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biocombustíveis
2008-09-23

Desmatamento na Amazônia e no Cerrado, contaminação por agrotóxicos, ameaça à soberania alimentar de pequenos agricultores e concentração da renda e da terra são alguns dos impactos da expansão de culturas que podem ser usadas para a produção de fontes de energia no país. O Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil lança, nesta segunda-feira (22/09), o relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis - Palmáceas, Algodão, Milho e Pinhão-Manso - 2008" (em pdf), que examina os projetos dessas culturas já em funcionamento ou em fase de instalação.

Para a realização deste trabalho, quatro pesquisadores da organização não-governamental (ONG) Repórter Brasil percorreram 11 Estados brasileiros - Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pará, Amazonas, Maranhão e Tocantins - e um total de 25 mil km. Este é o segundo estudo lançado pelo CMA: em abril deste ano, os impactos da soja e da mamona foram analisados.

Contexto
Passados quatro anos do lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) pelo governo federal, a pesquisa constata que a diversificação de culturas na produção de combustíveis e a ampla participação de pequenos agricultores não se concretizaram. A soja fornece a maior parte do óleo para a produção do biodiesel brasileiro. E o segundo produto mais utilizado para o mesmo fim é o sebo bovino. Os demais cultivos não chegam a participar com mais de 1% cada do volume total da produção nacional.

Já a participação da agricultura familiar no PNPB também se mostra bem menor do que as projeções iniciais das autoridades. No início do projeto, previa-se que 200 mil famílias participariam da produção de agrocombustíveis no Brasil. Hoje, apenas 36,7 mil famílias fazem parte da cadeia do biodiesel.

Dendê
Oleaginosa mais produtiva entre as culturas comerciais utilizadas na produção de biodiesel, o dendê vem impulsionando novos projetos na região amazônica. O relatório avalia três experiências envolvendo dendê na Amazônia: a integração de pequenos produtores pela empresa Agropalma, em Tailândia (PA), que tem pressionado o cultivo de alimentos e imposto um grande endividamento aos colonos, impactando negativamente a segurança alimentar e a autonomia das comunidades; a compra de terras pela Biopalma, empresa de capital canadense, que tem pressionado comunidades quilombolas da região de Concórdia (PA) e tem levado à concentração fundiária; e o projeto de cessão de terras, por parte do governo estadual do Amazonas, à empresa Braspalma, representante do governo da Malásia, em Tefé (AM), que pode desalojar mais de três mil famílias por força dos desmatamentos para a implantação do projeto.

A expansão do dendê está relacionada especialmente com projeto de de lei que visa permitir a sua utilização na recuperação de reservas legais na Amazônia. Defendida pelos ruralistas e vista com simpatia pelo governo federal, a proposta não têm apoio de ambientalistas. A modificação no Código Florestal que exige a preservação de 80% das propriedades na região desvirtua, segundo eles, a função de proteção da biodiversidade da reserva legal e pode incentivar o desmatamento de áreas intermediárias às terras degradadas, já que a produção da palma de dendê adota o modelo da monocultura de grande porte.

A adoção da monocultura também é considerada uma ameaça à biodiversidade da Amazônia e às práticas agroflorestais familiares e das comunidades tradicionais. Na Bahia, onde o dendê é praticamente nativo e mantido por famílias, a pesquisa verifica os benefícios da cultura para os pequenos agricultores em termos de geração de emprego e renda.

Algodão
Existem hoje no país 24 usinas que podem transformar óleo de algodão em biodiesel. Mesmo assim, ainda é muito pequena a quantidade de combustível produzido com o óleo de algodão, não apenas porque o preço do caroço subiu demais, mas porque a indústria de óleos vegetais e fabricantes de ração disputam o caroço no mercado com os produtores de biodiesel.

Entre os impactos verificados estão o desmatamento do Cerrado, a contaminação ambiental decorrente do uso massivo de agrotóxicos e a ocorrência de trabalho escravo. No Mato Grosso, há problemas em pelo menos três áreas de avanço da cotonicultura: "Sapezal/Campos de Júlio", "Nascentes do Juruena" e "Terra do Papagaio". No Oeste baiano, São Desidério (BA) é o município com maior área plantada de algodão no país (132,4 mil hectares), e Barreiras mentém o quarto posto com 48,9 mil hectares. As preocupações no Cerrado baiano se concentram nas bacias dos rios Corrente e Grande, em função do uso irregular dos recursos hídricos, da contaminação por agroquímicos, da grilagem de terras e da concentração fundiária.

Em relação às contaminações por agrotóxicos, teme-se por possíveis conseqüências ao Pantanal, pois 60% das plantações brasileiras de algodão estão no Centro-Oeste. Quanto ao trabalho escravo, nove fazendas de algodão desde a criação da "lista suja" em 2003. Atualmente, cinco continuam na lista, entre elas duas no Mato Grosso (fazendas Brasília, em Alto Graças, e Maringá, em Novo São Joaquim), duas na Bahia (fazendas Guará do Meio, em Correntina, e Correntina, em Jaborandi) e uma no Piauí (fazenda Perímetro Irrigado da Gurguéia, em Alvorada do Gurguéia). No total, 431 trabalhadores foram libertados da condição de escravidão nas áreas algodoeiras.

Pinhão-manso
As iniciativas de produção de combustível a partir do pinhão-manso, por sua vez, são marcadas pela falta de conhecimento sobre o manejo e potencial de geração de óleo em escala. Liberada recentemente para plantio pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a espécie cobiçada pela alta concentração de óleo sequer dispõe de sementes certificadas no mercado.

Objeto de alguns investimentos estrangeiros - a empresa espanhola CIE Automotive apóia empreendimentos, por exemplo, em Minas Gerais e Mato Grosso - o pinhão-manso não tem empolgado muito os assentados integrados com empresa Biotins, no Tocantins. A baixa produtividade desestimula e até pressiona a segurança alimentar dos pequenos agricultores, que se endividaram para instalar a cultura e firmaram acordos com a empresa.

No Rio Grande do Sul, o cultivo de pinhão-manso recebe investimentos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), como fonte alternativa de energia. Características favoráveis como a perenidade e a boa adaptação à região contrastam com o déficit de informações sobre o processo de produção. Por enquanto, a cautela reina entre os pequenos agricultores que estão experimentando o cultivo.

Milho
O milho não está sendo utilizado para fins energéticos no Brasil, mas vive um boom, motivado por profundas transformações em seu mercado global, lideradas pelo programa dos EUA de geração de etanol a partir do grão.

No Brasil, este fenômeno tem gerado elevação dos preços do grão e o aumento da área cultivada, o que, por um lado, tem pressionado a liberação de variedades transgênicas, potencialmente contaminadoras de cultivares tradicionais, colocado em risco a manutenção do milho crioulo e pressionado as pequenas criações de aves e suínos, altamente dependentes do milho.

Babaçu
O babaçu é a palmeira nativa com maior volume de pesquisas referentes ao potencial de participação da produção nacional de biodiesel, mas nenhum projeto concreto neste sentido está em execução.

O relatório avalia, contudo, que os impactos da valorização do babaçu, cada vez mais demandado pelas siderúrgicas do Maranhão e do Pará para produção de carvão vegetal (essencial para a produção do ferro-gusa a partir do minério de ferro das minas de Carajás), na vida e na cultura das quebradeiras de coco de babaçu no Maranhão, e traça um comparativo com os impactos que a demanda do produto para biodiesel causaria nestas comunidades.

(Repórter Brasil, 23/09/2008)


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