Quando observamos Santiago do Chile e Buenos Aires, logo imaginamos o que essas metrópoles têm em comum com a nossa cidade, observa Sandra Lencioni, professora do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “O que nos surpreende é que realmente há muitas semelhanças na forma como elas têm se organizado no território urbano.”
Pesquisar, refletir e debater as transformações socioterritoriais das grandes áreas metropolitanas em uma visão comparada dos casos de Buenos Aires, Santiago e São Paulo é a meta do projeto de pesquisa apoiado pelo Programa Sul-Americano de Apoio às Atividades de Cooperação em Ciência e Tecnologia (Prosul) do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Sob a coordenação geral de Sandra Lencioni, esse projeto da USP – através da FFLCH e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) –, implantado em 2006, envolve a cooperação de pesquisadores de diferentes países e com diversas formações científicas, que buscam compreender as cidades e os processos socioterritoriais de sua transformação.
“O desenvolvimento da pesquisa trouxe vários desafios, desde a necessária construção de referências teóricas e metodológicas que pudessem dialogar entre si até a identificação de processos mais ou menos semelhantes que vêm transformando a produção social do espaço nessas principais metrópoles da América do Sul”, explica Sandra. “Essa cooperação e os resultados dessa pesquisa conjunta vêm contribuir para o conhecimento e compreensão dos processos que afetam essas metrópoles da América Latina, particularmente as do Cone Sul.”
Sandra afirma que ao longo de todo o desenvolvimento do projeto, por meio da produção de seus participantes e de realização de reuniões científicas de avaliação, uma certeza já se faz presente. “Conseguimos possibilitar a consolidação de intercâmbios entre as universidades e centros de pesquisa dos países envolvidos.”
Ciclo de difusão
Nos dias 8 e 9 passados, os especialistas que participam do projeto realizaram, na Cidade Universitária, em São Paulo, a conferência Globalização e Revolução Urbana na América Latina. O programa teve a participação de instituições da Argentina – entre elas a Universidad de Buenos Aires e a Universidad de Morón – e do Chile (Pontifícia Universidad Católica de Chile e Instituto de Geografia). O Brasil foi representado por pesquisadores da FAU e da FFLCH da USP.
“Essa reunião completa um ciclo de difusão, apresentações e avaliação que se iniciou com uma reunião em Porto Alegre, seguida de reuniões em Montevidéu, Santiago e Buenos Aires”, esclarece Sandra.
São Paulo, Santiago e Buenos Aires, segundo os pesquisadores, têm em comum o fato de serem as principais metrópoles de seus países, embora a cidade brasileira não seja capital nacional, como nos demais casos. “Todas foram atingidas pelas políticas neoliberais, multiplicaram suas centralidades, reconfigurando a densidade, ocupação e uso do território, por diversos processos de concentração, bem como passaram a ser objetos de planejamentos estratégicos. Elas são metrópoles importantes da América Latina e passam por processos contemporâneos de transformação que desafiam o pensamento sobre as cidades, motivando o fortalecimento de cooperação e de realização de pesquisas conjuntas.”
Cidade fragmentada
Com uma experiência de quase quatro décadas acompanhando e pesquisando o desenvolvimento das metrópoles de diversos países, o arquiteto e urbanista Carlos de Mattos foi um dos especialistas que participaram da conferência “Globalização e Revolução Urbana na América Latina”. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile e diretor da Revista Latino Americana de Estúdios Urbano Regionales, Mattos lembra que “cada cidade é uma experiência única”. Porém, aponta uma tendência comum entre Buenos Aires, Santiago e São Paulo: “Os interesses imobiliários vêm criando bairros fechados. São uma espécie de condomínios que acabam tendo suas próprias escolas, supermercados, clubes, escritórios, empresas, shoppings, centros de conferência”.
Mattos compara Alfaville ao bairro de Piedra Roja, ao norte de Santiago. “Esses bairros privilegiados acabam gerando, nas proximidades, um outro bairro pobre, onde residem as pessoas que trabalham naquelas casas e servem como apoio desses espaços fechados.”
A violência, o trânsito e os interesses imobiliários têm, segundo o especialista, impulsionado a tendência dos bairros fechados. “Há aspectos muito negativos nessa tendência: ela cria uma sociedade individualista. As pessoas acabam deixando de considerar a cidade como um todo. A cidade vai ficando cada vez mais fragmentada.”
Mattos conta que há poucos meses esteve na Cidade do México e ficou impressionado com os limites impostos pelos bairros fechados. “Eu gosto muito de caminhar. Pensei em dar uma volta de 40 minutos. Atravessei a avenida e só consegui voltar depois de três horas porque todas as ruas estavam bloqueadas pelos muros altos dos condomínios.”
Na avaliação do especialista, São Paulo precisa, com urgência, repensar os espaços públicos, garantir a urbanização das favelas e a educação nas escolas públicas. Porém, elogiou as iniciativas para recuperar o centro histórico e a despoluição visual da cidade.
(Agência USP, 19/09/208)