No plenário da Câmara Municipal, Dejacir Américo de Souza, 63, agarra o microfone com as duas mãos para conter o tremor. É um dos sintomas que o funcionário da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) atribui aos 15 anos em que manipulou DDT, quando viaja pela floresta amazônica por até seis meses combatendo a malária.
Morador de Brasiléia (230 km de Rio Branco), Dejacir é um dos cerca de 450 casos de funcionários da extinta Sucam (Superintendência de Combate à Malária) com suspeita de envenenamento pelo inseticida no Acre. Outros 50 teriam morrido por esse motivo desde 1994, mostra levantamento da Assembléia do Acre e do grupo DDT e a Luta pela Vida, criado por supostas vítimas.
Há 42 anos na ativa, Dejacir entrou no combate à doença em 1967, antes mesmo da Sucam -naquele tempo era a CEM (Campanha de Erradicação de Malária). No depoimento, diz, que foi admitido sem exame médico. "Eles só me perguntaram: "Você sabe nadar, você sabe passar três dias com fome'", afirmou durante a sessão realizada anteontem.
"As pessoas que resistiam são as que tinham sangue no olho. Tinha que estar disposto a passar fome, a passar por cima do que fosse par fazer o trabalho", diz no seu depoimento Raimundo de Souza, outro ex-funcionário da Sucam com suspeita de envenenamento.
Tidos como heróis no Acre, os chamados guarda da malária eram facilmente reconhecidos pelo uniforme bege e o capacete de alumínio. Embrenhados na selva por até seis meses carregando mochilas que chegavam a 45 kg, comiam e dormiam nas casas de seringueiros ou na floresta. Para ilustrar como o lugar era longe, costuma-se dizer no Acre que "nem a Sucam havia chegado".
"Ficava meses na floresta e estava casado com mulher nova. Peguei foi muito chifre, essa é a verdade", brinca o guarda da malária Evilásio Meireles, 56. "Eu só fui conhecer a minha filha quando ela já tinha três meses", conta Dejacir. Se sobrava empenho no trabalho, falta conhecimento sobre o até hoje controvertido DDT (diclorodifeniltricloroetano), um inseticida altamente eficiente contra mosquitos, mas que já foi banido por vários países, entre os quais os EUA. No Brasil, o governo federal deixou de utilizá-lo em 2002.
"Eles não tiveram nenhum treinamento", diz a deputada estadual Idalina Onofre (PPS-AC), integrante da comissão parlamentar que já colheu cerca de 140 depoimentos em 11 cidades do Estado. Os depoimentos de Brasiléia revelam mal uso do produto. "Muitas vezes, a mãe da criança vinha com um negócio de piolho, coceira, e eu inocentemente dava banho de DDT naquela criança", lembra Dejacir.
Outro funcionário da extinta Sucam, Antonio dos Reis conta que, ao lavar seus equipamentos nos igarapés, vários peixes morriam. "E automaticamente, a gente comia." A falta de habilidade com o produto não se restringia aos guardas da malária. O médico da Sucam Edson Chaves costumava colocar DDT num copo de água e beber para mostrar que o inseticida era inofensivo. Hoje, de acordo com a deputada Onofre, ele está entre os suspeitos de intoxicação.
Onofre diz que os casos suspeitos apresentam sintomas parecidos: tremor parecido ao mal de Parkinson, problemas no sistema nervoso e dor nas articulações. Em média, esses funcionários ficaram expostos ao DDT por dez anos. Dejacir reclama de dor nas mãos, no estômago, na vesícula, na nuca e na cabeça. Diz que sua mulher e sua filha apresentam sintomas semelhantes. Ele acredita que todos estejam contaminados porque sua casa servia de depósito do DDT.
Exames
A comissão registrou apenas seis funcionários que fizeram exame de contaminação -sempre com resultado positivo. Em todos esses casos, os guardas da malária tiveram de pagar do próprio bolso para viajar e fazer o exame em Brasília. Na sessão de anteontem um guarda da malária contou ter contraído um empréstimo de R$ 8.000 para fazer o exame. Já outro colega disse que utilizou as passagens ganhas de um deputado para ver a formatura do filho na Paraíba para viajar até o Distrito Federal.
(Por FABIANO MAISONNAVE, FSP, 21/09/2008)