A América do Sul está vivendo uma fase de distanciamento entre os governos e desintegração energética diante das políticas desencontradas de vários países e do fracasso da nacionalização na Bolívia. O alerta é a da Agência Internacional de Energia (AIE), que publicou ontem relatório sobre o tema, em Paris. Segundo o documento, os paradoxos são tantos na região que projetos de gasodutos estão sendo abandonados, apesar dos recursos abundantes.
Para a agência, a falta de gás na América do Sul transformou-se em problema "endêmico", e a demanda no Brasil mais que dobrará até 2012. O País, porém, poderá transformar-se em exportador de gás, dependendo do resultado da exploração das novas reservas de Tupi e Júpiter.
A AIE, entidade controlada pelos países ricos, aponta que a Bolívia está dependente hoje do Brasil e, por isso, tentando acertar um pacto com Brasília. Com a promessa de que a Petrobrás invista no País, daria preferência ao mercado brasileiro sobre o argentino no fornecimento de gás.
De acordo com o relatório, o crescimento da produção de gás na Bolívia está estagnado e dificilmente o país conseguirá atrair os investimentos necessários para cumprir os contratos assinados nos últimos anos com Argentina e Brasil. A agência estima que o país terá de investir US$ 3,5 bilhões até 2012 para entregar o gás prometido. Isso equivale aos investimento dos últimos 12 anos. Diante da confiança baixa dos investidores no país neste momento, a meta seria difícil de ser atingida.
O problema, para a AIE, é que a demanda de gás no Brasil cresce mais rápido que a produção nacional e deve dobrar até 2012, em comparação a 2006. Por isso, a estratégia é diversificar as fontes e incrementar a produção nacional. "Em 2007, 40% do fornecimento de gás vinha da Bolívia. Mas com a instabilidade política no país e o processo de nacionalização, o Brasil freou seus esforços para incrementar a capacidade de importação do gasoduto."
A agência admite que as futuras importações de gás vão depender da velocidade d a Petrobrás em desenvolver as reservas de Tupi e Júpiter. Os campos poderiam ser usados para a produção de GNV no País.
CLIENTE PREFERENCIAL
No caso da relação entre Brasil e Bolívia, a AIE estima que os bolivianos darão prioridade ao mercado brasileiro sobre o argentino. "A Bolívia decidiu cortar o fornecimento de gás para a Argentina para garantir seu acordo com o Brasil. Em troca, a Bolívia espera que o Brasil cumpra seu plano de investimentos de US$ 1 bilhão nos próximos cinco anos para aumentar a produção de gás, que atualmente é baixa", explica a agência.
A AIE destaca a confusão em que se transformou o mercado sul-americano de gás. A região produz mais do que consome. Mas vários países começam a importar GNV de fora da região diante da instabilidade. "Os paradoxos são tais que, apesar de a região ter reservas substanciais de gás, o recente surto de nacionalizações de recursos (Bolívia e Venezuela) e políticas econômicas sem base (Argentina) fizeram com que os principais consumidores buscassem o fornecimento fora da região", diz o relatório.
"O resultado é que vários projetos de gasodutos foram abandonados, incluindo o grande gasoduto do Sul que teria de conectar a Venezuela ao Brasil, Argentina e Chile", disse. Outro projeto cancelado foi o do Peru ao Mercosul, a duplicação do Gasbol entre Bolívia e Brasil e outro entre Paraguai e Uruguai. Para completar, o Peru, único que desenvolve projeto de exportação de GNV, já avisou que destinará 75% da produção para o México.
(Por Jamil Chade, O Estado de S. Paulo, 19/09/2008)