Números como 80 bilhões de barris de petróleo leve ou investimentos e ganhos da ordem de trilhões de dólares não causam impacto apenas sobre os investidores e operadores no mercado explorador desse combustível. Estes dados obrigam qualquer governante a repensar o futuro do Brasil.
A figura utilizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que ganhamos um bilhete premiado — ao ser divulgado o potencial de exploração do petróleo em águas profundas, abaixo da camada de sal, na costa brasileira — tem um significado muito claro para o brasileiro médio. A vida muda quando a gente ganha o bilhete premiado e exige novos planos.
Para reorganizar a vida de um país, não basta mudar os planos. Talvez seja preciso mudar as leis, o marco regulatório da exploração do petróleo no Brasil. Pois, ao contrário do cidadão comum, o ente público só pode agir em virtude da lei.
Não que a mudança seja um objetivo em si. Até onde o planejamento de longo prazo for possível, coloquemos o novo plano em ação. Onde o Estado ou o governo, porém, estiver limitado pela regra, ali possivelmente haverá que se discutir um novo marco, diante de um novo tempo, um novo cenário.
Afinal, pensadores de primeira grandeza no país já reconhecem que as recentes descobertas têm, sim, grande valor estratégico para o nosso desenvolvimento socioeconômico. E a sua forma de exploração exige, com certeza, uma abordagem de Estado.
O Congresso Nacional não pode, de modo algum, furtar-se a este debate. E por isso mesmo, exercendo a função parlamentar ao representar um Estado que também tem interesse nos resultados dessas novas conquistas, apresento aqui cinco razões para discutir um novo marco legal para a exploração do petróleo no Brasil.
1. Respeito aos direitos dos atuais investidores. Antes de tudo, é fundamental esclarecer que é a posição do governo Lula, com a qual tenho inteira concordância: contratos não serão alterados. Numa revisão do marco legal da exploração do petróleo, a primeira meta deve ser exatamente a de tranqüilizar – até para que sejam atraídos para esta nova era – investidores e operadores atuais e potenciais. Qualquer que seja o novo modelo regulatório, seus direitos devem ser respeitados. O aperfeiçoamento do modelo – criando outras formas de contrato, além da concessão pública de exploração, poderá definir com mais clareza os atuais direitos e deveres da União e das empresas.
2. Modelo de desenvolvimento preventivo contra efeitos negativos – O mais desafiador e mais complexo dos motivos para rever o atual marco legal é buscar expedientes legislativos que assegurem, ao Brasil, meios para tirar o melhor proveito possível das novas riquezas. Ao mesmo tempo, devemos evitar os malefícios já vividos por países que contaram com a abundância de petróleo em suas terras. Um novo marco legal poderá estabelecer planejamento destinado a desenvolver um parque industrial produtor de derivados de hidrocarbonetos com alto valor agregado. Isto evitará a convergência para atividades exclusivamente petrolíferas. Tomemos como exemplo a Holanda, que abandonou outros setores produtivos, concentrando-se numa só indústria. A tal doença holandesa reduziu a sua pauta de exportações e aumentou sua dependência para uma série de produtos importados, provocando desequilíbrio em sua balança comercial.
3. Retenção de know-how na exploração do pré-sal – Se é estratégica a exploração das novas riquezas, a retenção de conhecimento sobre a tecnologia de extração é mais importante ainda para o país. É importante registrar que toda a tecnologia para exploração de petróleo em águas ultraprofundas vem sendo desenvolvida pela Petrobras. E há entre os seus técnicos uma certeza: reterá este know-how a empresa que operar sua exploração. Ora, quais são hoje os limites do atual marco legal para dar ao Brasil e à Petrobras a garantia de que será ela a operadora neste processo? As vantagens estruturais do país no futuro próximo poderão ser definidas por aqueles que detiverem maior conhecimento nesta área. Como vai se comportar o Brasil diante disso?
4. As perspectivas do risco no investimento do pré-sal – Há uma década, quando o atual marco regulatório da exploração do petróleo foi aprovado pelo Congresso, o risco exploratório no Brasil era muito elevado. Altos investimentos, alto risco e óleo de baixa qualidade. Hoje a visão é inversa: apesar de vultosos investimentos, o risco é mínimo e o óleo, comprovadamente da melhor qualidade. Essa mudança de perfil tem que ser revista, ao menos, para aperfeiçoar o que está feito. Além do mais, é preciso atualizar tecnologicamente a legislação para enfrentar casos não contemplados, como as várias hipóteses de unitização. No campo de Iara, por exemplo, a Petrobrás vê a necessidade de discutir a forma de exploração da parcela do campo dentro da área sob concessão, juntamente com a exploração de uma área, no mesmo campo, que ainda pertence à União.
5. A utilização das novas riquezas no investimento social do Brasil – Como o país vai usar o dinheiro do bilhete premiado? Ele terá que ser sacado gradualmente e com prudência para render o máximo para os brasileiros, nas próximas décadas. Qual será o ganho social advindo desta nova riqueza? Nunca será cedo demais para discutir se é o saneamento, a educação, as Forças Armadas ou a Saúde o setor que deverá ter seu desenvolvimento estruturado para ser a alavanca da distribuição da riqueza neste país nas próximas décadas.
Este debate deverá envolver toda a sociedade de forma apaixonada. O Congresso Nacional deve assumir imediatamente seu papel nestas definições estratégicas para o presente e o futuro do país.
(Adjori, 23/09/2008)