Com 240 mil veículos a mais nas ruas de São Paulo nos últimos seis meses, que se uniram a uma frota de seis milhões, o carro é cada vez mais um pesadelo no qual os paulistanos se vêem imersos diariamente. Parado nos congestionamentos -o recorde foi de 266 km em maio- ou na disputa inglória por uma vaga livre para estacionar, o automóvel virou um trambolho que coloca em xeque a própria sobrevivência da metrópole.
Para se locomover na cidade, 45% dos paulistanos preferem o carro e outros 55% usam meios de transporte coletivos. O grupo que usa metrô, ônibus e trem cresceu nos últimos cinco anos --eram 52,3% em 2002. Mas os fatores que levaram a esse fenômeno foram o aumento na renda das classes C e D e programas da como o Bilhete Único, que permitiram a inclusão de novos usuários.
"A classe média não migrou para o transporte coletivo. Para isso, falta uma política de integração de transportes e mais conforto nos ônibus e no metrô", diz a urbanista Raquel Rolnik. A rede de metrô de SP dispõe apenas de 60 km. A de Nova York tem 369 km, e a de Londres, 400 km. São exemplos de metrópoles em que o carro não é a melhor opção.
Abdicar do carro em São Paulo é uma decisão corajosa. Mas, para um grupo de moradores, essa foi uma saída. Eles aboliram ou restringiram ao máximo o uso do carro próprio. A Folha apresenta as razões de três deles, que sintetizam o nó que é depender de um automóvel em São Paulo.
Gastos levaram à bicicleta
O produtor Alberth Murta, 26, acumulou R$ 1.200 só de multas no último ano. O IPVA de seu Fiat Strada foi de quase R$ 800. Fora gasolina, licenciamento e outros gastos. "Fiz as contas e, somando tudo, é um dinheiro que posso investir em um curso, por exemplo", diz.
Alberth decidiu vender o carro, que já tem comprador. Além dos gastos, a decisão de se desfazer do veículo tem outros fatores. "Estou fazendo isso também por causa de toda a loucura que gira em torno do automóvel em São Paulo", diz. "A vida social urbana, por aqui, simplesmente não existe. As pessoas mal se olham na cara."
Para substituir o carro, o produtor passará a usar, de agora em diante, bicicleta e táxis, intercalados. De bicicleta, ele vai contribuir com as 345 mil viagens sobre duas rodas realizadas diariamente na capital.
Andando a pé
O diretor de planejamento Alex Vendrametto, 42, nunca gostou de dirigir. Mas a falta de vagas livres nas ruas e o preço dos estacionamentos -os valores chegam a R$ 15 por hora- o fizeram decidir caminhar a pé até o trabalho. "Eu só uso [o carro] em situações específicas, como viajar ou sair à noite", conta ele.
O trajeto de Moema ao Jardim Europa, passando por ruas mais tranqüilas do bairro onde mora, rouba cerca de 50 minutos do empresário apenas para a ida. Não é tanto para quem já chegou a fazer o mesmo caminho em mais de duas horas, dentro de um automóvel. "Depois de um tempo, isso se torna um vício. Você passa a gostar de andar a pé e a prestar atenção em coisas que não são possíveis de notar do carro."
Mais cidadania
Abdicar do carro pode ser uma opção ideológica. "Eu sinto que exerço melhor minha cidadania", resume a atriz e professora Luciana Canton, 36, quando questionada sobre sua decisão de vender o carro. "Antes disso, eu era uma patricinha que andava pela cidade com os vidros sempre fechados", diz.
A decisão foi tomada depois de três anos vivendo em Nova York, onde é preciso gastar em média US$ 40 diários (cerca de R$ 75) para estacionar. "Foi lá que eu "desbitolei" [do carro]", brinca. "Hoje, estou acostumada a pegar ônibus e metrô." Sobre a possibilidade de violência, Luciana argumenta que "a única vez em que fui assaltada, eu estava de carro". Também pesaram para a decisão dela as questões ecológicas. Na cidade de São paulo, 80% das fontes poluidoras são compostas por automóveis.
(Por GUSTAVO FIORATTI, Revista da Folha, 21/09/2008)