Os Estados Unidos e as multinacionais do setor do petróleo são os principais empecilhos para que o pré-sal fique nas mãos do governo brasileiro. O engenheiro aposentado da Petrobras e integrante da Associação dos Engenheiros da estatal (Aepet), Fernando Siqueira, aponta que a disputa entre estrangeiros e governo brasileiro deve se dar no marco regulatório que define a forma de exploração das reservas.
Na entrevista a seguir, o engenheiro também fala sobre as formas de lobby das multinacionais e os benefícios que as reservas de Tupi e Iara podem trazer ao Rio Grande do Sul se ficarem nas mãos do governo.
O que o RS ganha com o pré-sal já que as reservas não ficam em território gaúcho?
Fernando Leite Siqueira - Em primeiro lugar, o pré-sal vai trazer uma riqueza para o país todo. A primeira riqueza palpável é uma abertura de empregos em grande escala. O RS é um pólo industrial muito importante. Caxias do Sul tem muitas empresas, então vai ter muita demanda de equipamentos. Nós tivemos no passado, e Caxias do Sul foi um dos pólos que a gente usou, a tecnologia absorvida pela Petrobras foi repassada pelo mercado nacional. Com isso, criamos cinco mil empresas fornecedoras de equipamentos na área de petróleo. E claro, muitos desses equipamentos serviam para a indústria em geral: equipamentos elétricos, eletrônicos, metal-mecânica, caldeiras. No governo do Fernando Henrique ele promoveu uma abertura comercial que deu o primeiro impacto na indústria. E o segundo e definitivo foi a criação de um decreto Repetro, que isentava as empresas estrangeiras do imposto de importação e não isentava as empresas nacionais, que ficaram sem condições de competir. As cinco mil empresas foram destruídas. Mas essa tecnologia depois de 10 anos está aí latente e é possível recuperá-la.
E como ficariam os royalties?
Siqueira - Além disso, estamos defendendo também que os royalties sejam distribuídos por todo o país democraticamente. Não tem sentido você ter meia dúzia de estados que estão em frente do pré-sal que seriam os agraciados. Por dois motivos importantíssimos nós achamos que tem que distribuir os royalties para o país todo: primeiro, é que no mundo todo em que existe a exploração em águas profundas as corporações estrangeiras conseguiram abolir os royalties sob o argumento de alto risco e alto investimento. Se elas continuarem participando de leilões e ganhando concessões, certamente vão abolir os royalties porque são águas ultra-profundas. Então a maneira de salva os royalties para que eles continuem sendo pagos é que eles sejam distribuídos pelo país todo, então todos os políticos de todos os estados defenderão esses royalties. Se você tiver royaltie em apenas meia dúzia de estados, os outros vinte estados estão se lixando se acabam ou não. A grandeza da riqueza do pré-sal dá folgadamente bem para todo mundo. Além da geração de emprego, vai ter dinheiro para saúde, escola, educação, meio ambiente, infra-estrutura e vai sobrar ainda muito dinheiro.
A criação de uma nova estatal somente para gerir o pré-sal é uma boa solução?
Siqueira - Dependendo da filosofia com que ela for criada, a gente pode até aceitar. Por exemplo: a primeira idéia era criar uma estatal para enganar a população e manter o mesmo marco regulatório. Fomos contra. Agora há uma nova idéia de que essa estatal vai coordenar o processo e garantir a propriedade do petróleo para a União. Mudando inclusive o contrato que hoje é por concessão, dando a propriedade para quem produz. Então se essa nova estatal propiciar a mudança do tipo de contrato, de concessão para partilha, onde a União é proprietária do petróleo e paga uma parte para quem produzir, se essa estatal propiciar a alteração do artigo 26, que dá a propriedade também a quem produzir. E se essa estatal também prestigiar a Petrobras, que para a União e o povo brasileiro seria a empresa que mais indica e de maior retorno para a população, já que o governo tem 40% das ações e boa parte das ações privadas são de acionistas brasileiros, então eu acho que uma estatal criada com essa filosofia é aceitável. O perigo que existe é que ela seja entregue a alguns picaretas que fazem parte da base aliada do governo, como Severino Cavalcante e outros atores de triste memória.
Quais são os principais empecilhos para que as reservas fiquem nas mãos do governo?
Siqueira - O primeiro e o mais poderoso são os Estados Unidos, que consomem 10 bi de barris por ano, 8 bi internamente e os outros 2 bi nas bases militares e nas corporações espalhadas pelo mundo. E têm apenas 29 bi de barris de reserva. Então eles estão em uma situação desesperadora, importando hoje 70% do que consomem. O petróleo hoje tem um viés de alta. A menos que haja uma recessão brutal no mundo o petróleo vai subir de preço irreversivelmente porque a demanda está igual à oferta, só que a demanda está crescendo muito mais do que o esperado e a oferta está chegando ao pico e vai cair fortemente. A tendência é de que os preços subam irreversivelmente. Por exemplo, se o petróleo chegar a US$ 200 como é previsto já em 2015, eles estariam gastando US$ 1,4 tri por ano e não teriam como suportar isso. Então eles são os principais cobiçadores do nosso petróleo e do nosso pré-sal e, por isso ao meu ver, eles reativaram a quarta frota que estava fechada desde 1950. Então essa quarta frota vai ser, no melhor das hipóteses, uma forma de pressão psicológica para o Brasil entregar o pré-sal para eles. O segundo perigo são as chamadas “seis irmãs” estrangeiras que estão condenadas a desaparecer porque têm apenas 3% das reservas mundiais. Não têm reserva, vão se esfacelar economicamente.
De que forma se dá a pressão das multinacionais no setor de petróleo brasileiro?
Siqueira - Por exemplo, o Instituto Brasileiro do Petróleo [IBP] foi criado para defender o petróleo nacional. Hoje, quem preside, é João Carlos de Lucca, presidente da Repsol, uma empresa espanhola comprada pelo banco Santander e que é braço do Scotland National Bank Corporation. E as “seis irmãs” fazem parte do IBP. Então, eles fazem pressão no Congresso Nacional, fazem pressão através da grande imprensa, já que são os maiores anunciantes, as televisões e os jornalões do Brasil, todos eles fazem uma desinformação brutal na opinião pública. Agem também no Supremo Tribunal Federal, haja vista que tentamos derrubar o artigo 26 e estavam lá os representantes pressionando os ministros e conseguiram mudar os votos de sete ministros. Enfim, eles fazem pressão em todos os segmentos da sociedade: no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, na mídia em geral e nos seminários. Eles têm muito dinheiro, organizam seminários e eventos pelo Brasil todo e convocam os lobistas. Dominam professores de universidades. Uma das táticas é criar projetos de pesquisas em que o professor ganha de duas a três vezes o seu salário normal como ajuda de custo e tem a função de propagar as idéias para os alunos. Isso aí é do Oiapoque ao Chuí. Todos os formadores de opinião, que eles acham estratégico, eles fazem esse tipo de pressão.
Na sua avaliação, a briga pela nacionalização do pré-sal vai se dar em que tema?
Siqueira - A principal briga é no marco regulatório. Os lobistas não querem mudar, querem continuar levando 55% e deixando 45% aqui. O marco regulatório, para eles, é ótimo. Então a briga principal é essa. A segunda briga vai ser em relação aos leilões. Eles vão querer que os leilões continuem e a gente vai querer quer parar e entregar para a Petrobras, se possível nacionalizada. Mas se entregar para a Petrobras com a elevação da participação do governo para 84%, que é a média mundial, a Petrobras fica com 16%, dando um total de 90,4%, é um valor bastante razoável, porque ela inclusive tem mais 20% de ações no mercado nacional com pessoas físicas, bancos e fundo de garantia, então seria uma renda ainda transferida para dentro do país. E o acionista norte-americano ficaria com apenas 5% é um valor razoável.
(Por Raquel Casiraghi, Agência Chasque, 29/09/2008)