O projeto Encauchados de Vegetais da Amazônia representa uma nova alternativa econômica a indígenas e seringueiros que dependem da floresta amazônica para viver. A iniciativa, desenvolvida pela Poloprobio, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), possibilita uma forma sustentável de produção de borracha e mantém um acordo de cooperação técnica com a Universidade Federal do Acre para o repasse dessa tecnologia a comunidades amazônicas.
O idealizador e coordenador do projeto, Francisco Samonek, faz pesquisas relacionadas à borracha da Amazônia há 26 anos e, desde esta época, mantém relação próxima com seringueiros da região. De acordo como pesquisador, os índios já produziam, artesanalmente e para uso local, uma linha diversificada de produtos originários do látex, tais como: potes, vasos, garrafas, pratos, sapatos, roupas, sacos e cobertura de tendas, antes de serem considerados materiais para a produção industrial. Os produtos fabricados desse modo eram chamados encauchados, termo indígena que significa "árvore que chora", em alusão ao látex, que escorre no processo de sangria.
A técnica nativa consistia na colocação do látex em moldes, que variavam de acordo com o produto desejado, e sua desidratação em temperatura ambiente, para que a água evaporasse e a parte sólida da mistura permanecesse, tomando o formato buscado. Samonek explicou que o procedimento criado pelos índios foi assimilado pelos seringueiros no Ciclo da Borracha (Século XIX), devido a sua necessidade de utilizar o saco encauchado para o transporte de utensílios pessoais sem o risco de molhá-los. Essa prática sobreviveu até a década de 1980.
“O que fazemos hoje é a recuperação desta técnica do saber popular, combinando-a com a vulcanização artesanal do látex e sua mistura a cargas vegetais, como o pó-de-serra, e pigmentos vegetais”, definiu Samonek. Ele ainda destaca que, pelo seu projeto, o látex é pré-vulcanizado e desidratado em temperatura ambiente, sem a necessidade de outra energia além daquela advinda do fogo e do calor solar.
A tecnologia industrial comumente aplicada à borracha é a vulcanização, empregada com o objetivo de melhorar a qualidade do material e também de misturá-lo a cargas, como caulim, sílica e carvão mineral, gerando compostos. Ambos os processos exigem máquinas sofisticadas e energia elétrica.
Histórico
O projeto dos encauchados começou em 1988, no município do interior do Acre chamado Tarauacá. Na época, a produção de borracha amazônica era financiada pela Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), com recursos da extinta Taxa de Organização e Regulamentação do Mercado da Borracha (TORMB), cobrada sobre a borracha importada.
No entanto, o plano Sarney de 1986 congelou os preços do produto em valores defasados e, durante o governo Collor, a SUDHEVEA, com mais de 700 funcionários, faria parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), passando a ter menos de dez funcionários. Nesse momento, foram extintos todos os programas de governo que antes garantiam a economia seringueira na Amazônia, e diversas usinas da região foram fechadas. “Os seringalistas viraram fazendeiros, e os seringueiros, em sua maioria, foram para as periferias das cidades amazônicas, abandonando os seringais”, conta Samonek.
Os índios, que viviam isolados nos altos rios, com o vazio deixado pelo abandono dos seringais, conseguiram recuperar áreas hoje demarcadas e homologadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), como as Terras Indígenas (TI): Kaxinawá de Nova Olinda, Kaxinawá do Seringal Curralinho e Katukina/Kaxinawá do rio Envira. Foi quando os pesquisadores partiram em busca de alternativas para a sobrevivência sustentável da atividade seringueira, baseando-se no desenvolvimento de uma tecnologia capaz de agregar valor à base produtiva e às condições do ambiente, sem competir com a produção dos seringais de cultivo.
“Os povos da Amazônia viviam em pobreza absoluta, dependência extrema, dificuldades astronômicas e isolamento no meio da floresta. Qualquer resultado que se atingisse por pequeno que fosse, seria grandioso, devido à grande penúria enfrentada pelos seringueiros”, afirmou Samonek.
O projeto teve início formal em 1994, quando, segundo Samonek, suas investidas para o mercado foram sufocadas por grupos concorrentes, interessados em manter seus lucros obtidos junto ao poder público e político dominante. Ainda assim, a idéia sobreviveu na comunidade de 32 pessoas, Maguari, localizada em Belterra (PA). Em 2004, o projeto ressurgiu com mais consistência, e sua pesquisa foi aprofundada e consolidada em uma dissertação de mestrado no Curso de Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da UFAC, defendida em 2006.
Neste ano, o Projeto foi o vencedor do Prêmio Equatorial 2008 do Programa das Nacões Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e, no próximo dia 03 de outubro, Francisco Samonek o professor Jacó César Piccoli, diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFAC, irão a Barcelona, na Espanha, para receber a premiação e também participar do Congresso Mundial para a Conservação.
Parceria entre pesquisadores e comunidade é firmada passo a passoOs critérios avaliados para que um grupo seja beneficiado pela tecnologia são: o convívio com seringueiras, mão-de-obra ociosa, conhecimento tradicional e necessidade econômica. O projeto disponibiliza seu auxílio tecnológico a convite da própria comunidade que, após contato com a técnica, decide se aceita ou não a ajuda e estabelece uma parceria com os pesquisadores. Após aprovado, o projeto, começa a ser executado.
Samonek explica que o projeto é ambientalmente responsável, na medida em que as seringueiras não são eliminadas e, necessariamente, sobrevivem em meio à floresta preservada. “Esta é uma alternativa econômica em que a floresta não precisa ser substituída como na agropecuária”, afirma o professor.
Ele ainda destaca que as melhorias econômicas resultantes da parceria são imediatas e significativas, pois, logo após as oficinas, a comunidade beneficiada já dispõe de produtos com grande valor agregado para a venda. Segundo Samonek, pelo sistema convencional, os produtores ganham R$ 2 por kg da borracha bruta produzida. Já com a nova técnica, eles passam a ganhar R$ 50. Com isso, a população adquire bens e objetos de uso pessoal que antes lhe eram inacessíveis.
(Amazonia.org.br, 18/09/2008)