Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) avaliou a percepção pública sobre os riscos potenciais dos produtos transgênicos na cadeia alimentar. A conclusão é que o debate está demasiadamente restrito à discussão sobre a rotulagem dos produtos geneticamente modificados, polarizando-se entre os que são “contra” ou a “favor”.
Além da polêmica, a falta de discussão a respeito das incertezas científicas sobre o assunto também contribui para aumentar a desconfiança e a desinformação. De acordo com a autora principal do estudo, Ariadne Chloë Furnival, professora adjunta do Departamento de Ciências da Informação da UFSCar, a predominância de uma contínua justaposição de opiniões “a favor” e “contra” a rotulagem pouco ajuda para o esclarecimento do público. O estudo foi publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.
“Há muita informação disponível sobre os organismos geneticamente modificados, sobretudo nos artigos acadêmicos e na mídia. Mas, como não existe consenso, inclusive na própria comunidade científica, sobre os possíveis riscos que essa tecnologia possa desencadear na cadeia alimentar, muitas informações existentes sobre o assunto são conflitantes, comprometendo a compreensão pelo público”, disse Ariadne à Agência Fapesp.
Uma compreensão consolidada, segundo a pesquisadora, não poderá ser conseguida a curto e médio prazo, pois haveria ainda muitas incertezas em torno dos transgênicos e de seus possíveis efeitos. Para ela, a polarização em torno do assunto dificulta que essas incertezas sejam abertamente discutidas na mídia brasileira.
“O paradigma predominante de divulgação científica não gosta de conjugar incerteza com ciência. Mas, quando consideramos que a difusão dos organismos transgênicos já é extremamente ampla na cadeia alimentar que atinge a todos nós, a abertura da discussão em torno das incertezas e possíveis riscos se torna uma questão de direitos da cidadania”, afirmou.
O trabalho utilizou o método de grupos focais em cidades do interior de São Paulo. Os participantes foram divididos em oito grupos, formados por estudantes de escolas técnicas, estudantes de engenharia, idosos, catadores de coleta seletiva e trabalhadores no setor de avicultura, entre outros.
Os participantes identificaram a falta de informação compreensível, tanto na mídia como nos rótulos de produtos, como principal fonte de desconfiança em relação aos transgênicos.
Do material reunido junto aos grupos focais, os pesquisadores selecionaram três temas para discussão: alimentos e meio ambiente; percepção de riscos nos transgênicos; e informações sobre organismos geneticamente modificados.
Segundo Ariadne, o estudo parte de uma concepção construtivista. O método que utiliza grupos focais permite a menor intervenção possível dos pesquisadores e do moderador. “A força do método reside no pressuposto de que o indivíduo é um ser social cujas opiniões, atitudes e percepções são formuladas, em grande medida, por meio da interação com outras pessoas e não em isolamento.”
“Como as enquetes consistem de perguntas fechadas, é questionável até que ponto conseguem captar as formas complexas e às vezes ambivalentes com que as pessoas pensam sobre os assuntos polêmicos ainda sob construção na sociedade, como o dos transgênicos na cadeia alimentar”, afirmou.
Dentre as categorias analíticas, o assunto do meio ambiente surgiu espontaneamente, levantado pelos participantes. “Em geral, eles evocaram um passado mais natural, saudável, com mais tempo para cozinhar alimentos frescos, ou mais tempo para até cultivar suas próprias verduras”, disse.
Rótulos e informações
De acordo com a professora da UFSCar, a maioria dos participantes relacionou os alimentos atuais com um meio ambiente danificado e com o uso de agrotóxicos nocivos. “Os participantes de todos os grupos viram esse cenário como inevitável. Pare eles, o passado bucólico e mais saudável não é mais atingível”, disse.
Para Ariadne, foi interessante notar que, mesmo não havendo um debate transparente e aberto na sociedade brasileira sobre os possíveis riscos dos transgênicos na cadeia alimentar, vários participantes apontaram para o fato de que a falta de consenso nas informações divulgadas atesta as incertezas sobre o assunto.
“Os participantes demonstraram uma postura de cautela e mostraram que percebem o risco como algo de longo prazo. Mencionaram efeitos e doenças em gerações futuras ou os efeitos imprevisíveis de, por exemplo, comer muito soja por conta de efeitos supostamente benéficos para a menopausa, exemplo apontado por um grupo de senhoras”, explicou.
A questão da rotulagem dos produtos foi uma das principais discutidas pelo público. Segundo o estudo, essa é apenas uma das dimensões multifacetadas de um debate mais amplo que deveria ocorrer em fóruns públicos. A questão, segundo Ariadne, é se de fato o público lê os rótulos, compreende e consegue assimilar as informações contidas neles.
“Realizamos uma pesquisa subseqüente sobre a leitura dos rótulos e constatamos que eles são lidos por uma minoria, com a exceção da data de validade. E, entre esses, poucos entendem as informações, sobretudo os símbolos como um “T” inserido em um triângulo, que sinaliza a presença de transgênicos”, disse.
Os participantes, segundo ela, acham que a rotulagem é importante, pois pode teoricamente fornecer informações que subsidiem a decisão de compra.
“No entanto, os grupos discutiram o que vem a ser realmente informativo em um rótulo. Ele pode meramente sinalizar a presença dos transgênicos num dado alimento, mas sem uma informação mais aberta e substantiva sobre o que tal presença pode implicar, seja ela positiva ou negativa. A informação torna-se vazia”, afirmou.
Para ler o artigo A percepção pública da informação sobre os potenciais riscos dos transgênicos na cadeia alimentar, de Ariadne Chloë Furnival e Sônia Maria Pinheiro, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
(Por Alex Sander Ancântara, Agência Fapesp, 25/09/2008)