Empregados trabalhavam no corte da cana-de-açúcar e em parque industrial. Estavam sem equipamentos de proteção individual (EPIs). Não havia banheiros, nem água potável. Eles eram transportados junto com ferramentas"Um descumprimento generalizado da Norma Regulamentadora 31 [regras de saúde e segurança do trabalho para o meio rural] e irregularidades que configuram violações graves aos direitos humanos". Jacqueline Carrijo, auditora e coordenadora da ação, define desse modo a situação encontrada pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na Usina Agrovale - Companhia Agroindustrial Vale do Curu, localizada no município de Paracuru (CE), a 80 quilômetros de Fortaleza.
Iniciada no dia 11 de setembro e finalizada no dia 19, a ação resgatou 141 trabalhadores, entre eles cinco adolescentes com menos de 18 anos, que atuavam no corte da cana e no parque industrial da Agrovale. Nenhum cortador tinha carteira assinada.
Eles não tinham equipamentos de proteção individual (EPIs), não usavam uniforme e muitos estavam descalços quando a fiscalização chegou. As ferramentas utilizadas no canavial eram compradas pelos próprios trabalhadores. De acordo com a lei, o empregador tem obrigação de fornecer as ferramentas de trabalho, assim como os EPIs.
A empresa não fornecia alimentação nem água potável aos empregados; as frentes de trabalho não tinham banheiros. Não havia também abrigos para as refeições, que eram feitas no chão. "Os lavradores nos relataram que acordavam por volta das 4h30 e preparavam um pão com margarina ou feijão com farinha, que eram armazenados em potes usados de margarina, para comer na hora do intervalo, que tinha 20 minutos de duração", relata Jacqueline. Os trabalhadores também tinham que trazer a água de casa e para isso a colocavam em garrafas PET e enrolavam em estopas molhadas para tentar manter a bebida mais fresca.
A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Ceará (SRTE/CE) realizou uma fiscalização na usina em agosto do ano passado e verificou as mesmas irregularidades. "Em uma ação local, motivada por denúncias de trabalhadores, foram verificadas irregularidades graves que não foram regularizadas, por isso encaminhamos um pedido ao grupo móvel para comparecer ao local", explicou Giuseppe Peixoto Bezerra Lima, da SRTE/CE.
Giuseppe esclareceu ainda que o grupo do governo federal é acionado principalmente porque após a operação, os fiscais vão embora da cidade. "Essa é uma forma de prevenir qualquer represália", disse.
Na fiscalização do ano passado, uma caldeira foi interditada em razão da ausência de laudo técnico de inspeção de segurança. Durante a atual operação, verificou-se que a caldeira estava em plena atividade.
Risco de explosãoApenas três dos 86 operários do parque industral tinham registro em carteira. A estrutura do local estava enferrujada e havia risco de explosão por causa do uso de instrumentos de solda sem válvulas corta-chamas. O local não dispunha de rota alternativa de fuga em hipótese de vazamento. Os trabalhadores corriam risco de perda auditiva, de queda e de problemas posturais porque as escadas não possibilitavam o correto posicionamento corporal.
O transporte dos empregados era feito na boléia de um caminhão, junto com as ferramentas. A legislação exige que o transporte seja feito por ônibus, com um local separado para as ferramentas. Muitos dos trabalhadores moravam em vilas próximas à usina, por isso iam à pé ou de bicicleta.
Os fiscais encontraram um caderno com as anotações da produção dos cortadores. Contudo, ainda não conseguiram entender como era feito o cálculo, nem se eles recebiam o que estava descrito. "Não havia transparência nos valores e os empregados não tinham como contestar", relata a auditora.
Os funcionários recebiam semanalmente por produção - R$ 3,70 a tonelada. Verificou-se também que alguns recebiam menos que um salário mínimo por mês. O pagamento era semanal. A jornada começava às 5h e se encerrava às 13h, por conta do sol forte e do intenso calor.
Foram lavrados ao todo 111 autos de infração e quatro interdições foram promovidas pelo grave risco que ofereciam aos empregados. O valor das verbas rescisórias chegou a R$ 245.193,50. Segundo Jacqueline, o Ministério Público do Trabalho (MPT) está aguardando o relatório do grupo móvel para entrar com as medidas judiciais cabíveis, já que a usina não aceitou pagar os valores. Diante dos flagrantes, os fiscais também deram entrada para que os trabalhadores pudessem receber o benefício do seguro-desemprego.
"O representante da usina acompanhou a ação inteira e a todo momento era explicado para ele as irregularidades que estavam sendo cometidas", relata a coordenadora. A operação contou com a participação da procuradora do Trabalho Carina Bicalho, de Uberaba (MG), além de policias federais.
A Repórter Brasil tentou entrar em contato com um dos proprietários da usina, mas até o fechamento desta matéria não conseguiu ouvi-lo.
(Por Bianca Pyl,
Repórter Brasil, 24/09/2008)