Os actuais biocombustíveis e a meta que a Comissão Europeia estabeleceu, de em 2020 representarem dez por cento do consumo, têm sido crescentemente contestados devido aos efeitos detectados sobre o mercado alimentar e também sobre o aquecimento da atmosfera.
Os números referidos por Timothy Searchinger (ver entrevista) têm entretanto sido reforçados por vários estudos entretanto divulgados. O Banco Mundial elaborou um relatório sobre biocombustíveis em que acusava esta alternativa ao petróleo de ser responsável por um aumento de 75 por cento dos preços mundiais da alimentação.
O documento foi mantido secreto, mas o jornal britânico “The Guardian” divulgou-o em Julho. O Banco ressalvava no entanto que o etanol brasileiro, muito mais eficiente que os outros biocombustíveis, estava excluído desta acusação. Na semana passada (ver PÚBLICO de 18/9), o director-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Jacques Diouf, veio dizer que tem havido aumentos alarmantes do número de pessoas que passam fome no mundo.
Os dados apresentados revelam um aumento de 75 milhões de pessoas com fome de 2006 para 2007, fazendo subir para 923 milhões a população afectada no ano passado.
A FAO atribui esta tendência aos “efeitos devastadores” do aumento dos preços da alimentação, pois o seu índice de preços dos produtos alimentares subiu 12 por cento em 2006, 24 por cento em 2007 e 50 por cento nos primeiros sete meses deste ano, mas não avançou explicações.
E há ainda que entrar em conta com os efeitos dos bicombustíveis sobre as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Um estudo publicado pela revista “Science” em Fevereiro, de que Timothy Searchinger é o principal autor, garantia que os biocombustíveis estão a fazer aumentar as emissões deste gás que ajuda a reter o calor na atmosfera (o efeito de estufa). De acordo com os cálculos apresentados, a utilização do etanol produzido nos EUA a partir de milho quase duplica as emissões, por um período de 30 anos, quando implica alteração do anterior uso do solo. Este aspecto é crítico, pois tem feito aumentar a desflorestação do planeta.
Entretanto, o Comité de Indústria do Parlamento Europeu aprovou uma resolução onde insiste que a meta da Comissão Europeia, de que em 2020 dez por cento da energia utilizada para o transporte terrestre seja de fontes renováveis, incorpore pelo menos 40 por cento de energia de outras fontes que não os biocombustíveis tradicionais. Esta parcela, que representaria quatro por cento do consumo total, inclui hidrogénio, electricidade e combustíveis de segunda geração, obtidos a partir de resíduos orgânicos ou algas.
Comissão mantém ideia de que biocombustíveis têm vantagens
A Comissão Europeia considera por seu lado que a resolução do Comité de Indústria “está em linha” com a sua proposta para o transporte rodoviário, que respeita a “energias renováveis”, afirmou ao PÚBLICO o seu porta-voz para a Energia, Ferran Tarradellas Espuny, explicando que a Comissão “não queria e não quer que haja quotas para cada tecnologia”.
O mesmo responsável realçou que a Comissão “tomou muito a sério a questão dos preços dos alimentos” e que por isso “vai disponibilizar mil milhões de euros para ajudar os países pobres”, mas que entende que “o impacto dos biocombustíveis nos preços dos alimentos é mínimo, se é que teve algum”.
Ferran Tarradellas diz aliás que o relatório que acusa os biocombustíveis de terem criado a crise alimentar e que foi noticiado como sendo do Banco Mundial é de um dos seus economistas e foi recusado pela instituição. O relatório que foi adoptado “indica como primeira causa do preço dos alimentos o aumento do preço do petróleo”, acrescentou.
A Comissão mantém no entanto que entre as “vantagens muito importantes” dos biocombustíveis estão a “redução das emissões” de gases com efeito de estufa face ao que seriam as decorrentes do uso de produtos petrolíferos. Tarradellas realça que a directiva europeia sobre biocombustíveis introduz “pela primeira vez na história” critérios de sustentabilidade para o uso de um combustível, mas pretende que “sejam critérios exequíveis”, porque “a alternativa é o petróleo”.
(Ecosfera, 30/09/2008)