A abstenção foi a posição da delegação brasileira nas discussões das três rodadas anteriores da Conferência das Partes da Convenção de Roterdã (COP) sobre a inclusão do amianto crisotila na lista para Consentimento Prévio Informado (PIC)[1], apesar do comprometimento público anterior dos Ministros do Meio Ambiente (1999, 2001)[2],[3], da Saúde (1999)[4] e dos representantes do Ministério do Trabalho (2004)[5] para banir o amianto do Brasil.
O Brasil se manteve silente em todas as versões anteriores e tememos que queira ficar assim novamente em outubro de 2008, quando este assunto for discutido na COP4 em Roma. Este silêncio, vindo do 4˚. maior produtor, 5º. maior utilizador e um dos grandes exportadores mundiais de amianto é, no mínimo, suspeito. Estas reuniões são promovidas pela UNEP-Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Quando Luís Inácio Lula da Silva se tornou Presidente da República em 2002, o compromisso de banir o amianto de seu partido (o PT) e dos sindicatos se arrefeceu; sem dúvida, sob pressão intensa do poderoso lobby da indústria do amianto. Ao invés do banimento, o governo Lula instaurou uma comissão interministerial sobre o amianto com delegados de 7 ministérios, que recolheram provas por 1 ano e produziram um documento com 1.000 páginas com informações gerais e apresentando os dois cenários: o que promove a utilização da fibra cancerígena, sob a fantasiosa e não factível tese do "uso controlado do amianto", e o que defende seu banimento pelos riscos causados à saúde pública e ao meio ambiente. A grande decisão foi de não decidir[6].
Esta política de INATIVIDADE continua sendo a postura dos poderes legislativo e executivo, que continuam a se omitir, embora até o STF-Supremo Tribunal Federal tenha decidido em julgamento histórico no último 4 de junho que os estados têm o direito de proibir o amianto para cumprir com seus compromissos internacionais, por haver substitutos mais seguros, por ser um agente reconhecidamente nocivo à saúde humana, declarando, inclusive, incidentalmente a inconstitucionalidade da lei que promove o uso da fibra cancerígena em nosso país.
Será que novamente a Casa Civil irá orientar o corpo diplomático brasileiro que é melhor deixar que outros países, tais como: o Canadá, a Índia e o Cazaquistão esbravejem suas objeções e, com isto, o Brasil poder ficar aparentemente neutro nesta história. Esta aparência de imparcialidade tranqüilizará a indústria, mesmo que contrarie as vítimas do amianto. É de conhecimento público que um seleto número de políticos a nível federal receberam doações dos defensores do amianto; em troca, os mesmos defendem o amianto crisotila brasileiro da publicidade adversa e atuam contra os movimentos que querem regular ou banir o seu uso. A "compra" do apoio destes políticos aliados tem atraído alguma cobertura das mídias nacional e internacional e recebido duras críticas do público em geral[7] ,[8] ,[9].
A forte presença do governo, através de fundos de bancos estatais, como o BNDES e o Banco Central, que detêm a maior parte das ações da empresa ETERNIT, que controla a mineradora SAMA, é um fator que com certeza influencia esta decisão de adiar o banimento da fibra mortal.
Segundo o presidente da ABREA, Eliezer João de Souza: "Desde a fundação da ABREA trabalhamos juntamente com cientistas e médicos na elaboração de estatísticas sobre o número de pessoas que contraíram doenças relacionadas à exposição ao amianto crisotila brasileiro. Na ausência de qualquer registro oficial nacional sobre as doenças relacionadas ao amianto, a ABREA documenta o impacto devastador que o amianto tem provocado no Brasil. Apesar da apatia do governo e da propaganda massiva e enganosa da indústria, o amianto crisotila brasileiro certamente não é seguro e muito menos usado de forma controlada e responsável como diz o mantra defendido pelo seu poderoso lobby!"
Existe um total desinteresse dos órgãos governamentais de tornar pública a situação desta tragédia ecossanitária mantendo um verdadeiro silêncio epidemiológico em torno das doenças e dos doentes. É um fato deplorável, mas todavia verdadeiro, que há milhares de brasileiros com a saúde arruinada devido ao contato com o amianto no trabalho, em casa e no meio-ambiente. Não há "uso controlado do amianto no Brasil"; a crisotila brasileira não é nem " pura", muito menos "inofensiva". O amianto é um problema de saúde pública em escala colossal. A nível mundial, é considerado a maior catástrofe sanitária do século XX!
A Convenção de Roterdã é, portanto, um acordo multilateral relativo ao meio-ambiente muito importante para fornecer aos países informações explicativas sobre os riscos relativos ao uso de substâncias perigosas à saúde, tais como o amianto crisotila. Como expostos e vítimas do amianto, reiteramos a importância de que a total divulgação sobre todos os riscos é um imperativo em nossa sociedade industrial do terceiro milênio. A ABREA e o movimento mundial das vítimas do amianto exigem a inclusão do amianto crisotila na lista para o PIC, que deve ser aprovada como um assunto de urgência na COP4 e o Brasil tem de estar na vanguarda e protagonizar esta posição como liderança do setor que é diante de nações que não respeitam os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, não tem compromissos com a democracia e muito menos com a sustentabilidade do planeta."
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[1] Consentimento do país importador para receber produtos listados como perigoso à saúde humana.
[2] Em "Ministro decide proibir uso de amianto no País", jornal "O Estado de São Paulo", 29/7/1999.
[3] Em "Amianto deve ser banido do país até 2003", jornal "O Estado de São Paulo", 11/3/2001.
[4] Em "Pesquisa inédita vai mostrar se amianto tem impacto na saúde", jornal O Globo, 24/1/1999.
[5] Em "O governo vai banir o uso do amianto no país", jornal "Folha de São Paulo", Caderno Dinheiro, 28/3/2004.
[6] Em "O governo vacila, a sociedade avança", Revista Época, 363:50 2/5/2005.
[7] Em "Um mundo de coincidências: As relações entre congressistas e financiadores de campanhas eleitorais", Revista Carta Capital, 348(XI), 29/6/2005.
[8] Em "Lobby Mortal: Vida e Morte pelo Amianto", Revista Época, Cadernos Negócios, 360:10-13, 11/4/2005,.
[9] Em "Asbestos Slow Death", Documentário franco-canadense de Sylvie Deleule, produção das TVs Arte (França) e Radio Canada em Nov/Dez de 2004.
(Por Fernanda Giannasi, Coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto para a América Latina, texto recebido por E-mail, 24/09/2008)