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impactos mudança climática br política agrícola brasileira
2008-09-19

Se não se mudar o modo de produção agropecuária no Mato Grosso, os efeitos das mudanças climáticas daqui a 60 anos sobre a principal atividade econômica do estado será bastante prejudicada. Pesquisas e estudos apresentados no seminário sobre impactos das mudanças climáticas na agricultura, realizado em Cuibá (MT), entre 9 e 11 de setembro, pelo ISA e pelo ICV, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso, mostraram que é preciso buscar novos caminhos.

A pesquisa Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil realizada pela Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) revela que as perdas na agricultura por conta do aquecimento global podem atingir R$ 14 bilhões no ano de 2070. Ou seja: uma perda de até 40% em relação às safras recordes registradas na última década. As conclusões foram apresentadas pelo pesquisador da Embrapa, Gianpaolo Pellegrino, a 160 pessoas vindas de 26 municípios matogrossenses, entre especialistas, produtores rurais, agricultores familiares e indígenas durante o seminário As Mudanças no Clima e a Agricultura de Mato Grosso: impactos e oportunidades. E suscitaram debate e reflexões sobre a necessidade de se buscar novos caminhos para a principal atividade econômica do Estado do Mato Grosso.

O estudo analisou nove culturas e destas, apenas uma – a cana-de-açúcar e a mandioca – apresentam um quadro mais favorável. As demais, algodão, arroz, café, feijão, girassol, milho e soja, devem sofrer enormes perdas de áreas para o plantio.

“A idéia de uma nordestinização da agricultura brasileira não é perfeita, mas mostra que as culturas de calor, tradicionais da região nordeste, como a mandioca e a cana podem aumentar em todo o país. Mas ironicamente sofrem baixa em sua área de origem podendo agravar a segurança alimentar na região que tem na mandioca a base de sua dieta”, afirmou Gianpaolo. “A soja perde muito espaço e fica mais difícil plantar café em Minas e São Paulo, berço histórico dessa cultura”. Com o calor, os estados do sul do País poderiam ser favorecidos por essas culturas, hoje irrelevantes em termos de produção.

A necessidade de procurar caminhos e alternativas para a sobrevivência diante do atual quadro do aquecimento global também foi bordado em bate-papo que precedeu o seminário reunindo a imprensa no histórico prédio do Palácio da Instrução, na capital matogrossense, com o jornalista Marcelo Leite, especializado em jornalismo científico e meio ambiente ,e que acompanha o tema há quase 20 anos. Cerca de 40 jornalistas ouviram dele uma avaliação sobre a questão do clima e o papel da imprensa e da comunicação. “Entramos em um novo patamar de comunicação e de aceitação das mudanças do clima. Sabemos que elas estão em curso e devemos nos preparar para o que vem pela frente”, disse Leite. “Os jornalistas não discutem mais se elas vão existir ou se são culpados os seres humanos. Temos de saber como poderemos sobreviver a elas”. O coordenador da Iniciativa Mudanças Climáticas do ISA, Márcio Santill, concordou. “A iniciativa de conhecer e discutir o problema é fundamental para que possamos agir como povo, como nação global e nos preparar para o futuro, juntos”.

Futuro quente
O futuro será de calor e essa é uma das poucas certezas que os modelos climáticos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês, podem prever. A diminuição das chuvas para o Estado do Mato Grosso já não é tão certa assim. Os índices apresentados pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Antonio Manzi, em sua palestra apontam para um aumento de 3,5 a 7,5 graus celsius no estado até o ano de 2100. Mas na análise da quantidade de chuva as previsões dependem de modelos climáticos usados para fazer a previsão. “Os modelos do Hadley Center em sua versão 3 apontam para perdas de até 20% nas chuvas do estado mas o modelo CCCSM3 aponta um aumento de chuvas entre 5% e 10%”, conta o pesquisador que é membro do IPCC. Ele conta que ainda há muita incerteza nas previsões mas que os estudos são fundamentais para entender os cenários locais uma vez que os modelos produzidos até agora fazem apenas uma análise global das mudanças climáticas.

Depois de cada manhã de palestras com pesquisadores e especialistas, eram formados grupos de discussão para levantar recomendações para o governo do Mato Grosso traçar políticas públicas eficientes para a mitigação e adaptação às mudanças. A divisão foi feita entre Agricultura intensiva, agricultura familiar, agroindústria e pecuária além da agricultura indígena. Todos foram unânimes ao recomendar no documento final, que se invista pesado em estudos específicos para o estado. O grupo de agricultura indígena pediu que o tema fosse melhor explicado nas aldeias para que pudessem tomar as decisões sobre o futuro junto com os não-índios.

Carbono e fumaça
“Nós não conseguimos ver o carbono, é fumaça, é isso? A gente vê que a queimada que fazíamos antes para preparar o roçado agora está muito mais difícil de controlar. Vemos mudanças nas rotinas dos animais e das plantas, mas não conseguimos entender como o carbono está causando tudo isso”, questiona Winti Kïsêdjê que mora na Terra Indígena Wawi, no Parque Indígena do Xingu. Na tentativa de explicar para as oito etnias presentes ao encontro como o aumento da quantidade de carbono na atmosfera terrestre pode estar influenciando o aumento a temperatura do planeta e de que forma as árvores podem ajudar a retirar esse elemento do ar, o coordenador do Programa Xingu do ISA, André Villas Boas, fez uma pequena palestra ao grupo. Aprofundando o conhecimento sobre os impactos, o grupo indígena conseguiu entender que a ferramenta de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), é uma oportunidade geração de renda com preservação das matas.

A novidade do REDD é que em vez de se pagar pelo plantio de árvores como redutoras de emissão de carbono, agora pode-se fazer um projeto para a preservação das árvores já adultas que acumulam grandes quantidades desse elemento. Os países desenvolvidos poderão comprar créditos de carbono da floresta preservada pelas terras indígenas como forma de atingir as suas metas de redução de carbono. “Como já está provado que as terras habitadas pelos índios são freios contra o desmatamento, muitas empresas vão querer criar projetos de REDD para neutralizar as suas emissões de carbono. Ou seja, pagando para que os povos indígenas preservem suas florestas. Portanto fiquem atentos para as propostas”, explicou André Villas Boas, com a ajuda do pesquisador João Andrade, do Instituto Centro de Vida (ICV). Andrade é o co-autor, com Laurent Micol e Jan Börner, do estudo que levanta o potencial do Estado do Mato Grosso para uso da nova ferramenta. Segundo a análise que fizeram, o estado poderia preservar até 25% da sua área de floresta recebendo dinheiro dos países industrializados. Desenvolvimento sustentável seria um bom termo para descrever este possível cenário no estado que sempre quebrou recordes de desmatamento.

No entanto o governador do MT, Blairo Maggi, parece não compartilhar da opinião. Sua participação no evento estava programada para o final do seminário, no dia 11, mas uma convocação recebida do Presidente Lula para ir à Brasília antecipou sua fala para o dia 10. Maggi fez comentários sobre o uso da ferramenta de REDD por seu estado. “A oportunidade deve ser aproveitada pelos que ainda possuem mais de 90% desua floresta preservada como é o Amazonas e o Acre. Esta fraldinha de Amazônia representada pelo Pará, Rondônia e o Mato Grosso deve ser vista como uma barreira de proteção contra o desmatamento mas respeitando a possibilidade de crescimento da vocação do estado que é a agricultura”, afirmou. “Temos que diminuir o desperdício de água na nossa agricultura, repor as matas ciliares para melhorar a irrigação. A água deve ser a nossa prioridade”.

Gado contribui para o aquecimento
Os impactos da pecuária no meio ambiente, atividade econômica importante para o MT, podem ser reduzidos sem alterações significativas e ainda com aumento de produtividade. Sinônimo de lucro e um futuro melhor. O metano, gás produzido pelo gado bovino em seu processo digestivo tem capacidade de aquecer a atmosfera terrestre até 26 vezes mais do que o carbono. Relatório de 2004 do Ministério da Ciência e Tecnologia informa que os gases entéricos eram responsáveis por 69% das emissões brasileiras de metano em 1994. A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Magda Lima, deixou claro em sua fala que algumas mudanças alimentares e a implantação de um sistema de gado confinado com captura do gás, podem render lucro às fazendas na venda de créditos de carbono certificado ou mesmo no uso do gás como biocombustível para outras atividades da mesma propriedade. Estima-se que o retorno dos investimentos se dê em um período de seis anos.

“Pode parecer óbvio mas a questão das mudanças climáticas nos colocou de volta aos parâmetros básicos de agricultura. Para proteger o clima devemos consorciar a agricultura de várias espécies com a pecuária de corte ou de leite. Basta saber que plantas cultivar, em que fase já que cada propriedade tem sua especificidade, como na agricultura familiar”, explica o pesquisado da Embrapa Arros e Feijão, Flávio Wruck. Ele apresentou alguns experimentos feitos em grandes fazendas no estado, onde a rotação de culturas prepara o solo para o cultivo direto, sem a necessidade de adubos com altos índices de carbono. O que possibilitaria o plantio de florestas e a criação de gado de maneira mais sustentável, em sistema agrosilvipastoril, com a orientação de engenheiros agrônomos locais e da própria Embrapa.

Reserva Legal em questão
Apesar de saber disso, o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Luiz Henrique Daldegan preferiu apresentar em sua palestra as dificuldades que têm encontrado para mudar a maneira de se produzir alimentos no estado. Ele afirmou que o aumento da fiscalização já diminuiu muito o desmatamento ilegal e a meta é zerar esse número através do programa MT Legal. “Apoiamos a moratória da soja e estamos conversando com o setor pecuário para fazer uma moratória semelhante que reduza o desmatamento e aumente o cumprimento das leis ambientais no estado. Sabemos que é um grande desafio, pois a estrutura fundiária do MT sempre teve muitos problemas”, A moratória da soja

A obrigatoriedade de manter um percentual preservado nas propriedades rurais (a chamada Reserva Legal), conforme estabelecido pela Medida Provisória nº 2166/01 que alterou o Código Florestal, vem gerando debates e discussões envolvendo ambientalistas e ruralistas. A reivindicação do Mato Grosso é que a RL seja de 50% como era antes. Como, o Mato Grosso inclui-se na Amazônia Legal as propriedades em área de floresta devem ter 80% de Rl e as que estão em área de Cerrado 35%.. De acordo com Daldegan, a alteração colocou os agricultores na ilegalidade. “Se desde o início todos os produtores estivessem com a sua Reserva Legal averbada hoje seria muito mais fácil saber quem comprou a área e quando, se antes ou depois da mudança do Código Florestal”, disse o secretário. Para o governador Blairo Maggi a definição que incluiu o estado na Amazônia Legal é questionável Ele disse estar indo à Brasilia questionar o Presidente Lula sobre a participação do MT na Amazônia Legal.

Com a antecipação da participação do governador no seminário, a apresentação do programa de mudanças climáticas do estado e o recebimento das propostas ficou a cargo de Daldegan. “Este é o primeiro passo de mobilização da sociedade para a construção de um plano transparente e participativo, os atores sociais aqui presentes e as suas propostas já formam a base para o programa de Mudanças Climáticas do Estado do Mato Grosso”. Leia aqui o documento do final do encontro com as recomendações dos grupos de trabalho.

(ISA, 18/09/2008)


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