A desgraça de Zélio Oliveira é o artigo 32 do Código Tributário Nacional. Ele mora em Capão da Canoa, mas não vai à praia. Habita o lado de cima da Avenida Paraguassu, única região freqüentada pelos candidatos a prefeito, já que da Paraguassu para baixo a campanha praticamente passa despercebida.
A grande maioria dos veranistas não votam em Capão, mas contribuem com as finanças do município quando pagam o IPTU. O IPTU é tema do artigo 32 do Código Tributário Nacional, que por sua vez, como já foi dito, é o motivo da desgraça de Zélio.
Diz, o artigo 32, que a prefeitura pode cobrar o IPTU do proprietário de um imóvel que tenha pelos menos dois destes cinco requisitos:
1 – Meio-fio com canalização de águas pluviais
2 – Abastecimento de água
3 – Sistema de esgotos
4 – Iluminação pública
5 – Escola ou posto de saúde a menos de três quilômetros
Zélio construiu a casa onde mora há sete anos. Ergueu cada tábua, pregou cada prego. Seus vizinhos fizeram o mesmo. Virou uma vila, chamada Quero-Quero. A Corsan e a CEEE, conta Zélio, foram lá e colocaram a água e a luz. Dois dos cinco requisitos.
Desde então, a prefeitura manda todo ano o carnê para Zélio quitar o IPTU. E os carnês vão se acumulando. Zélio – que corta uma graminha aqui, faz um fretezinho ali e já chegou a tirar R$ 500 em um mês – prioriza os R$ 38 da conta de água e os R$ 40 da de luz. E deixa o IPTU acumular. Zélio, talvez por mania, gosta de começar as frases dizendo “é aquele velho ditado”:
– É aquele velho ditado: não é justo me cobrarem IPTU.
E acrescenta:
– É aquele velho ditado: voto em quem não me cobrar IPTU.
O motivo pelo qual Zélio acha que a prefeitura não deveria cobrar-lhe o IPTU jaz logo abaixo de suas Havaianas. Ele conta sua história, na frente de casa, parado sobre uma camada fina de terra, que encobre uma laje, que por sua vez tapa um buraco de seis metros cúbicos cavado por ele próprio. É para o buraco que verte o que escoa pelas pias, pelo ralo do chuveiro e pela descarga do banheiro. E fica tudo ali.
– É aquele velho ditado: cheiro ruim é normal.
De tempos em tempos, quando o buraco enche, Zélio tem de retirar o esgoto, colocá-lo em tonéis e descartá-lo em algum matagal. A última vez que fez isso já tem dois anos. Ele, portanto, conta sua história, em pé, sobre dois anos de esgoto. Um dos sonhos de Zélio é que seu esgoto flua sem entraves por encanamentos da prefeitura. Isso a custo do IPTU dos veranistas, já que, até ver a obra pronta, Zélio não pretende pagar o seu. Maldito artigo 32.
(Por Marcelo Fleury, Zero Hora, 25/09/2008)