O licenciamento da pavimentação de um trecho com 800 quilômetros da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), está suspenso por dois meses. A medida foi anunciada ontem (24/09) por Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente. O temor é de que ocorra no entorno da rodovia destruição semelhante à registrada na região da BR-163. Lá, as derrubadas cresceram 500% após o anúncio de seu asfaltamento, há mais de cinco anos. Até hoje a obra não foi realizada.
Nesses 60 dias, um grupo de trabalho com membros governistas da área ambiental, da Integração, Transportes e Cidades, além de governos de Rondônia e do Amazonas, passará um pente-fino no entorno da BR-319 e levantará quanto dinheiro e quais articulações políticas serão necessárias para implementar e criar unidades de conservação federais e estaduais que tentam formar uma barreira contra as incansáveis motosserras.
Em maio e junho deste ano, foram decretados os parques nacionais do Mapinguari e Nascentes do Lago Jarí, as reservas extrativistas de Ituxi e do Médio Purus, e ainda a Floresta Nacional do Iquiri e a ampliação da Floresta Nacional (Flona) de Balata-Tufari, somando 5,5 milhões de hectares. Tudo segue no papel. Ano passado, 22% das derrubadas ocorreram dentro de áreas protegidas e de terras indígenas na Amazônia. “Parque de papel pega fogo fácil. Tem que implementar”, reconheceu Minc.
Além dessas áreas protegidas, o governo do Amazonas deveria ter ampliado a Flona de Balata-Tufari, criado a Floresta Estadual de Samaúma e as reservas de desenvolvimento sustentável Igapó-Açú e de Canutama, perfazendo quase dois milhões de ha.
Mais derrubadas, novas medidas
As ações prometidas hoje por Minc têm um motivo especial e bem concreto, como anunciou ontem O Eco: as derrubadas registradas em agosto pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se concentram no Amazonas, estado quase intocado até um ano atrás. E pior, incidem diretamente no eixo da BR-319, vizinho a um verdadeiro filé mignon florestal. A área é densamente povoada com madeiras nobres.
Uma das zonas críticas é Apuí, município cortado pela Transamazônica. Mas a pior tendência de elevação nos cortes está perto de Lábrea, ao longo do eixo da BR-319, próximo à divisa com Rondônia, de onde avançam as derrubadas.
Por tudo isso, o Ministério do Meio Ambiente também informou que segunda-feira (29), quando se conhecerão os números do Deter para agosto, também serão revelados os cem maiores desmatadores da Amazônia. A lista foi montada com apoio do Ministério Público Federal e Advocacia-Geral da União. Com a divulgação dos nomes, de pessoas e de empresas, o governo espera reduzir a impunidade contra os crimes ambientais na região.
A Amazônia também ganhará até oito novas barreiras rodoviárias contra transporte ilegal de madeira e outros produtos, além dos postos já instalados na BR-163 e BR-364, promete o governo. Além disso, Tocantins e Rondônia receberão apoio para que elaborem planos estaduais contra desflorestamento, assim como já ocorre com Mato Grosso, Pará e Acre. Isso é fundamental para que possam levantar dinheiro junto ao recém criado Fundo Amazônia.
Asfalto ou trilhos?
Desde o anúncio da reforma e asfaltamento da BR-319, entidades civis e pesquisadores vêm levantando a lebre de que uma ferrovia seria menos impactante para a floresta. Trilhos e locomotivas evitariam mais desmatamento e reduziriam a emissão de poluentes.
Semana passada, o federal DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) enviou ao Ibama os estudos de impacto para o asfaltamento de aproximadamente 800 quilômetros na porção central da rodovia. Como salientou Carlos Minc, a legislação federal (Resolução 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente) obriga a avaliação de alternativas a obras de grande porte. O Rio Madeira, por exemplo, corre próximo à estrada por um bom trecho, e é por ele que circula grande parte das mercadorias entre Porto Velho e Manaus. “Estudo sem alternativa não será aceito”, ressaltou o ministro. Segundo ele, os governadores Ivo Cassol (Rondônia) e Eduardo Braga (AM) são favoráveis aos trilhos.
Consultado, o DNIT informou por meio de sua assessoria de imprensa que a papelada entregue ao Ibama já tem avaliações de alternativas ao asfaltamento da BR-319. O Ibama, no entanto, ainda não analisou os documentos e não soube informar se estão mesmo em ordem. Caso contrário, precisarão ser complementados.
Sem questionar a viabilidade econômica e ambiental daquela pavimentação, Carlos Minc jogou no colo do governo a decisão pelo modal de transporte mais adequado para a região. “Esta decisão (sobre rodovia ou trilhos) é do governo, não é minha. O que for decidido eu acatarei”, comentou. “E a licença será condicionada à adoção de unidades de conservação pelos empreendedores”, completou.
O comentário não agradou a ambientalistas, que vêem nas estradas (asfaltadas ou não) um dos motores do desflorestamento. Conforme Fernando Kreppel, vice-presidente da não-governamental Preserve Amazônia, as ferrovias são pura vantagem, principalmente sob os aspectos ambiental e econômico. “De início a rodovia é mais barata, mas a economia com manutenção no médio e longo prazos, ainda mais em uma região como a Amazônia, é muito maior com uma ferrovia”, comentou.
A entidade vem movendo mundos e fundos e encaminhando ações à Justiça onde pede a paralisação de obras na Amazônia até que sejam avaliadas alternativas construtivas, como pede a legislação. No entanto, conforme Kreppel, é difícil romper com antigos vícios. “A lei estabelece estudos de alternativas ao modal rodoviário, mas hoje fazem estudos para uma única opção de obra. É difícil quebrar o ciclo de interesses de madeireiros, fazendeiros e outros setores interessados nas rodovias”, reclamou.
(Por Aldem Bourscheit, OEco, 24/09/2008)