A crise financeira vai afetar o meio ambiente, em particular as políticas de mitigação da mudança climática, que requerem alternativas para a redução permanente de emissões de gases estufa e a substituição de fontes fósseis de energia por fontes zero-carbono ou de baixo carbono.
São vários os efeitos possíveis. Pelo lado da demanda, a desaceleração das economias do EUA e da União Européia reduzirá o consumo de produtos intensivos em carbono. Essa redução pode ser ainda maior no consumo de produtos de baixo carbono, que tendem a ter preço mais elevado. Com a queda de renda, o consumidor fica menos propenso a gastar mais para evitar aumentar as emissões e os danos ao meio ambiente.
Pelo lado da oferta, os efeitos podem ser mais graves e de maior duração. O aperto global de crédito pode reduzir o financiamento do investimento em fontes alternativas de energia. A recessão mais a redução do financiamento enfraquecerão o caixa das empresas, diminuindo o investimento em novas plantas e em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Empresas com investimentos em andamento - plantas em construção ou ampliação, produtos em preparação para lançamento no mercado - verão as perspectivas de seus negócios ficarem menos brilhantes. O que parecia um mercado em rápida expansão, está se tornando um mercado em declínio, embora com retorno ao crescimento no futuro ainda imprevisível, depois do “fallout” da crise. Agora, o pessimismo dominante é igual ou maior que o otimismo que comandou a fase eufórica da bolha. Os mercados estão, no momento, na fase bipolar do ciclo “boom-burst”, o pânico oscila entre depressão e a euforia. O medo gera fuga para a segurança e depressão. Mas, a qualquer alívio, produz a euforia, que alimenta surtos especulativos de curto prazo, na busca histérica de reduzir as perdas.
Cautela e realismo
Mas a tendência é que os mercados se movam rumo a atitudes mais realistas e recomposição cautelosa de posições. Haverá muita rearrumação no mercado financeiro e bancário, troca de posições, demissões e contratações. Esse movimento levará à criteriosa reavaliação de ativos, setores econômicos, empresas, para promover a descontaminação de anos de complacência. Nessa reavaliação, muitos empreendimentos nos setores de energia, podem ser revistos. Pode ser o caso do etanol, especialmente do etanol de milho no EUA e de vários empreendimentos de biodiesel e álcool no Brasil, cujos fundamentos eram e continuam a ser muito duvidosos. Entretanto os setores de “tecnologia verde” (“greentech”) e de energias renováveis sairão muito bem dessa reavaliação, como os mais promissores no médio e longo prazo. Haverá, com toda a certeza, empreendimentos específicos que serão jogados na lata do lixo, porque não tinham fundamento sólido, mas esses setores passarão para o topo das listas de investimentos futuros.
Nos próximos meses, e talvez por todo o ano de 2009, haverá muito menor disponibilidade de crédito para financiar novos projetos de infra-estrutura em energia renovável e medidas de eficiência energética, inclusive projetos de redução de emissões nos mercados emergentes, do que antes da crise. É preciso considerar que dentro da grande bolha financeira, que tinha como seu principal componente o mercado de hipotecas duvidosas, estava em formação uma “bolha verde”. Cansei de ouvir gente de bancos de investimentos e outros investidores no Brasil dizerem que estavam investindo pesado em empreendimentos “sustentáveis”, em “energia verde” e qualquer coisa “verde”. Tudo na base da grande euforia e complacência dominante, com analistas improvisados, projetos fantasiosos, uma revoada de aventureiros chegando com planos mirabolantes nos setores de biocombustíveis. Ninguém tinha ouvidos para alertas sobre os riscos, seja da economia brasileira, seja relativos à qualidade e à viabilidade técnica e econômica desses projetos, cujos fundamentos se esgotavam no último slide do powerpoint.
Agora, os analistas, não os improvisados, mas os encarregados de dizer a verdade inconveniente, ou pelo menos parte dela, a seus clientes e trazer sobriedade às expectativas que eles mesmos atiçaram e inflaram, estão fazendo palestras dizendo que haverá um forte encurtamento do crédito para energia renovável e que o pior ainda vem por aí. Já há estimativas de um enxugamento de crédito para essa área da ordem de US$ 30 bilhões. As estimativas de investimento só no setor de energias renováveis na União Européia eram de US$ 120 bilhões. As novas estimativas podem ser até 35% menores. Essa indisponibilidade pode afetar as metas da UE de chegar a 20% de energia não fóssil em 2020.
Incerteza no etanol
No EUA, há muito nervosismo não apenas em Wall Street e Washington, mas também entre as empresas de energia. Muitas estão com projetos em andamento em energia renováveis, eólica e fotovoltaica, principalmente. Os mais nervosos nesse grupo são os produtores de etanol, com novas usinas em construção ou na fase final de planejamento, e as empresas de etanol de segunda geração, todas com projetos-piloto e planos de lançamento comercial para 2009-2011.
O setor de etanol está sofrendo de vários lados. A estação pesada de furacões este ano - que está ainda pela metade - teve sério impacto sobre as culturas do Meio-Oeste, afetando a produção de milho. Os preços já subiram, depois que o Departamento de Agricultura (USDA) reduziu em 3% suas estimativas para a safra de milho, em função da avaliação dos efeitos do Eike. O corte foi muito além da redução de 1,5% esperada pelo mercado. Os preços da soja também subiram, menos, porém, puxados pelo milho. Má notícia para a Amazônia, que entra no período mais crítico de desmatamento e queimadas, com a seca.
Empresas alcooleiras já estão sendo negativamente avaliadas pelo mercado e estão sendo forçadas a tornar públicas suas necessidades de financiamento. As ações delas caíram em alguns casos mais do que de empresas tradicionais. Elas estão sofrendo com o aumento de custos, por causa dos preços do milho, com a redução de crédito e com as perdas de hedge. Isso apesar de terem crescido vigorosamente nos últimos dois anos e da demanda por etanol estar garantida por uma série de atos regulatórios já em efeito. Mesmo considerando a tendência recessiva da economia, a oferta adicionada de etanol mal acompanha a nova demanda.
O problema maior é a grande quantidade de plantas em construção, que projeta gastos de capital em elevação e o aumento significativo do endividamento líquido de muitas empresas. Se todas as usinas forem construídas, a oferta total de álcool crescerá de perto de 40 bilhões de litros, para 53 bilhões. Legislação aprovada no ano passado requer a mistura de quase 140 bilhões de litros na gasolina até 2022.
Mas, aí, a história é outra, porque nas projeções de mais longo prazo, começam a entrar a substituição do etanol de milho pelo etanol de segunda geração e muitas destas usinas podem se tornar obsoletas antes de amortizarem o investimento para sua construção.
Esse mercado em particular, de etanol de milho, está em situação muito delicada. Com muitas usinas em construção, com o crédito encurtando, as perspectivas econômicas dos empreendimentos sendo reavaliadas de forma muito mais realista. Muitas dessas usinas podem não chegar a entrar em produção, porque seu cronograma de operação e maturação será comprometido pelas expectativas em relação a empreendimentos concorrentes de etanol de segunda geração. A perspectiva do etanol é muito positiva para as próximas duas décadas, mas não do álcool de milho. A reação européia a biocombustíveis produzidos de matérias-primas alimentares, aumenta a atratividade de fontes alternativas de etanol e reduz o interesse no etanol de milho. Vários analistas dizem que a indústria vai precisar mais subsídios para atravessar essa turbulência. Mas não haverá caixa para subsídios, porque o resgate do setor financeiro vai custar os olhos da cara do contribuinte, o déficit público do EUA vai aumentar muito e o próximo presidente não terá recursos para subsídios. Ao contrário, terá que reduzir os gasto.
No Brasil, o dilema do mercado de álcool é diferente. De um lado, o álcool de cana não envolve os mesmos riscos para a segurança alimentar que o etanol de milho. De outro, há muitos empreendimentos com fundamentos furados, que terão dificuldades para manter linhas de crédito e, mesmo, financiamento pelo mercado acionário. Além disso, a aposta no etanol de segunda geração também altera o cálculo relativo à atratividade do álcool de cana de primeira geração. No caso do bagaço, isso exigirá esforço de P&D das empresas. Podem transformar o risco em vantagem. Mas há, agora, outra ameaça nesse mercado que é o etanol de segunda geração a partir de rejeitos de eucalipto, que traz novos atores para esse mercado.
O Futuro é verde?
Feito o rescaldo da crise, os setores de “greentech” e “energia verde” continuarão atraentes e promissores, porque a mudança climática é um problema real, um desafio que perdurará pelas próximas décadas, e fonte crescente de preocupação e pressão.
É até mesmo possível, se não provável, que a recuperação econômica e financeira seja liderada por esses setores ligados à mitigação da mudança climática, como energias renováveis e eficiência energética; tecnologias verdes em geral, na construção, na indústria de materiais, nos transportes; “green IT”. Essa última envolve vários segmentos, não só aqueles que darão sustentabilidade ao setor de informática, mudando materiais e aumentando a eficiência energética. Mas aqueles que permitem usar a informática na gestão de recursos e no controle de emissões de carbono; seqüestro e compensação real de carbono.
Com o fim da complacência é quase certo de que terminou, e não voltará por muito tempo, a era dos investimentos enganosos, da maquilagem, das propostas sem fundamento seguro. Apesar dos sacrifícios para pagar anos de ganhos fáceis, o saneamento dos mercados pode ser muito positivo, no futuro, para segmentos econômicos que melhoram as perspectivas com relação à capacidade dos países para lidar com o desafio da mudança climática.
(Por Sérgio Abranches, OEco, 22/09/2008)