Toda quinta-feira, a presidente da Associação dos Moradores e Amigos do bairro Independência, Ana Lucia Vellinho D’Angelo, começa o dia com uma certeza e uma inquietação.
A certeza: aquele será um dia em que ela e os vizinhos não conseguirão dormir. A dúvida: quantos calmantes precisará tomar, naquela e nas próximas noites, para agüentar a barulheira que se repete todo final de semana no bairro?
Por trás da rotina, está a poluição sonora que perturba moradores de diferentes regiões da Capital e desafia o futuro prefeito. Nos arredores dos estabelecimentos noturnos espalhados por bairros como Cidade Baixa, Moinhos de Vento e Independência, a combinação entre som alto e intensa movimentação de carros transforma as noites em suplício para quem tenta dormir.
Para combater o problema, organizações de moradores, como a presidida por Ana Lucia, reivindicam a fixação de limites mais rigorosos para a poluição visual. Ela espera que o novo prefeito atue para adequar o Plano Diretor da Capital.
– Em zonas residenciais não deveria ser permitida a abertura de bares e danceterias. Os limites precisam ser mais rigorosos. Deveriam fazer como em Curitiba, onde o bairro Santa Felicidade concentra a vida noturna – sustenta Ana Lucia, salientando que o nível de ruído emitido por ônibus e lotações também incomoda durante o dia.
Faltam técnicos para melhorar a fiscalização
Na avaliação da promotora Sandra Santos Segura, que atua na Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, o maior problema não são os limites da lei, e sim a falta de fiscalização. O boêmio bairro Cidade Baixa concentra o maior número de reclamações recebidas pelo órgão.
– Não há mês que se passe sem que aportem reclamações. Muitas vezes, os locais maiores já tem isolamento acústico, mas o barulho gerado no entorno é o maior problema. Seria preciso uma intensificação na fiscalização – avalia a promotora.
A dificuldade em fiscalizar é reconhecida pela supervisora substituta de Meio Ambiente da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), Lisiane Rocha Cortez. Atualmente, o setor dispõe de apenas dois técnicos e um único aparelho para medir o nível de ruído. Quando um morador reclama, é agendada uma vistoria no local para conferir o índice. Cerca de 20 processos aguardam na fila de espera pela medição.
– Se nós tivéssemos mais técnicos, não trabalharíamos só por denúncias, poderíamos ter uma fiscalização mais efetiva. Hoje, não temos estrutura para fazer isso – admite Lisiane.
O problema
POLUIÇÃO SONORA
É todo som que direta ou indiretamente seja ofensivo ou nocivo à saúde e ao bem-estar de uma comunidade.
COMO É FEITA A FISCALIZAÇÃO
Segundo a Smam, não há um valor máximo de ruído permitido. O nível de som em casas noturnas e bares é calculado com a soma do chamado ruído de fundo (o som normal do ambiente, considerando o trânsito e a circulação de pessoas) e do ruído de atividades (o barulho produzido pelo estabelecimento). O ruído de atividades pode ser até cinco decibéis maior do que o ruído de fundo.
O nível de ruído é medido por um aparelho especial chamado decibelímetro.
Se a diferença apontada pelo aparelho for maior do que cinco decibéis, o estabelecimento é notificado e tem 30 dias para apresentar um projeto acústico prevendo a adequação da fonte de ruído. Neste ano, 71 estabelecimentos da Capital foram notificados.
Caso o proprietário não cumpra o prazo, ele é autuado e tem 15 dias para apresentar uma defesa. A autuação prevê multas de aproximadamente R$ 2 mil pelo ruído produzido. O proprietário também pode perder o licenciamento para operar. A multa, nesse caso, varia de R$ 500 a R$ 50 milhões, dependendo do estabelecimento. Neste ano, foram emitidos 19 autos de infração a estabelecimentos.
A QUEM RECLAMAR
A Smam não tem um plantão permanente. Quando um morador liga para fazer uma reclamação sobre poluição sonora, funcionários da Smam agendam uma visita. Segundo a secretaria, o prazo para a visita é, em média, de sete dias.
Telefone para reclamações: 3289-7500
BARULHOS COTIDIANOS
Confira diferentes níveis de ruído:
Música de rádio baixa e conversa em voz baixa: 0 a 50 decibéis* – até esse limite, o padrão é considerado confortável.
Conversa em voz alta e ruas com muito trânsito: 60 a cem decibéis – nesse nível, provoca irritação e início de estresse auditivo.
Britadeiras: de 125 a 135 decibéis – padrão considerado muito desconfortável.
Decibel: unidade que mede a intensidade do som.
Na sua opinião, os limites de poluição sonora são adequados ou devem ser mais rigorosos?
CARLOS GOMES (PHS)
“Normalmente me sinto bem no trânsito de Porto Alegre porque os carros são silenciosos. Às vezes, vejo umas motos de chinelões. São motos com descarga aberta. São umas porcarias. Uma ação da Brigada Militar ou dos azuizinhos tira esses caras de circulação e logo eles voltam em silêncio.”
JOSÉ FOGAÇA (PMDB)
“Nós mantemos dentro da Smam um padrão que procura fazer a observância rigorosa desses limites. Sempre é preciso intensificar a fiscalização. Muitas vezes, a demanda vem por parte da população em relação às atividades de clubes ou de grupos sociais nos bairros, e a Smam procura agir conforme essa demanda. Mas temos mantido um rigoroso controle nos bares, restaurantes e casas noturnas.”
LUCIANA GENRO (PSOL)
“É provável que em alguns lugares haja problemas. Não tenho conhecimento de reclamações ou níveis elevados de poluição sonora na cidade. Se houver, serão tomadas providências. O limite me parece adequado, mas claro que há pessoas que não respeitam, botam seus carros com o porta-malas aberto e o som a mil. Isso tem de ser coibido.”
MANUELA DÁVILA (PC DO B)
“Devem ser mais fiscalizados os limites de poluição sonora.”
MARIA DO ROSÁRIO (PT)
“Sou favorável a tudo que puder proteger as pessoas. Acho que há algumas vias da cidade em que isso pode ser melhor trabalhado. Temos de ter regras adequadas a regiões e a horários.”
NELSON MARCHEZAN JR. (PSDB)
“Deve-se adequar os limites a cada situação, priorizando a oportunidade de descanso, necessária à proteção dos direitos individuais. Os limites serão estabelecidos de acordo com as possibilidades de cada região ou comunidade. Devemos fiscalizar o cumprimento da legislação, tentando adequá-la às necessidades econômicas e pessoais.”
ONYX LORENZONI (DEM)
“Acho que devem ser um pouco mais rigorosos. Não vejo ação sistêmica da atual administração para coibir a poluição sonora e visual, e isso tem de ser enfrentado.”
VERA GUASSO (PSTU)
“Já ouvi várias reclamações. Temos de ser mais rigorosos com os limites.”
(Por Letícia Duarte, Zero Hora, 24/09/2008)