miguel Madeira, Ecosfera, 30/09/2008)