Se aprovado, projeto beneficiará quase 284 mil atuais ocupantes de terras de até 4 km2
Pesquisador do Imazon diz que, ao doar terras, União abriria mão de patrimônio de R$ 2,1 bi, mesmo sem considerar valor de mercado
O governo estuda a doação de terras da União de até 4 km2 hoje ocupadas por posseiros na Amazônia Legal. O "rito sumário" de regularização fundiária, caso aprovado, beneficiará quase 284 mil posseiros e alcançará uma área equivalente a 4% de toda a Amazônia, ou pouco mais de duas vezes o Estado de Pernambuco, segundo cálculo do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
A proposta foi apresentada ao presidente Lula duas semanas atrás, com o apoio de ministros e governadores. Lula deu prazo até novembro para definir mudanças nas regras de titulação de terras.
A regularização fundiária é a prioridade do PAS (Plano Amazônia Sustentável). Embora a grilagem de terras na região seja um problema com dimensões muito maiores, o alvo da regularização fundiária é, por ora, um território de quase três vezes o Estado de São Paulo ou 13% da Amazônia Legal, constituído por terras da União ainda não destinadas a unidades de conservação ou a terras indígenas, por exemplo.
De acordo com a proposta em análise na Casa Civil, as novas regras permitiriam regularizar em dois anos, já a partir de 2009, todas as posses de até quatro módulos fiscais (entre dois e quatro quilômetros quadrados, dependendo da cidade) localizadas em 436 municípios de nove Estados da Amazônia Legal. Pará, Amazonas e Rondônia são os Estados com o maior número de posseiros ocupando terras da União.
"Muitas dessas pessoas foram parar na Amazônia na época do "Brasil ame-o ou deixe-o". A maioria não tem nenhuma documentação", disse Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), numa referência à estratégia de ocupação da Amazônia dos governos militares. "Os projetos nunca deram certo, as pessoas foram jogadas lá, sob uma enorme instabilidade jurídica", completou.
O documento intitulado "Terra Legal: regularização fundiária acelerada na Amazônia Legal", a que a Folha teve acesso, aponta o atual conjunto de regras que tratam da titulação de terras -nove leis e dois decretos- como um entrave ao processo. "Mantidas as normativas atuais, seriam necessários 40 anos de trabalho [para a regularização]", diz o texto.
Atualmente, a legislação exige a vistoria dos imóveis a serem regularizados e a localização geográfica com precisão de 50 centímetros, além de processo administrativo para a verificar os requisitos da legitimação da posse. Também é cobrado o valor histórico de posses (da época da ocupação) até 100 hectares e o valor de mercado para posses entre 101 hectares e quatro módulos fiscais. Lula sancionou lei que dispensa licitação para venda de posses de até 15 módulos fiscais.
A doação de terras de até quatro módulos ou a cobrança só de valor histórico entre 101 hectares e quatro módulos exige mudança das leis. Não está definido se as mudanças serão feitas por medida provisória.
Coordenador do estudo "Quem é dono da Amazônia", o pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) Paulo Barreto calcula que, ao doar as terras, o governo abriria mão de um patrimônio de R$ 2,1 bilhões, mesmo sem considerar os preços de mercado.
O rito acelerado de regularização em análise no Planalto prevê a convocação dos posseiros por edital. Eles devem preencher um cadastro (informando o tempo de ocupação, a atividade econômica desenvolvida, o tamanho e a localização do imóvel) e tirar uma foto.
O tempo previsto para a emissão de título de propriedade do imóvel é de apenas 60 dias após o preenchimento do cadastro. A vistoria é abolida. E empresas contratadas farão o georeferenciamento dos imóveis num prazo de 30 dias. Esse também é o prazo previsto para a análise dos processos das pequenas propriedades.
Nas posses entre 4 e 15 módulos rurais, o prazo para a emissão de títulos é de 90 dias. Nesse caso, haverá vistoria do imóvel, e o título de propriedade será emitido mediante pagamento do valor de mercado.
Posses com mais de 15 módulos rurais só poderão ser vendidas por meio de licitação e até o limite de 25 módulos rurais. Acima desse limite, os imóveis serão retomados pela União, conforme já prevê a lei.
(Por MARTA SALOMON, Folha de São Paulo, 25/09/2008)