Agrotóxico proibido em outros países é vendido no Brasil
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2008-09-26
Agrotóxico proibido em outros países é vendido no Brasil
O estado do Rio Grande do Sul, que acolheu a luta dos ecologistas contra os agrotóxicos nos anos 70, convive hoje com os mesmos problemas enfrentados naqueles tempos. Produtos proibidos ou suspeitos de provocar danos à saúde dos homens e do meio ambiente seguem sendo comercializados livremente no Brasil. É o caso de agrotóxicos à base de clotianidina, cuja utilização foi suspensa recentemente na Alemanha, devido à morte massiva de abelhas, e do imidacloprid, proibido na França pelo mesmo motivo.
O imidacloprid e o clotianidina são princípios ativos de inseticidas como o Gaucho e o Poncho, fabricados pela Bayer. São usados no Brasil em culturas da soja, fumo, algodão, arroz, feijão, milho, trigo, abacaxi, entre outras, para o combate a pragas. Ambos são do grupo dos inseticidas neonicotinóides, que atuam no sistema nervoso dos insetos. A diferença entre eles está apenas na estrutura de suas moléculas.
A assessoria de imprensa da Bayer informou que o uso do clotianidina foi suspenso temporariamente, “e somente para tratamento de semente de milho e colza”. Segundo o comunicado da Bayer CropScience de 16 de maio de 2008, “investigações indicam que a poeira de sementes de milho tratadas havia contaminado plantios adjacentes visitados por abelhas para a coleta de pólen e néctar”. A empresa diz que “a nuvem de poeira parece ter sido agravada ainda mais pelo uso de certos tipos de máquinas pneumáticas de plantio de milho e também por várias semanas seguidas de seca e de fortes ventos durante o plantio”. Segundo a Bayer CropScience, em Baden-Württemberg, na Alemanha, “como resultado de severo estresse decorrente do varroa – um ácaro suspeito de transmitir viroses – muitas colônias de abelhas da região chegaram ao final do inverno enfraquecidas”, o que pode ter determinado também a morte em massa.
O porta-voz e assessor de imprensa e cultura da Embaixada da República Federal da Alemanha em Brasília, Jens Wagner, confirmou que o Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit, órgão federal que zela pela proteção dos consumidores e pela segurança dos alimentos, decidiu “congelar” a emissão de novas licenças para produtos que contêm clotianidina. A decisão atinge oito diferentes inseticidas, inclusive o Gaucho: “Não é uma proibição, só uma suspensão da emissão de licenças de venda – os fazendeiros podem usar os estoques que ainda possuem, mas o produto não pode ser mais vendido”.
Se existe suspeita em algum outro país de que um produto possa fazer mal ao meio ambiente e ao ser humano, pelo princípio da precaução, o mesmo produto devia ter seu uso restrito no Brasil, alerta a professora-adjunta de Neurotoxicologia e Saúde Ambiental, Heloisa Pacheco-Ferreira, diretora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Inesc/UFRJ). Segundo Heloisa, estudos comprovam que o imidacloprid é altamente tóxico para os insetos e á guas fluviais subterrâneas. Para os humanos, é moderadamente tóxico – provoca fadiga, cólicas, irritação ocular e na pele, e fraqueza muscular. “Se provocou a morte de abelhas, é possível que quem o aplicou também tenha enfrentado problemas de saúde”, conclui. “Os insetos agem como efeito sentinela”.
Segundo informações da assessoria de imprensa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no entanto, os estudos sobre o imidacloprid não mostram danos à saúde humana: “O imidacloprid, por exemplo, não é cancerígeno e nem inibidor de colinesterasi (substância que, quando deficiente no organismo, causa tontura, dor-de-cabeça, enjôo, salivação, problemas nos olhos)”. Portanto, informa a assessoria, as dúvidas devem ser dirigidas a outros órgãos do governo: ao Ibama, que analisa o impacto ambiental, e ao Ministério da Agricultura, que concedeu o registro.
Joelma Lambertucci de Brito, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), lembra que o tema foi discutido durante o 17º Congresso Brasileiro de Apicultura realizado em junho, em Belo Horizonte. “O que se tem feito é um levantamento, antes de colocar as colméias, para saber se os agricultores estão usando algum pesticida na região. Mas muitas vezes o acordo com o apicultor não é respeitado e o nível de vôo das abelhas é grande”, explica Joelma. Alguns apicultores começam a coletar abelhas mortas para analisar a causa. “Não se pode divulgar sem ter resultados conclusivos, porque vai envolver grandes empresas e o pessoal da cana-de-açúcar – ainda mais agora, com o biocombustível”, avalia Joelma.
Os perigos do uso de inseticidas para as abelhas serão também discutidos no simpósio organizado pela Federação Internacional de Associações de Apicultura (Apimondia), de 7 a 10 de outubro deste ano em Bucareste, Romênia, e no congresso da Apimondia, em setembro do ano que vem, na França. “Durante muitos anos, as mortes de abelhas causadas por organofosfatos tiveram destaque em muitos países e ainda causam mortalidade nos lugares onde têm seu uso permitido”, explica Asger Søgaard Jørgensen, presidente da Apimondia.
Análise de abelhas mortas exige cuidados especiais na coleta
Durante o congresso de Apicultura realizado em junho, em Belo Horizonte, o Ministério da Agricultura foi alertado sobre a morte de abelhas provavelmente causada por estes inseticidas. “Estamos aguardando uma resposta do Ministério – deverá ser feito um levantamento de dados sobre a periculosidade do imidacloprid”, informa Osmar Malaspina, coordenador do Centro de Estudos de Insetos Sociais da Unesp, em Rio Claro, São Paulo.
O professor confirma que foi registrada uma grande mortandade de abelhas em São Paulo, mas não se conseguiu dados comprovando que a causa foi algum agrotóxico. Os relatos vêm se intensificando nos últimos cinco anos. No início de julho, Malaspina recebeu duas novas denúncias de mortes – uma delas continha amostras de 200 colméias da cidade de Brotas, próxima à capital paulista.
A dificuldade maior de comprovar a causa da morte é o fato de os apicultores não saberem como encaminhar as amostras para os laboratórios. É preciso um mínimo de 100 gramas de abelhas mortas, que devem ser coletadas com rapidez e conservadas em um freezer. Malaspina sugere que seja feita uma documentação fotográfica da colméia e das abelhas; que os apicultores consigam testemunhas e preencham um boletim de ocorrência caso queiram entrar na Justiça contra o fazendeiro que aplicou o inseticida ou a empresa que o fabricou.
No Rio Grande do Sul, foram registradas mortes de abelhas em Cachoeira do Sul, São Gabriel, São Borja, Nonoai, Erechim, Santa Rosa e Guarani das Missões, informa o engenheiro agrônomo Aroni Sattler, professor de Apicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Uma parte morreu pelo uso de agrotóxico nas lavouras vizinhas à colméia, outra pelo mau manejo do inseticida.
“A maior parte dos produtos aplicados em lavouras de soja, milho ou laranja é altamente tóxico para as abelhas”, afirma Malaspina. “O problema não é só o princípio ativo – todos matam as abelhas –, mas a forma de manejo e aplicação: às vezes, o inseticida é liberado apenas para uso direto na planta, e aplicado com avião, ou o agricultor usa o produto em doses quatro ou cinco vezes maiores do que as indicadas, porque acha que, assim, atua mais rápido”. Outros problemas podem estar associados: se a contaminação é no campo, por pulverização de avião, geralmente a abelha morre na hora. Mas se a contaminação é pequena, e a abelha não morre imediatamente, o mel que ela produz pode também ter sido afetado. “Não se tem análises, são suposições”, pondera Malaspina.
O único caso de morte de abelhas causado por agrotóxico no Rio Grande do Sul que teve a causa devidamente comprovada aconteceu há dois anos, em Cachoeira do Sul. Isto porque houve uma imediata investigação da Patrulha Ambiental, que confirmou com um empregado da lavoura a aplicação de um inseticida – e mesmo assim, não se chegou ao princípio ativo. A razão é o custo da análise: R$ 250,00 por princípio ativo, e cabe ao apicultor indicar de qual substância suspeita. “Como a maioria são pequenos produtores, eles preferem não arriscar o dinheiro, porque mesmo que determinem o princípio ativo, terão ainda de provar qual produto foi aplicado”, lembra Sattler.
(Por Clarinha Glock, Jornal Extra-Classe, Agosto/2008)
http://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/ago08/especial.asp