Dificuldades de aconchego levam pesquisadores a instalar ninhos artificiais pela primeira vez no DFOs papagaios-verdadeiros estão ganhando uma ajuda da ciência para se reproduzirem. Pesquisadores da Universidade Católica de Brasília (UCB) instalaram ninhos artificiais em três áreas de conservação brasilienses para que os filhotes da espécie possam se desenvolver sem riscos. Na prática, os ninhos são caixas de madeira que abrigam os pequenos pássaros até que eles ganhem autonomia de vôo, ou seja, funcionam como uma espécie de maternidade para a vida silvestre. Pela primeira vez, o recurso é testado no Distrito Federal.
No cerrado, os papagaios-verdadeiros costumam aproveitar como ninhos as cavidades em troncos de árvores ou palmeiras ocas. Mas a expansão das cidades e o conseqüente desmatamento estão tornando locais com essas características cada vez mais raros (veja infografia). Os casais de pássaros em período de reprodução estão tendo dificuldades para encontrar moradia. “A renovação de indivíduos da espécie está sendo afetada pela dificuldade de encontrar ninhos”, afirma Renato Caparroz, professor de biologia da conservação da UCB e pesquisador do Instituto Pau-Brasil de História Natural.
A reprodução dos papagaios-verdadeiros está sendo monitorada pelo grupo da Católica desde 2004. Além de constatar esses problemas, os especialistas perceberam que muitos filhotes acabam sendo roubados para abastecer o comércio ilegal de animais. “Papagaios são muito procurados pela habilidade de imitar sons”, observa Caparroz.
O fogo e o vento também são inimigos dos animais, pois destroem os ninhos feitos em troncos podres de buritis. Outro grande risco para os filhotes são os gaviões, saruês, tucanos e cobras. “Observamos que a sobrevivência dos filhotes sofre várias ameaças, por isso desconfiamos que a população está diminuindo”, afirma Walace Santos, aluno de ciências biológicas e assistente da pesquisa.
Apesar de a espécie não fazer parte da lista de animais ameaçados do Instituto Brasileiro de Meio-Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), existe a preocupação de que o número de indivíduos esteja diminuindo na Região Centro-Oeste, uma das áreas mais afetadas pela expansão agrícola.
Proteção e vôo
O tempo entre a fêmea colocar os ovos e os filhotes ganharem autonomia de vôo é de até três meses. Nos primeiros 25 dias, a fêmea fica praticamente todo o dia dentro do ninho, sobre os ovos. A presença dela é importante para garantir o aquecimento necessário para a evolução dos embriões. Nesse período, o macho se encarrega de buscar alimentação para a família. Depois que os ovos se abrem, a fêmea começa a sair mais do ninho e a alimentação passa a ser responsabilidade dela.
As caixas-ninho começaram a ser usadas em Brasília no ano passado. Os pesquisadores instalaram oito delas em árvores do Jardim Botânico, na Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e na Estação Ecológica de Águas Emendadas. O índice de ocupação em 2007 foi de 40% das unidades — três caixas. O mesmo percentual se repetiu este ano.
Com 70cm de altura por 25cm de largura, as caixas-ninho foram desenhadas para oferecer espaço semelhante ao que os pássaros usam nos troncos de buritis. No ano passado, cinco filhotes conseguiram atingir a maturidade protegidos dentro de caixas-ninho. Este ano, o resultado será conhecido apenas em novembro, quando se encerra o período entre a colocação dos ovos e o primeiro vôo dos filhotes de papagaios-verdadeiros.
Os pesquisadores visitaram as caixas-ninho do Jardim Botânico e da Reserva Ecológica do IBGE na última terça-feira. Em uma delas, havia um filhote de papagaio-verdadeiro com cerca de 35 dias de nascido — a penugem colorida já estava praticamente formada. Em outra caixa-ninho, foram encontrados quatro ovos, mas os biólogos desconfiam que eles sejam de tucano porque são mais alongados do que os de papagaio. Se a suspeita se confirmar, isso comprovaria as “dificuldades de moradia” na hora da reprodução, pois estaria havendo concorrência pelas caixas-ninho, diz Renato Caparroz.
A herança das linhagens
Apesar de muito populares no Brasil, os papagaios-verdadeiros são pouco conhecidos pela ciência. Além de trabalhar com o uso das caixas-ninho, os pesquisadores da Católica também procuram descobrir mais sobre os hábitos reprodutivos dos animais. Para tanto, os filhotes estão sendo identificados e submetidos a exames que incluem o teste de DNA.
O pesquisador Renato Caparroz explica que pretende verificar a crença popular de que os papagaios são monogâmicos fazendo testes de paternidade. Para isso, ele recolheu amostras de sangue dos filhotes encontrados. “Vamos acompanhar diferentes ninhadas para ver se o código genético do pai e da mãe está se repetindo ao longo do tempo”, explica.
A identificação e o teste sangüíneo também servirão para saber se o casal costuma repetir o local de instalação do ninho de um ano para o outro. “Quanto mais informações sobre a espécie, mais eficientes serão as estratégias de conservação”, completa Renato Caparroz.
(Por Erica Montenegro,
Correio Braziliense, 28/09/2008)