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cvrd amazônia
2008-09-18

Escrevendo nos anos oitenta sobre a primeira grande onda de inserção da Amazônia nos circuitos internacionais da exploração mineral, o sociólogo alemão Elmar Altvater (autor do livro O Preço da Riqueza, Ed. UNESP) chamou atenção para a necessidade da construção de estruturas institucionais que pudessem dotar os empreendimentos minerais de legitimidade numa região marcada pela ausência do Estado e pela lei do mais forte.

Disse esse autor: "Modernização não pode se realizar em uma ilha, em um mar de formas de vida e de produção tradicionais. As diferentes formas de produção e reprodução na região precisam ser intermediadas, (...). Se isto não for efetivado, os grandes projetos são, então, vulneráveis através de conflitos na região, possivelmente até o ponto que a sua rentabilidade microeconômica seja colocada em questão". (Conseqüências regionais da crise do endividamento global no caso do Pará. In: Kohlhepp, G. e Schrader, A. (Eds.) Homens e a natureza na Amazônia, Tubingen, 1987).

O exemplo que esse autor tinha em mente quando argumentou pela necessidade de articulação econômica dos investimentos minerais com as economias locais, bem como do diálogo com os movimentos sociais e a sociedade civil regional era o Projeto Ferro Carajás da Cia. Vale do Rio Doce e sua principal obra de infra-estrutura: a Estrada de Ferro Carajás-Ponta da Madeira.

Observando o cenário regional e o novo boom de investimentos mínero-metalúrgicos que se desenvolvem na Amazônia podemos dizer que pouco ou nada foi apreendido dessa reflexão, pois as empresas que aqui vêm se instalar ainda trabalham com uma perspectiva que quase sempre ignora os atores regionais, procurando desqualificar, quando não criminalizar, aquelas vozes que ousam discordar de suas estratégias de implantação.

Faço esse preâmbulo para apresentar um movimento, constituído no final de 2007, que tem por objetivo justamente a discussão do modelo de desenvolvimento que cerca a implantação de empreendimentos mínero-metalúrgicos na Amazônia: o Movimento Justiça nos Trilhos.

Segundo a carta-compromisso postada no site do movimento [www.justicanostrilhos.org/index.html] o Justiça nos Trilhos tem como "prioridade a defesa do meio-ambiente e das populações ameaçadas na região amazônica, especialmente aquelas situadas às margens da Estrada de Ferro Carajás, indicando como objetivos de sua campanha:

a) Avaliar o impacto real das atividades da Companhia Vale do Rio Doce (Vale) ao longo da denominada área de influência da Estrada de Ferro Carajás;

b) Propor o debate sobre a construção de mecanismos que possibilitem a internalização de recursos da Vale, de forma a alavancar o desenvolvimento sustentado das comunidades que vivem na área de influência da EFC.

Para atingir esses objetivos o movimento Justiça nos Trilhos vem "trabalhando no sentido de envolver prioritariamente três segmentos da sociedade: os movimentos populares e a base da população, o meio acadêmico e as instituições públicas locais" num processo que tem como primeiro momento chave a realização de uma oficina no Fórum Social Mundial, na cidade de Belém/PA, em janeiro de 2009.

No processo de levantamento das informações sobre as condições de vida das populações que residem nos municípios da área de influência da Estrada de Ferro Carajás o movimento vem contando com o apoio de grupos de pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (São Luis e Imperatriz) e da Universidade Estadual do Maranhão (Santa Inês). Essas informações servem de subsídios para os debates com as populações locais sobre as repercussões (positivas e negativas) dos empreendimentos mínero-metalúrgicos e permitem o esclarecimento sobre as possibilidades de intervenção da sociedade civil organizada na construção do seu destino.

Lançado por um conjunto representativo de entidades (SMDH, Sindicato dos Ferroviários, CUT, Cáritas Maranhão, Fórum Carajás, Movimento Reage São Luis, Associação de Juízes pela Democracia) o movimento Justiça nos Trilhos vem realizando encontros onde é debatida a realidade das populações que vivem ao longo da ferrovia, ao mesmo tempo em que são recolhidas sugestões para a transformação da situação vigente.

Ao tomar para si a iniciativa de discutir o modelo de desenvolvimento que tem marcado a inserção da Amazônia no mercado mundial de commodities minerais o movimento Justiça nos Trilhos chama atenção para a necessidade da reflexão sobre os resultados econômicos, sociais e ambientais dessa inserção, aprendendo com as experiências passadas - cujo melhor exemplo é o do esgotamento da exploração do manganês na Serra do Navio/AP - procurando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de alternativas para a construção de uma Amazônia mais justa e democrática.

(Por Marcelo S. Carneiro *, Adital, 17/09/2008)
* Sociólogo


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