Desde a década de 1960, modelos teóricos modernos atribuem as mudanças cíclicas na atividade solar à existência de um dínamo – produzido por um complexo processo de movimento das camadas do interior do Sol – que é responsável pela amplificação e manutenção do imenso campo magnético solar.
No entanto, os modelos de dínamo atuais ainda não são capazes de explicar satisfatoriamente os fenômenos magnéticos em larga escala observados no Sol. Pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveram um novo modelo que, combinado aos já existentes, ajuda a compreender a complexa dinâmica do campo magnético solar com mais fidelidade à realidade observada.
A pesquisa, que corresponde ao doutorado de Gustavo Guerrero no IAG, foi destaque da edição de julho da revista Astronomy & Astrophysics, em artigo assinado junto com a sua orientadora, Elisabete de Gouveia Dal Pino. O estudo, ainda em andamento, está relacionado a um Projeto Temático da FAPESP coordenado pela professora no Departamento de Astronomia do IAG.
De acordo com Guerrero, criar um modelo tridimensional do dínamo solar é uma tarefa difícil de realizar experimentalmente e os que já existem não reproduzem em grande escala os fenômenos que ocorrem dentro do Sol. O novo estudo propõe um modelo bidimensional combinado com alguns dos tridimensionais.
“Os modelos tridimensionais não abrangem todo o interior solar, mas apenas cubos menores dentro da camada convectiva. Eles fornecem alguns parâmetros que, incluídos no nosso modelo bidimensional global do Sol, explicam como é o transporte do campo magnético no interior solar, reproduzindo algumas características observadas em grande escala”, disse Guerrero à Agência Fapesp.
O interior do Sol é estratificado em camadas. Em torno de um núcleo onde os fótons viajam por radiação através da matéria, há uma camada convectiva na qual a luz é transportada por células convectivas. “As células que contêm o material extremamente quente das camadas mais internas substituem as mais frias das camadas superiores, modificando constantemente o interior da estrela”, explicou Elisabete.
Enquanto o núcleo radiativo do Sol gira como se fosse um corpo sólido, com uma velocidade homogênea, a camada convectiva faz um movimento conhecido como rotação diferencial.
“A camada convectiva é como uma cebola, em que cada camada superposta gira em uma velocidade distinta, que vai diminuindo conforme se afasta do equador. Observa-se que o equador completa um período de rotação em aproximadamente 24 dias, enquanto que o pólo completa um período em cerca de 28 dias. Isso cria um movimento complexo, com rotação diferencial tanto ao longo do raio como da latitude solar, que é fundamental para a ação de dínamo”, disse.
Dínamo estelar
Segundo Elisabete, para que um dínamo funcione, a rotação induz, sobre as partículas carregadas do fluido, o aparecimento de correntes elétricas, que por sua vez geram campos magnéticos perpendiculares à direção dessas correntes. No Sol, os movimentos convectivos e a rotação diferencial ampliam e mantêm constantemente a operação do dínamo.
“A estrela tem os ingredientes essenciais para que isso ocorra, já que há rotação diferencial e um fluido de partículas carregadas. O movimento das células convectivas gera energia mecânica, que é transformada em energia magnética”, disse.
O campo magnético criado pelo dínamo tem duas fases diferentes, invertendo sua polaridade a cada 11 anos. As fases correspondem aos períodos de maior ou menor atividade solar. Durante metade desse tempo, o campo magnético se alinha em relação aos pólos, como se traçasse linhas meridionais – isto é, forma-se um forte campo de dipolo. Na outra metade desse tempo, o campo magnético se forma no sentido da longitude: um campo toroidal. "Essa história se repete nos 11 anos seguintes, ao final dos quais o campo tem a mesma polaridade inicial, completando assim um ciclo total de 22 anos", afirmou.
O modelo de Babcock-Leighton, concebido na década de 1960, descreve essa dinâmica, na qual o campo magnético do Sol se organiza na direção dos pólos e periodicamente começa a decair, formando um campo na direção do equador, iniciando a formação de manchas solares e reiniciando o processo.
“Durante essa primeira fase do ciclo, a atividade solar é pouco intensa e o campo magnético no interior do Sol está se rearranjando para criar novos campos em escala poloidal. A rotação diferencial, no entanto, transforma esse campo de dipolo em um campo toroidal. Nesse estágio do ciclo, a componente toroidal predomina e a atividade solar chega ao auge”, explicou Elisabete.
Em seguida, esses campos toroidais intensos se organizam em estruturas filamentares conhecidas como tubos de fluxo magnético. Esses tubos de fluxo são mais leves que o meio que os rodeia na camada convectiva e, então, emergem para a superfície. Os tubos formam “loops” de campo magnético que saem para a fotosfera do Sol, formando manchas solares. Os pequenos “loops” se combinam em um processo de reconexão magnética, formando outros maiores.
“Esses ‘loops’, que se concentram no equador, formam manchas cada vez maiores que vão derivando em direção aos pólos, com a parte negativa voltada para o pólo positivo e vice-versa. Na metade do período de 11 anos, esses ‘loops’ são tão grandes que formam novamente um gigantesco campo poloidal”, disse.
A cada 11 anos, portanto, o campo toroidal se intensifica, com um novo ciclo de manchas solares, mas com polaridade invertida – isto é, se o pólo norte era negativo, torna-se positivo. A cada 22 anos, o ciclo retorna à polaridade original.
“O processo todo é muito complexo. O que à primeira vista parece um caos é, na realidade, um dínamo que funciona com precisão. O que faz com que ele funcione de modo tão maravilhoso é o que ainda não compreendemos bem. Por isso precisamos criar modelos que expliquem essa atividade, a fim de compreender o interior solar”, disse a professora do IAG.
Modelo realista
De acordo com Guerrero, os modelo existentes até agora só consideram a evolução da componente do campo magnético em grande escala. No entanto, conhecer a pequena escala do campo magnético e dos movimentos é fundamental.
“Como o efeito das pequenas escalas sobre as grandes é muito difícil de compreender, temos que recorrer a simulações numéricas tridimensionais. Mas há grandes limitações computacionais para fazer isso em um modelo que abarque o Sol por completo”, afirmou.
Por conta disso, o modelo global utiliza resultados de simulações tridimensionais. Essas simulações incluem todos os ingredientes físicos considerados realistas, mas recorrem a pequenas caixas cúbicas que correspondem a pedaços do Sol. Essa alternativa fornece informações mais completas sobre o efeito de bombeamento turbulento que provoca o transporte de campo magnético no interior solar.
“No lugar de fazer a simulação global, as simulações tridimensionais recorrem a várias pequenas simulações alterando o local e rotação de cada caixinha. Desse modo, consegue-se calcular as componentes turbulentas e compor a ação da pequena escala na grande escala. Nós empregamos um modelo bidimensional para compreender a evolução do campo magnético na grande escala, incluindo, de uma forma mais realista, a contribuição turbulenta calculada nas pequenas escalas pelas simulações tridimensionais ”, contou.
Guerrero afirma que o aspecto mais relevante do trabalho é que pela primeira vez efeitos de transporte turbulento foram aplicados a um modelo bidimensional. A inclusão do conceito de transporte turbulento, segundo ele, ajuda a reunir uma peça essencial para completar o modelo e explicar vários dos problemas apresentados na literatura.
“Não há nenhum modelo de Babcock-Leighton que inclua o transporte turbulento. No entanto, existem modelos que recorrem a outras possibilidades para obter resultados também próximos da realidade. Muitos deles, porém, utilizam hipóteses pouco realistas”.
Segundo o pesquisador, ter um modelo do ciclo solar não é útil apenas para se conhecer a física do dínamo solar, mas também pelas implicações dos processos solares na Terra.
“Nos períodos de máxima atividade solar, quando a componente toroidal chega ao pico, há fenômenos de ejeção de massa coronal que geram tormentas magnéticas, causando as auroras boreais. É importante saber quando esse fenômeno terá grande intensidade, porque ele pode afetar telecomunicações e redes de energia”, disse.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 22/09/2008)