A Central Única dos Trabalhadores deve entregar documento com propostas para o presidente Lula ainda esta semana. Problemas no setor sucroalcooleiro e inclusão de produtores familiares estão entre as preocupações da central
Por Verena Glass, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) deve entregar ainda esta semana um documento à Presidência da República sobre projetos na área de energia - que tocam em temas como etanol, biodiesel e petróleo da camada pré-sal. A central foi uma das organizações da sociedade civil que participou, ainda em 2004, das discussões sobre a estruturação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).
O documento incluirá reflexões do seminário "Energia, Desenvolvimento e Soberania: Estratégias da CUT", realizado em São Paulo na semana passada. Em linhas gerais, o evento abordou as expectativas pouco promissoras da expansão da agroenergia no Brasil (em especial do etanol) do ponto de vista socioambiental, da inclusão da agricultura familiar e da melhoria de condições de vida dos trabalhadores rurais.
O setor sucroalcooleiro, palco de casos de trabalho escravo e de mortes por exaustão, deve ser um dos alvos principais das pressões do movimento sindical. Na avaliação do pesquisador Francisco Alves, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), o bom momento vivido pelas usinas é propício para exigir a adoção de medidas legais de repressão aos abusos contra trabalhadores e aos crimes ambientais, já que justificativas econômicas para o não cumprimento da legislação estariam descartadas.
A inclusão do etanol na matriz energética nacional, para que se apliquem às usinas as regras de obrigatoriedade de garantia de preço e abastecimento também é central para o pesquisador de São Carlos (SP). Segundo ele, o setor resiste à proposta para manter o controle sobre a produção e o mercado.
Os problemas com relação à regulação das relações trabalhistas e fiscais no cultivo da cana também fazem parte das preocupações dos sindicalistas. De acordo com o professor Francisco, em duas décadas, a produção exigida dos cortadores de cana passou de seis para 12 toneladas em São Paulo.
Neste mesmo período, salienta o pesquisador, houve um aumento de mais de 800% de trabalhadores que passaram a receber benefícios da Previdência Social por questão de invalidez. Para completar, ele alega que o setor sucroalcooleiro também é um dos mais endividados com a Receita Federal.
De acordo com Elio Neves, presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), casos como o de uma usina em São Paulo, que deve R$ 400 milhões ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), teriam que ser reavaliados. Caso ficasse constatado o não-cumprimento da função social da terra utilizada pelo empreendimento, as terras deveriam, na opinião dele, ser destinadas à reforma agrária.
O impacto sobre o emprego também é outro problema que sempre retorna quando o tema é a tendência de mecanização do cultivo da cana-de-açúcar. Uma das alternativas colocadas pelos participantes do seminário estaria na consolidação de assentamentos para que ex-cortadores pudessem produzir alimentos. Segundo relatos, a expansão vertiginosa da cana em São Paulo, por exemplo, pode colocar em risco a soberania alimentar no estado.
Produção local para consumo local
Há pouquíssimo tempo no cargo de diretor de produção da Petrobras Biocombustíveis, Miguel Rossetto avalia que o etanol é um fator importante para a autonomia energética do país, mas concorda que os aspectos sociais e ambientais na cadeia produtiva do álcool combustível são problemáticos e precisam ser regularizados.
As políticas da nova empresa responsável pelos agrocombustíveis, explica o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, ainda estão em fase de definição, mas defende uma descentralização regional da produção, aliada à distribuição de terra e renda. Para ele, o modelo de grandes pólos com amplas áreas, enorme infra-estrutura de armazenamento e pesados equipamentos de transporte seria socioambientalmente insustentável. O ideal, segundo Miguel Rossetto, seria a produção local de energia para consumo local, "um distrito produzindo o combustível para seus próprios ônibus".
Ele admite que as bases do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), criado durante sua gestão à frente do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), têm que ser reestruturadas para aumentar a inclusão da agricultura familiar. Essa foi uma das conclusões do relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis - Palmáceas, Algodão, Milho e Pinhão-Manso - 2008" (em pdf), divulgado no início desta semana pela Repórter Brasil.
O novo diretor da Petrobras Biocombustíveis ressalta ainda a importância de montar um arranjo produtivo que possa unificar a produção de energia com a de alimentos, o que implicaria em mudanças do modelo produtivo atual.
Segundo dados do governo federal, 36,7 mil famílias participam da cadeia produtiva do biodiesel. Estipulada quando do lançamento do programa em 2004, a meta inicial era de 200 mil famílias participantes. Para o ex-ministro, é preciso que as pesquisas sobre culturas menores, como girassol, dendê, pinhão-manso e outras, avancem. Atualmente, a soja mantém a hegemonia absoluta na produção de biodiesel.
(Repórter Brasil, 24/09/2008)