Entre os meses de janeiro e maio, o Instituto de Estudos da Religião (Iser/RJ) conversou com 210 lideranças de sete setores da sociedade brasileira para saber o que elas pensam acerca das mudanças climáticas e se estão engajadas em busca de soluções para o problema. Em resumo, se a prática seguisse a oratória à risca, não haveria motivos para preocupação. Afinal, a maioria absoluta dos entrevistados assumiu que o impacto do aquecimento global já é sentido, será ainda maior no futuro e afetará, principalmente, as populações pobres. Além disso, embora assumam que não dominem o assunto, quase todos estão dispostos a praticar ações em benefício do meio ambiente.
Durante quatro meses, profissionais do Iser separaram 50 minutos em suas agendas para entender as posições de cada uma das centenas de personalidades divididas entre mídia, Congresso, sociedade civil, organizações não-governamentais, universidades e institutos de pesquisa, empresariado e agências governamentais. Entre os objetivos da pesquisa estavam avaliar as oportunidades e restrições impostas ao desenvolvimento do País pelas mudanças climáticas e obter informações a respeito das preocupações e propostas desse público, a fim de subsidiar programas e políticas contra o fenômeno ambiental.
Para tanto, alguns tópicos comuns foram levantados nas entrevistas. Preocupações iniciais, como o conhecimento do tema e o grau de preocupação com o mesmo serviam para esquentar o bate-papo. Depois, perguntas mais sérias eram jogadas na mesa. Por exemplo: principal desafio da humanidade e do Brasil nos próximos 20 anos; responsabilidades do país perante o mundo; e visão sobre o impacto das mudanças climáticas no setor de atuação do entrevistado.
Então, quer dizer que estamos no caminho certo do combate a uma das principais crises da história da humanidade? Não exatamente. Basta olhar para o setor menos engajado e consciente quando o assunto são as mudanças climáticas para notar que o Brasil ainda está a anos-luz de agir seriamente contra a ameaça: o Congresso Nacional. Trinta parlamentares foram escolhidos para responderem ao questionário. Para um deles, como o tema não está “nem com o povo nem no coração do governo”, é preciso que o Legislativo se preocupe com outros assuntos.
Seguindo a deixa de nosso “representante oficial”, uma curiosidade salta aos olhos: enquanto as ONGs e outras associações do terceiro setor, que no estudo ocuparam o lugar do “povo”, estão em quarto lugar no quesito de engajamento e consciência sobre as mudanças climáticas, os técnicos governamentais alcançaram o segundo posto. Distribuídos nos ministérios e responsáveis por decisões, os entrevistados deste grupo se mostraram muito bem informados sobre a matéria em questão e, apesar de serem parte do Estado, criticaram a inoperância do Poder Público nas efetivas ações contra o aquecimento global. Resta a dúvida: se eles instituem as políticas públicas e estão dispostos a combater as alterações no clima, por que não juntar o útil ao agradável?
“Outras comissões, que já existem há mais tempo no Congresso, têm mais força política do que a recém-criada, de Mudanças Climáticas. Acho que isso impede um pouco a promoção deste debate, mas eles estão no caminho”, diz a pesquisadora Maria Rita Villela, do Iser. Segundo ela, foi possível notar, durante a análise dos dados, que o desenvolvimento social e econômico ainda são considerados mais importantes no Brasil.
Mesmo assim, quando o aquecimento global vem à tona, Villela explica que um percentual considerável dos líderes consultados evita um cenário catastrófico para o meio ambiente e confia nas soluções. Dentro do Brasil, a principal bandeira levantada foi a dos polêmicos biocombustíveis, aposta brasileira para o mercado internacional.
Números frios
Os números encontrados pelo Iser, infelizmente, não retratam a realidade. Dos 210 entrevistados, 199 (ou 94%) disseram que concordam com a visão de que o impacto das mudanças climáticas será elevado, enquanto 77,5% garantiram que o tema é muito importante em suas áreas de atuação. A análise separada por setores, entretanto, ajuda a mostrar os motivos pelos quais o Brasil é tão atrasado quando o assunto é preservação ecológica: o Congresso Nacional também obteve o pior índice no quesito relevância do assunto em seu dia-a-dia.
É intrigante, também, a informação de que 78 lideranças assumiram a necessidade de aprofundar muito mais os seus estudos para atingirem o status de “especialistas no clima”. Isso, logo depois de admitirem o papel protagonista do assunto em suas profissões e se declararem (71%) altamente motivados a ajudar no combate ao aquecimento global. O campeão de conhecimento, é claro, foi a comunidade científica, que também levou a medalha de ouro no ranking de trabalhos prestados ao cuidado com a natureza.
Questionados sobre os principais desafios da humanidade nos próximos vinte anos, 17% elegeram as mudanças climáticas como o maior de todos. Quando a mesma pergunta se referiu apenas ao Brasil, este número caiu para meros 5%. Em primeiro lugar absoluto ficaram os problemas sociais, genérico assim, com um quinto dos votos. Aliás, o aquecimento global ficou somente em segundo posto quando o assunto eram os maiores dramas ambientais do País, logo atrás dos recursos hídricos.
Por ordem de importância, o desmatamento foi de longe o grande vilão brasileiro para as mudanças climáticas, analisando-se apenas atividades econômicas. Com menos da metade dos votos, dividem o segundo lugar os setores de Transportes e Agricultura. Já entre as atividades industriais, o lugar mais alto do podium foi para a...“ação não específica”. Em sua cola estão as madeireiras, as petrolíferas e as siderúrgicas.
Entre os outros setores analisados, os destaques ficam por conta dos poucos serviços prestados pela mídia (que ficou no penúltimo posto quando o quesito foi empenho) para mitigar as modificações no clima e da postura dos empresários. Ironicamente, eles culparam o modelo de desenvolvimento e de consumo pela crise atual e apontaram o Estado como réu pela falta de consciência dos atores sociais. Só esqueceram de auto-aferir uma ampla parcela de responsabilidade nas causas por eles apontadas para o fenômeno – afinal, são as firmas que produzem e incentivam o lucro a qualquer preço. “As pessoas consultadas desse setor eram do alto-escalão de suas empresas. Na verdade, falavam muito mais de suas posições pessoais e não necessariamente como representantes de uma corporação”, diz Maria Rita Villela.
O maior ponto de interrogação do relatório está logo em seu início, quando mostra as posições distantes entre ONGs e técnicos governamentais (as primeiras com pouco movimento contra a crise; o segundo, teoricamente ativo). Villela tem uma explicação na ponta da língua. Segundo ela, a embaixada britânica, parceira no projeto, pediu que os entrevistados não fossem todos “convertidos” às mudanças climáticas, para criar uma diferença de opiniões. “Além disso, fizemos uma graduação de importância no que diz respeito ao poder de tomada de decisão de cada líder. Como o governo tem maior possibilidade neste sentido do que um representante de ong, ele aparece como mais interessado em práticas sustentáveis”, avalia.
Para a pesquisadora, apesar do festival de intenções, o resultado do trabalho desempenhado pelo Iser deve ser comemorado. “As mudanças climáticas estão na boca do povo. Independente dos setores específicos, elas são citadas como um dos maiores desafios da humanidade”, completa. Será preciso torcer para que, quando o discurso for transferido para a prática, não seja tarde demais.
(Por Felipe Lobo, OEco, 18/09/2008)