O Plano Nacional de Mudança Climática proposto pelo governo brasileiro recebeu duras críticas de ambientalistas inclusive antes do início de seu debate público a partir de hoje, sobretudo por sua falta de definição em metas, prazos e recursos. Divulgado na quinta-feira (25/09) pelos ministros de Meio Ambiente, Carlos Minc e da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, o plano reflete as ambigüidades e contradições internas do governo, já que foi elaborado por um comitê interministerial com a participação de 16 ministérios. No plano “falta densidade e uma meta nacional” de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, disse Rubens Born, coordenador do não-governamental Instituto Vitae Civilis, dedicado a questões climáticas.
O Brasil, como outros países em desenvolvimento, não está obrigado pelos acordos internacionais a cumprir uma redução determinada de gases que aquecem a atmosfera, mas, pode fazer isso voluntariamente e estabelecer condições para setores mais contaminantes, com a siderurgia e o agronegócio, disse Born à IPS. “As 150 páginas do plano mostram a irresponsabilidade do governo em relação ao assunto” da mudança climática, acusou o Instituto Sócioambiental. Trata-se, segundo nota dessa importante ONG nacional, de um “amontoado de menções a programas já em andamento”, sem orientações claras. Além disso, a iniciativa busca desviar a atenção do desmatamento, que gera 75% das emissões de carbono no Brasil, ao destacar o combate a outros gases, os CFC, que destroem a camada de ozônio, e questões energéticas, acrescentou.
O ministro Minc, entretanto, apresentou o plano como “ousado, com metas voluntárias e setoriais que, somadas, representam a redução de centenas de milhões de toneladas de gás carbônico por ano”. O objetivo em relação à principal fonte de emissões é “eliminar a perda da área de cobertura florestal no Brasil até 2015”. Isso resultará em um desmatamento decrescente, enquanto se amplia a plantação de árvores, com soma zero dentro de sete anos e maior reflorestamento a partir de então, explicou o ministro.
“As duas vias devem ser independentes”, atacou Born, argumentando a necessidade de conter o desmatamento como um objetivo específico, porque “um hectare de eucalipto não compensa um hectare perdido de floresta nativa”. O reflorestamento está a cargo de empresas que “necessitam de insumos vegetais”, como fábricas de papel ou as siderúrgicas que consomem carvão vegetal”, acrescentou. Plantar árvores exóticas, como o eucalipto, pode compensar o desmatamento em termos de efeito estufa ao capturar gás carbônico, mas não repõe as funções ambientais da floresta nativa, disse Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Inclusive, mesmo um reflorestamento com espécies nativas não seria uma compensação equivalente, porque se trocaria “uma floresta madura” por mudas que levariam centenas de anos para alcançar o nível das árvores perdidas “e nunca será o mesmo”, explicou Veríssimo. O reflorestamento com espécies não nativas, por seu rápido crescimento, oferece vantagens na captura de carbono, compensando emissões geradas pela vegetação queimada ou extraída, mas há muitas outras questões envolvidas, como a biodiversidade que se perde, bem com a umidade, acrescentou. Além disso, o Brasil não tem experiência em reflorestamento com espécies nativas em grande escala e tampouco teria condições para reflorestar, inclusive com espécies não nativas, áreas tão extensas como as que são desmatadas a cada ano, disse o especialista florestal.
O reflorestamento total do País, até hoje, é de 55 mil quilômetros quadrados, mas em um processo acumulativo de décadas, enquanto uma extensão similar foi desmatada em apenas quatro anos, comparou Veríssimo. Para eliminar as perdas será necessário reduzir o desmatamento a dois mil ou três mil quilômetros anuais, um quinto do que a Amazônia vem experimentando, acrescentou.
A divulgação do plano, inicialmente prevista para a terça-feira passada, foi adiada e em seguida feita de forma apressada na quinta-feira, mostra o interesse do governo brasileiro em tê-lo pronto antes da próxima conferência mundial sobre mudança climática que acontecerá em dezembro na cidade polonesa de Poznan. A consulta pública sobre começa hoje e vai durar 30 dias. O presidente do Fórum Brasileiro de Mudança Climática, o físico Luiz Pinguelli Rosa, admitiu que se trata de um rascunho que necessita de revisão e melhor redação final. O Fórum é uma instância oficial de discussão, mas que tem uma ampla participação de representantes da sociedade e de cientistas.
De todo modo, “é positivo” ter um plano, ainda que em rascunho, apesar do atraso de 14 anos desde que o Brasil ratificou a Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, disse Born. Também há outras boas promessas, como a capacitação de gestores municipais, contemplando sua participação nas ações de mitigação e adaptação à mudança climática. O temor de Born é que, como ocorreu na elaboração do plano, a consulta pública não represente uma participação efetiva que permita modificações, mas uma coleta formal de opiniões que não impedirá o governo de impor suas posições, mas um olhar de longo prazo.
(Por Mario Osava, Envolverde, IPS, 30/09/2008)