O Parlamento Europeu cobrou redução da meta adotada pela União Européia de que os biocombustíveis representem 10% dos combustíveis usados nos veículos ate 2020. Desde que adotaram esse objetivo no ano passado os lideres dos 27 membros da UE enfrentam uma onda de protestos disparados por ambientalistas e ativistas pelos direitos humanos. Inclusive os pesquisadores científicos e ambientais do bloco colocaram em dúvida a sabedoria dessa decisão, que objetivava enfrentar o impacto do uso dos combustíveis fosseis no aquecimento global.
Nos últimos meses, a disparada nos preços dos alimentos foi explicada como uma conseqüência do crescente uso de grãos e oleaginosas, entre outros cultivos, para produzir biocombustíveis. Embora os governos dos Estados-membros da UE ainda não tenham renunciado ao objetivo adotado em 2007, o Parlamento Europeu votou no último dia 11 que se deveria estabelecer uma meta de 5% de uso de biocombustíveis em relação ao total de combustíveis consumidos dentro da UE.
Um estudo sobre o impacto no bem-estar humano e no meio ambiente deveria ser feito antes da adoção de novas metas, segundo o Parlamento Europeu, único corpo político entre as instituições do bloco que surge do voto dos cidadãos de cada país que integra a União Européia. O eurodeputado por Luxemburgo, Claude Turmes, veterano das campanhas pelo uso de energias “limpas”, qualificou a decisão do Parlamento como “um claro sinal da louca corrida para a adoção de biocombustíveis”.
O legislador afirmou que, com base na tendência atual, quase 6% do setor do transporte na UE se movimentará de todas as formas em dois anos empregando biocombustíveis, sem que sua produção fique sujeita a algum critério ambiental ou social. A seu ver, a votação dos eurodeputados significa que estão reclamando a adoção de “políticas responsáveis” nesta matéria antes de continuar avançando no uso desta alternativa. O Parlamento reconheceu os sérios problemas associados com o uso em grande escala de biocombustíveis, disse o porta-voz da organização não-governamental Amigos da Terra, Adrian Bebb.
“Trata-se de um passo vem-vindo na direção correta, mas, resta muito por fazer. Usar comida para alimentar automóveis é uma falsa solução de nossos problemas relacionados com a mudança climática e pode levar a uma irremediável perda de vida silvestre, bem como à miséria milhões de pessoas no Sul”, afirmou Bebb. Um estudo da ONG Amigos da Terra diz que a produção de biocombustíveis levou ao desmatamento em países da América Latina, como conseqüência do corte de arvores para ganhar terras para o cultivo de vegetais destinados à elaboração de combustíveis “verdes”, o que afetou os moradores e espécies em perigo dessas zonas.
O informe destaca que esse processo ocorreu no Brasil, na Argentina, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e Uruguai. Freqüentemente, cultiva-se vegetais para a produção de biodiesel em terras até então virgens, nas quais o uso de fertilizantes e agroquimicos prejudicam severamente o solo. As condições de trabalho nesses campos são muitas vezes opressoras, e incluem o uso de mão-de-obra infantil em algumas fases, segundo se informou.
O Relator Especial da Organização das Nações Unidas para o direito à alimentação, Olivier De Schutter, disse que acumulam-se as evidências sobre a magnitude das grandes proporções de água e terra consumidas na produção de biocombustíveis. A seu ver, não oferecem uma alternativa ambiental válida ao uso de petróleo, gás e carvão. Com a exceção da cana-de-açúcar no Brasil, pode-se citar poucos exemplos que tenham representado benefícios ecológicos, acrescentou.
O secretário-geral da organização não-governamental Rede de Ação e Informação Alimentos Primeiro, Flavio Valente, sugeriu que os esforços da UE para fomentar os biocombustíveis estão em colisão com as declarações do bloco regional sobre sua intenção de promover os direitos humanos, incluindo o de estar livre da fome. “Quem você alimenta primeiro, os caminhões ou as pessoas?”, perguntou. O direito à alimentação foi consagrado em 1996 pelo Convênio Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Espera-se que a Assembléia Geral da ONU aprove este ano um protocolo que permita aos indivíduos iniciar demandas contra os governos que violam esses direitos.
Catarina Albuquerque, advogada portuguesa que preside um grupo de trabalho da ONU sobre este tema, assegurou que “é essencial que os países que se consideram modelos em matéria de direitos humanos, e estou pensando especialmente nos europeus, ratifiquem este protocolo. “Já é tempo de dar-lhe um forte apoio e defender esses direitos com o mesmo vigor que se dá aos civis e políticos”, afirmou.
(Por David Cronin, Envolverde, IPS, 24/09/2008)