Contatos permanentes das populações urbanas e camponesas no Espírito Santo, para aprofundar discussões sobre os impactos sociais e ambientais das monoculturas, da poluição e da política econômica. Este será o caminho que as populações capixabas do campo e cidade vão percorrer como resultado da marcha contra as monoculturas, encerrada no final de semana.
A Marcha Campo-Cidade começou no domingo (14), em Jacaraípe, na Serra, e foi encerrada na noite de sábado (20), em Vitória. A manifestação foi organizada pela Via Campesina e Rede Alerta contra o Deserto Verde.
Seu mote foi “Soberania alimentar e direito à cidade”. Os militantes preparavam a participação no Dia Internacional contra as Monoculturas de Árvores, lembrado em 21 de setembro. O dia foi criado por sugestão dos capixabas da Rede Alerta Contra o Deserto Verde e houve manifestação em vários países da América Latina, e também na Índia e África do Sul.
Na avaliação de um dos coordenadores, o professor Helder Gomes, a marcha está apenas começando. Ele avalia como altamente positivo o contato com lideranças e comunidades que antes pouco ou nada se comunicavam, como os pescadores de Jacaraípe e os trabalhadores da Via Campesina.
Nas conversas, os grupos iam descobrindo que há relação entre a redução de peixes, provocada pela contaminação dos dejetos domésticos não tratados e dos esgotamentos das indústrias, como das usinas da Aracruz Celulose - este lançado por emissários submarinos - e as plantações de eucalipto da própria Aracruz.
As discussões igualmente estabeleciam a estreita correlação entre o preço das terras, inflacionado pelos condomínios e o das terras destinadas aos plantios de eucalipto e cana, no interior. Ambos provocam segregação social.
Foi a partir dos debates gerados pela Marcha Campo-Cidade que os agricultores e as organizações das cidades decidiram criar um fórum permanente de discussões. O professor Helder Gomes lembra que os contatos atuais, que define como importantes, são mais na esfera sindical.
O grupo ainda não sabe quantas pessoas não marchantes participaram das discussões. Mas Helder Gomes destaca que em alguns lugares, como em Nova Carapina, na Serra, todos os alunos do curso noturno da escola local foram liberados para as discussões sobre os efeitos ambientais e sociais das monoculturas.
Os impactos das monoculturas – as ações do Dia Internacional contra as Monoculturas de Árvores foram coordenadas pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, pelos Amigos da Terra Internacional e a Coalizão Mundial pelas Florestas.
As organizações divulgaram texto em que apontam que “as plantações de árvores em grande escala provocam graves impactos ambientais, sociais e nas economias locais. Impactos como a escassez de água, devida à alteração dos ciclos hidrológicos e a deterioração de rios e córregos; poluição do ar devido ao uso de agroquímicos; o deslocamento de comunidades inteiras devido à ocupação do território; violações dos Direitos Humanos, trabalhistas e ambientais; impactos nas mulheres, bem como a grave deterioração da diversidade cultural, a violência generalizada, a poluição por pesticidas e a grave perda de diversidade biológica têm sido amplamente documentados ao redor do mundo”.
Citam Sandy Gauntlett, da Coalizão Ambiental dos Povos Indígenas do Pacífico: “As plantações de árvores não são florestas. Uma plantação é um sistema agrícola extremamente uniforme que substitui os ricos ecossistemas naturais e sua biodiversidade; as árvores que são semeadas apontam a produção de uma única matéria-prima, seja ela madeira, celulose, borracha, óleo de palma ou outros. Contudo, instituições internacionais como a FAO e o Banco Mundial, bem como agências estatais em países tais como a Nova Zelândia, definem em forma errada as plantações como florestas, apesar da ampla documentação que prova que o único que têm em comum é a presença de árvores. Dessa forma, ajudam a impor e perpetuar um modelo de produção insustentável.”
Citam também Simone Lovera, da Coalizão Mundial pelas Florestas. “As plantações respondem a um modelo industrial que produz matéria-prima abundante e barata que serve como insumo para o crescimento econômico dos próprios países industrializados. Nos países produtores, o que resta é um ambiente degradado e uma população empobrecida, que são os “custos externalizados” para que a matéria-prima possa resultar barata”.
As organizações informam ainda que “nos territórios que hoje ocupam as plantações, já tinha ou poderia ter culturas agrícolas destinadas a garantir a soberania alimentar dos povos, manejadas por comunidades camponesas bem como estas comunidades e Povos Indígenas poderiam desenvolver atividades sustentáveis e que melhoram sua qualidade de vida, como o manejo comunitário da floresta”, citando Isaac Rojas, da organização Amigos da Terra Internacional.
Entre outras considerações, dizem ainda: “Para piorar a situação, as plantações de árvores em grande escala vêm sendo promovidas como uma solução-falsa à mudança climática. Por um lado, o Parlamento Europeu e outras instituições impulsionam a chamada segunda geração de agrocombustíveis baseada em madeira, que levará a uma rápida e ampla expansão dessa monocultura, incluindo árvores transgênicas. Por outro lado, alguns países em desenvolvimento vêem em um possível fundo sob a Convenção sobre Mudança Climática, uma possibilidade de financiamento às grandes plantações como sumidouros de carbono para compensar a perda das florestas. Dessa forma, os mecanismos conhecidos como REDD (sigla em inglês) poderiam se transformar em um subsídio maciço para as plantações.
(Por Ubervalter Coimbra, Século Diário, 23/09/2008)